Desde a redemocratização o Brasil, de modo incremental, vem avançando na adoção de mecanismos legais de ampliação da transparência e do controle na gestão pública que levaram a uma mudança de paradigma na relação do governo com o mercado e com a sociedade.
A mudança de paradigma, por sua vez, levou a uma nova realidade na qual a opinião pública não aceita mais que os governos tenham licença para gastar perdulariamente, o mercado não aceita mais impunemente a interferência nos lucros e na gestão de seus negócios e a sociedade não tolera mais passivamente desvio de condutas.
Nessa nova realidade, os governos, sejam de que matiz ideológica forem, terão que fazer o que é necessário na economia e na gestão e não o que lhes seja conveniente do ponto de vista político ou ideológico. Se quiserem sobreviver politicamente, terão que agir com discernimento, senso crítico e responsabilidade fiscal, social e ambiental.
Se descumprirem ou ignorarem esses postulados, perderão a perspectiva de continuidade no poder ou mesmo poderão ter seus mandatos interrompidos como consequência do mau humor do mercado, da opinião pública e da sociedade.
Esse avanço civilizatório, com raríssimas exceções, teve a contribuição de cada um dos presidentes desde a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, conforme resumiremos a seguir.
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O governo do presidente Sarney, cuja equipe foi herdada de Tancredo Neves, que faleceu antes da posse, foi basicamente de transição, porém deu importantes contribuições nessa perspectiva ao acabar com a conta movimento do Banco do Brasil, sancionar a Lei do Colarinho Branco (Lei 7.492/1986) e criar o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), um sistema de contabilidade pública.
O governo do presidente Collor não deixou nenhum grande legado nesse aspecto, salvo o discurso de modernização da economia e a Emenda à Constituição – EC nº 1/1992, que limitou a remuneração de deputados estaduais em 75% da dos deputados federais, e limitou a dos vereadores a 75% da dos deputados estaduais. Seu mandato foi cassado por desvio de conduto e por seu estilo messiânico e voluntarista.
O governo Itamar Franco, essencialmente de transição, deixou como grande legado a estabilidade econômica, a partir da implementação do Plano Real. Além disto, foram tomadas algumas medidas moralizadoras na política e nas finanças públicas: a primeira a EC nº 4/1992, impedindo casuísmos eleitorais, como a proibição de que alterações na legislação eleitoral entrem em vigor no ano da eleição, e a EC 3/1992, que deu caráter contributivo à Previdência Social no serviço público.
Os governos de Fernando Henrique Cardoso deixaram como grandes legados a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, a lei que proíbe a compra de sufrágio (Lei 9.840/99) e a lei que instituiu a Corregedoria-Geral da República, depois transformada em Controladoria-Geral. Apesar da “promessa” de que poderia aperfeiçoar a gestão pública, a “Reforma Administrativa”, na forma da EC 19/98 e sua regulamentação parcial, acabou tendo efeito oposto, sem qualquer efeito positivo que se possa apontar na melhoria do serviço público.
Os dois primeiros governos Lula foram de avanços na transparência e no controle, especialmente com a criação do portal transparência, a sanção da lei da ficha limpa, o fortalecimento da Controladoria-Geral da União, determinando que também investigasse a aplicação dos recursos repassados a estados e municípios, e envio ao Congresso de inúmeros projetos relevantes nesse campo, aprovados e sancionados durante a gestão Dilma.
Os governos Dilma consolidaram as iniciativas dos governos Lula, especialmente a aprovação e sanção das leis: 1) de acesso à informação, 2) de conflito de interesses, 3) de responsabilização da pessoa jurídica (lei anticorrupção), 4) de combate ao crime organizado, 5) da delação premiada, 6) E.C 76/13, que aboliu o voto secreto na apreciação de vetos e na cassação de mandatos de parlamentares, etc, transferindo para o ministério público, o TCU e a polícia federal atribuições que antes eram privativas de CPIs e do Judiciário. Apesar disto, a presidente teve seu mandato cassado sob a acusação de pedalada fiscal, embora se reconheça que o processo foi político e teve como motivação a resistência do mercado à sua postura mais intervencionista na economia.
Apesar do voluntarismo dos seus tecnocratas, que permitiram alguns avanços formais, como a aprovação e sanção da Lei das Agências Reguladoras, o governo Bolsonaro não deixou nenhum legado relevante nesse campo. Pelo contrário, foi percebido como um governo de desmonte e interferência nos órgãos e mecanismos de transparência, fiscalização e controle. Priorizou a luta política e a perseguição aos adversários políticos, extinguindo espaços de diálogo e participação e tentou dar impulso às privatizações, mas de forma predatória. A única medida durante seu governo que significou contribuição importante – o Pix – foi iniciativa dos servidores do Banco Central, não tendo havido qualquer incentivo ou participação do presidente nesse particular.
Por tudo isso, o temor do mercado com mudanças nesse novo padrão de governança é absolutamente infundado e o novo arcabouço fiscal comprova isso. Os mecanismos de transparência e de controle, que são parte do padrão de governança internacional, vieram para ficar, especialmente em tempos de revolução científica e tecnológica, com a automação, digitalização e comunicação em tempo real, com o mundo em rede. Nas democracias liberais, os governos, independentemente suas ideologias, não terão como fugir dos compromissos com nova governança, que se pauta: 1) pela transparência e pela integridade; 2) pela responsabilidade fiscal, 3) pela responsabilidade social; e 4) pelo respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente sustentável.
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