Um relatório divulgado pelo instituto De Olho nos Ruralistas, que acompanha políticas ligadas ao agronegócio brasileiro, apontou para a predominância de multinacionais estrangeiras no lobby do setor no Brasil. Das seis empresas com maior número de encontros de representantes com o Ministério da Agricultura entre 2019 e 2022, apenas uma, a JBS, é brasileira.
O lobby do agronegócio, de acordo com o relatório, é em grande parte realizado pela think tank Instituto Pensar Agro (IPA), que concentra o financiamento de mais de mil empresas e associações do setor. A organização conseguiu, entre 2019 e 2022, realizar em parceria com a Frente Parlamentar da Agropecuária 160 reuniões oficiais com servidores do Ministério da Agricultura sob a gestão de Tereza Cristina (PP-MS). Movimentos sociais com atuação no campo, por outro lado, conseguiram apenas duas reuniões.
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Além das reuniões com o IPA, seis companhias conseguiram somar 278 reuniões com a pasta: a suíça Syngenta, com 81 reuniões, a brasileira JBS, com 75 reuniões, a alemã Bayer, com 60 reuniões, a também alemã Basf, com 26 reuniões, a suíça Nestlé, com 23 reuniões e a estadunidense Cargill, com 13 reuniões.
A Bayer, do ramo de produção de agrotóxicos, foi apontada no relatório como a principal interessada em manter proximidade com o governo. Em outubro de 2019, seu presidente Werner Baumann chegou a se encontrar com o presidente Jair Bolsonaro em um evento promovido pela Apex Brasil. No ano seguinte, o vice-presidente Hamilton Mourão conversou com executivos da companhia em videoconferência.
Apesar das maiores empresas a financiar o IPA serem de origem europeia, a Europa não é a principal fonte de receita do instituto. No topo se encontram os Estados Unidos, com 40 empresas dentro da organização. Companhias de comércio de grãos, de gestão de imóveis rurais, de produção de agrotóxicos e de fabricação de produtos para animais protagonizam o quadro de investidores.
Na sequência, estão companhias da China e Japão, que somam 31 participantes no IPA. Desses dois países, o setor de interesse é o da produção e comércio de tabaco dentro e fora do Brasil. Somente então participam os investidores europeus, com a Alemanha, França, Itália, França e Suíça como principais sedes de financiamento.
O relatório não deixa de ressaltar a disparidade entre o acesso dessas empresas ao governo e o acesso de movimentos sociais. “Enquanto indígenas, camponeses e quilombolas são alijados das discussões que impactam seu direito à vida e ao território, o poder econômico do agronegócio transita livremente, impondo pautas que, em última instância, irão provocar o acentuamento da grave crise socioambiental que enfrentada pelo Brasil na atualidade”.
O Ministério da Agricultura já nega a preferência por atender multinacionais ligadas ao IPA, bem como nega o interesse comercial dos encontros. “A relação [do IPA] com o Ministério da Agricultura é no sentido de fornecer subsídios e informações relevantes para a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento do setor”, alegou em nota a assessoria de comunicação.
Principais interesses
O relatório aponta para o setor agroquímico como o principal ramo do agronegócio interessado no lobby tanto no poder executivo quanto no legislativo. E nesse sentido, a facilitação da entrada do mercado de agrotóxicos é o interesse dominante, tendo sido o principal motivo das 81 reuniões de representantes da empresa suíça Syngenta com o alto escalão do Ministério da Agricultura.
O esforço nesse sentido surtiu resultado. Ao longo da gestão de Jair Bolsonaro, mas de 1,6 mil novos agrotóxicos foram legalizados no Brasil. Além disso, no último mês de fevereiro, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 6299/2002, que flexibiliza a fiscalização de agrotóxicos no Brasil e permite a comercialização de substâncias genéricas. O projeto contou com amplo apoio e articulação do governo para ser aprovado, e agora tramita no Senado.
Além de ter articulado em favor do projeto, o IPA também atuou na articulação do novo código de licenciamento ambiental, que reduz a fiscalização não apenas para o setor do agronegócio como para mineração, indústria e construção civil; ao Projeto de lei 2633/2020, que anistia diversos imóveis obtidos por grilagem de terras públicas e o Projeto de Lei 191/2020, que legaliza a mineração em terras indígenas. Todos os projetos receberam apoio do governo.