Álvaro Augusto Ribeiro Costa *
Na interminável e triste novela intitulada “No Tempo do Bolsovírus”, transmitida nos meios de informação e desinformação no Brasil e no exterior, são cada vez mais frequentes os capítulos de tragicomédias em curso, atravessando dias, noites e madrugadas.
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Um dos últimos ainda não teve título definido, pois se em tempos anteriores poderia ter como epígrafe simplesmente “Uma Reunião Ministerial”, hoje isso não se faz possível. Como se poderia, então, denominar o infeliz evento?
São múltiplas as propostas. Por exemplo: Conversa de Botequim no Planalto, Um Teatro de Horrores, A Hora da Zorra, ou ainda, na habitual gíria das hostes milicianas, Pintou Sujeira. Os espíritos metódicos apontam, todavia, “A Desorganização da Delinquência”. Mas não falta quem, simplificando, afirme ter sido apenas “A Assembleia das Hemorroidas”.
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Outros lembram, contudo, a simultânea, crescente e macabra contagem das milhares de vidas e famílias perdidas e os irreversíveis padecimentos das vítimas, em grande parte, da indiferença, insensibilidade, incompetência, negligência, culpa e/ou dolo revelados no tal episódio; e ninguém esquece uma voz maligna ressoando: E daí? (poderia ser um epílogo, mais um título, ou tão-somente um signo de maldade e desgoverno?)
PublicidadeDeixando de lado por enquanto o que nele mais possa interessar à Antropologia, à Sociologia, à Filosofia, à Ciência Politica, à Historia e à Criminologia, não faltaria lugar também para a curiosidade do psiquiatra, do veterinário, do freudiano, do biólogo ou mesmo de um diletante colecionador de inverdades e maléficas intenções.
Contudo, a saliência dos aspectos escatológicos da desastrada reunião – evidenciando à primeira vista crimes de responsabilidade por falta de decoro – são infelizmente superadas em gravidade pelas despudoradas condutas de alguns participantes. Constituem auto-incriminação notória, prova pré-constituída e autenticada pelos próprios autores, coautores, partícipes e testemunhas.
Efetivamente, por sua forma, conteúdo e circunstâncias, completam um flagrante corpo de delitos praticados, confessados, prometidos e/ou anunciados. Um precioso material a ser preservado e pedagogicamente divulgado (tirem as crianças da sala), de grande interesse para variadas ciências e artes, não apenas dos estudiosos mas também e sobretudo de quem deva constitucional e legalmente agir, sob pena de prevaricação.
O quadro exposto na desmoralizante assembleia requer especial atenção de juristas, magistrados e membros do Ministério Público. Apresenta vasto conjunto de atos, fatos e intuitos delituosos assumidos, exigindo inadiável ação dos agentes públicos e políticos incumbidos de aplicar o direito e definir responsabilidades com presteza, independência e isenção.
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Com efeito, quem poderia conceber mais grotesco cenário do que o escancarado a partir de reunião ministerial sob o grosseiro comando da presidência de uma tão sofrida República? Como tolerar, sem criminosa condescendência, a explícita apologia e incitação à violência armada, deliberadamente concebida e publicamente exibida contra as instituições do Estado Democrático de Direito e seus representantes?
Como ignorar as gritantes agressões e ameaças ao patrimônio público, à segurança nacional, à probidade na administração, aos cidadãos e a seus direitos fundamentais, tudo sob a descontrolada batuta de um Chefe de Armadas Instituições, mito de fanáticos e milicianos, que na presença de silenciosos generais prega a distribuição de armas e afirma ser fácil instalar uma ditadura quando as pessoas estão isoladas em casa? O que mais seria necessário para se fazer cumprir a Constituição assim vilipendiada?
Finalmente, por que tratar apenas daquela assembleia escolhida e indicada em delação feita por um super-integrante da mesma organização que a promoveu? Seriam irrelevantes e angelicais as reuniões anteriores e posteriores? Por que a Global e premiada delação feita por quem oculta fatos delituosos anteriores que não poderia por dever de oficio ignorar? Como aceitar, homologar e premiar o delator que até a véspera se apresentava como irmão siamês do delatado e fiador de sua irrepreensível conduta, dela auferindo dissimuladamente e enquanto pôde as vantagens e benesses a seu alcance?
Por tudo isso, mais do que nunca se fazem necessárias, por dever cívico ou de sobrevivência como nação civilizada, as iniciativas de defesa e promoção da cidadania por todos os meios, sem subestimar – a despeito das frustrantes omissões e conivências de parcelas consideráveis daquelas mesmas agredidas instituições – os instrumentos jurídicos constitucionalmente disponíveis (representações civis, administrativas, notícias-crime, ações constitucionais (impeachment), políticas (comissões parlamentares de inquérito, convocação de ministros e autoridades), ações de responsabilidade civil por danos materiais e morais, queixas-crime, ações penais, populares e/ou de improbidade etc.
Ainda haveria tempo para isso?
* Álvaro Augusto Ribeiro Costa, subprocurador-geral da República aposentado, foi advogado-geral da União entre 2003 e 2007.
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