Rodrigo Augusto Prando*
A semana começou, politicamente, como o esperado: a saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores. Contudo, terminou com o inesperado: uma não anunciada minirreforma ministerial com trocas em seis posições no primeiro escalão do Governo. E, na terça-feira (30), foi anunciada a substituição do Comando das três forças: Exército, Marinha e Aeronáutica. O que pode ser compreendido de tais fatos?
Ao fim da segunda-feira, três cenários estavam colocados por conta das mudanças: 1) estaria o Governo Bolsonaro desmoronando?; 2) seria, ao contrário, uma acomodação dos interesses e pressões, especialmente, do Centrão?; e, finalmente, 3) se está em curso uma radicalização e uma eventual tentativa de ruptura institucional?
Antes, porém, de tratar destas hipóteses, vale indicar quais foram as movimentações em tela. Foram três atores que deixam o governo: Ernesto Araújo, do Ministério das Relações Exteriores; Fernando Azevedo e Silva, do Ministério da Defesa e José Levi da Advocacia Geral da União.
Há três novos nomes assumindo posições: Carlos Alberto Franco França no lugar de Araújo; Flávia Arruda, na Secretaria de Governo, no lugar de Luiz Eduardo Ramos e Anderson Gustavo Torres, no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Houve ainda a realocação de três ministros: Luiz Eduardo Ramos que assume a Casa Civil; Walter Braga Neto que assume o Ministério da Defesa; e André Mendonça deixa o Ministério da Justiça e Segurança Pública e assume a Advocacia Geral da União.
Nesta quarta-feira (31), Bolsonaro anunciou que o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira chefiará o Exército; o almirante de Esquadra Almir Garnier Santos, a Marinha, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, a Aeronáutica, e o general Décio Schons, mais antigo entre os 4 estrelas da ativa, será o chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas.
PublicidadeTais mudanças deveriam, para o bem da boa comunicação política e da tranquilidade institucional e social, ser informadas com antecedência e com claros elementos indicando o porquê de tais decisões.
Voltemos, contudo, aos cenários há pouco aventados. Em primeiro lugar, muitos, apressadamente, e mais como torcida do que como análise, entenderam que a sucessão dos fatos eram indicativos de que o governo estaria desmoronando e chegando aos seus estertores. Nada, objetivamente, permitiria assumir essa hipótese. O governo está fragilizado, bem como Bolsonaro, e isso se dá, essencialmente, pela ausência de liderança e enfrentamento racional da pandemia.
Em segundo lugar, a hipótese de que o conjunto das mudanças processadas indicariam que, no bojo do governo, haveria uma reacomodação de forças políticas, especialmente, para atender e amainar a pressão do Centrão sobre o Planalto. Creio que, aqui, esteja parte da resposta aos acontecimentos recentes. O Centrão, vale lembrar, tão atacado pelos bolsonaristas, foi trazido para o governo por desejo de blindar o presidente de um eventual processo de impeachment e, também, para que o Executivo tenha apoio e governabilidade junto ao Legislativo.
Com isso, o Centrão entrega apoio, bem sabemos, mas cobra numa voracidade enorme e tampouco tem fidelidade a algum governo (Dilma já teve apoio do Centrão e depois foi abandonada à própria sorte).
Além do Centrão, Bolsonaro foi acuado por outras forças: o “efeito Lula”, que, após o discurso do ex-presidente, fez Bolsonaro usar máscara e até colocar um globo terrestre na mesa durante sua live; a Carta de economistas e banqueiros, que mostra insatisfação do mercado com os rumos da economia e do combate à pandemia; a morosidade na aquisição de vacinas e o aumento da escalada de mortes na pandemia e, não menos importante, as ações de governadores e prefeitos que destoam da posição do presidente e, no caso, do Governador de São Paulo, João Doria, proeminente adversário de Bolsonaro e detentor do capital político por ter investido na vacina que, hoje, imuniza a grande maioria dos brasileiros.
Todos esses fatores levaram Bolsonaro a reagir, todavia, são reações tardias e, muitas vezes, inócuas, já que o presidente aposta no confronto ao invés do diálogo político e de ações alicerçadas sobre a ciência e sobre a racionalidade administrativa.
Em terceiro lugar, mas não menos importante, o enorme ruído e desgaste com as Forças Armadas com a troca do Ministro da Defesa, Azevedo e Silva, e a saída dos Chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica; Pujol, Barbosa e Bermudez, respectivamente.
Neste caso, na nota demissionária de Azevedo e Silva, foi expresso que ele havia mantido as Forças Armadas como instituições de Estado, deixando no ar, o que depois foi confirmado pelos jornalistas, a constante tentativa de Bolsonaro de politizar e instrumentalizar as Forças Armadas para seu projeto de governo e de poder.
Em se tratando de um governo que, no seu bojo, abriga cerca de 6 mil militares em funções civis, qualquer estremecimento gera, no mínimo, desconfianças de que poderia ocorrer radicalização ou rupturas institucionais.
Ainda na terça-feira (30), o vice-Presidente, Hamilton Mourão, declarou que “Pode botar quem quiser, não tem ruptura institucional; Forças Armadas vão se pautar pela legalidade, sempre”. Tal afirmação teria o poder de amainar os ímpetos radicais de alas bolsonaristas, bem como tranquilizar a sociedade dando a sinalização que, mesmo trocando a cúpula das Forças Armadas, não se caminharia para qualquer ação golpista que colida com os ditames constitucionais.
Em síntese, de tudo que se pode vislumbrar dos últimos acontecimentos, Bolsonaro e seu governo, novamente, reagem às diversas e fortes pressões oriundas dos atores políticos, do mercado e da própria sociedade que, nas avaliações promovidas por pesquisas, tem desaprovado o governo e, inclusive, e isso é sensível ao Planalto, colocam a possibilidade de uma derrota de Bolsonaro num eventual segundo turno contra Lula, por exemplo.
O governo, portanto, nem está desmoronando e nem caminha para a ruptura institucional. Até podem existir vontades, individuais e de grupos, de suplantar a ordem democrática, mas vontades subjetivas devem encontrar condições objetivas para se realizarem e, neste caso, até o momento, ao que tudo indica, as Forças Armadas não embarcam em desejos radicais e a sociedade brasileira em sua diversidade parece ter acumulado musculatura democrática e capacidade de resistência institucional.
E Bolsonaro, por sua vez, se fizer política e exercer a liderança presidencial tem espaço para mudanças positivas para seu governo e para a sociedade brasileira. O ponto fulcral é: o que o presidente deseja?
*Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.
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