Há quatro décadas o jornalista e analista político Antonio Augusto de Queiroz escrutina as relações entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Acompanhou, pelos corredores do Parlamento, os últimos suspiros da ditadura militar, a transição democrática, a elaboração da Constituição Federal, a cassação de dois presidentes da República, a ascensão e queda da esquerda, a instalação da extrema-direita nas entranhas do poder. Testemunhou a sobreposição de crises e escândalos políticos.
Como ex-diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), elaborou dezenas de listas com os parlamentares mais influentes, os chamados “Cabeças do Congresso”, e virou referência na interlocução dos parlamentares com o movimento sindical, transitando livremente entre políticos de esquerda, centro e direita.
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Toninho, como é mais conhecido no meio político, antevê o movimento que Lula fará para conseguir apoio no Congresso para governar. “A ideia de que o governo vai ser mais à esquerda, no espectro político, é completamente equivocada. Lula vai buscar puxar para o centro o o Parlamento, que está à direita, e buscar pacificar a sociedade que votou nesta direita mais radicalizada. Vai precisar de muito equilíbrio”, avalia o analista político nesta entrevista ao Congresso em Foco.
“A tendência é que seja governo social-democrata, mais de centro, que vai ter um período de transição, para reorganizar este país, que está desmontado pela ausência de racionalidade do governo anterior, que apostou no desmonte”, adverte o jornalista, que também é colunista deste site.
Oposição maior, mas menos consistente
Analisando-se pelos números o novo Congresso, Lula tende a ter um cenário mais adverso do que o que encontrou em 2003, em seu primeiro governo. Na ocasião, tinha o apoio consistente na Câmara de 207 deputados e 190 deputados na oposição. Os demais eram classificados como independentes, podiam apoiar o governo ou não conforme a votação. Agora, o petista deverá se defrontar com 204 opositores na Casa e ter o apoio consistente de 140. Embora se mostre mais hostil, a situação poderá ser mais facilmente revertida, avalia Toninho.
“Naquela oportunidade, os principais partidos de oposição, muito significativos do ponto de vista numérico e de qualidade, eram o PSDB e o PFL, os únicos partidos que, nos quatro mandatos do PT, foram oposição ferrenha. Na nova legislatura, os partidos que se apresentam como oposição, com exceção do Novo, todos os demais, ainda com nomes distintos, fizeram parte de todos os governo como base de sustentação”, observa.
O pragmatismo desses partidos tende a abafar a direita mais barulhenta e radical na oposição ao governo, considera. “Essa fração mais à direita, ideologizada, é pequena, representa pouco mais de um terço da oposição toda. Os demais são pragmáticos e tendem a se relacionar com o governo, especialmente com o perfil do Lula, que é de diálogo, de conciliação e entendimento”, diz o analista político.
Caberá ao novo governo, então, a missão de convencer o grupo de parlamentares independentes e aqueles que podem variar o voto ao sabor de cada proposição a se somarem à sua base nas votações. “Se a oposição continuar com unidade, ela inviabiliza o governo porque tem número suficiente na Câmara e no Senado para impedir a aprovação de propostas de emenda à Constituição e para criar CPIs”, adverte.
“Haddad não vai ser gastador”
Toninho considera fora de propósito os receios do chamado mercado de que o novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não controlará os gastos do governo. Segundo ele, com o impeachment de Dilma Rousseff, houve uma mudança de paradigma na relação entre o Estado, o mercado e a sociedade.
“Não tem mais possibilidade de ter um governo perdulário do ponto de vista fiscal ou interferindo na gestão e no lucro das empresas. Haddad vai ser o ministro que vai agir, na minha avaliação, com muito equilíbrio. Não vai ser o gastador que o mercado imagina. Vejo o governo que vai agir na perna fiscal muito em sintonia com o presidente do Banco Central, que atua na perna monetária. Esses dois movimentos vão ter sintonia, marchar juntos”, antevê.
Assista ao primeiro trecho da entrevista:
“Bolsonaro foi um acidente na história”
Para Toninho, Bolsonaro foi um “acidente na história do país”. “Ele se elegeu sem ter a menor noção do que são, o que fazem e como funcionam as instituições de Estado. Não tinha preparo para exercer as três funções do presidente da República: chefe de Estado, chefe de governo e líder da nação”, avalia. Toninho considera que o comportamento adotado por Bolsonaro após a derrota eleitoral mostrou que ele não continuará a liderar o movimento criado a partir de seu próprio nome.
“O bolsonarismo, entendido como movimento extremamente reacionário, conservador, deve continuar mas com nova liderança. Mas não creio que outro candidato tenha o nível de adesão que teve Bolsonaro, um negócio surpreendente porque havia um sentimento muito forte antipetista, a luta do bem contra o mal e se envolveu muito religião nisso”, ressalta.
Segundo ele, novas lideranças de direita vão ter perfil diferente de Bolsonaro. “Pessoas que se envolveram nesse processo, montando acampamento, tomando chuva, adoecendo, viram que isso não leva a nada. Foram usadas como massa de manobra”, observa. “Estão se apresentando como verdadeiros tolos, bobos. Certamente será uma direita mais qualificada embora sem essa capacidade de mobilização que teve Bolsonaro.”
Assista à segunda parte da entrevista:
“Centrão segurou o radicalismo”
Antonio Augusto de Queiroz considera que o Centrão, grupo de partidos sem orientação ideológica específica que apoia todos os governos desde a redemocratização em troca de benesses, foi fundamental para evitar que Bolsonaro tentasse dar um golpe de Estado.
“O fato de ter havido uma base de sustentação ao governo foi positiva para evitar que se chegasse fora de limites essa divisão no país. O Centrão cumpriu papel de segurar o radicalismo dessas forças mais à direita do espectro politico. Não fosse o Centrão abraçar Bolsonaro, ele teria tomado atitudes e posturas fora do espaço democrático”, entende.
Segundo Toninho, o avanço do Congresso sobre o controle dos recursos orçamentários, a exemplo do que ocorreu na gestão Bolsonaro com o chamado orçamento secreto, é reflexo da fragilidade do governo recém-encerrado. Situação semelhante ocorreu, lembra ele, com Dilma Rousseff e Michel Temer.
“Quando o governo é fraco, o Parlamento avança fortemente sobre o orçamento público. Basta recuperar os últimos anos. As emendas individuais passaram a ser impositivas no segundo mandato de Dilma, que era uma presidente fraca. A emenda coletiva passou a ser impositiva no governo Temer e foi criada a emenda de relator, a RP-9, conhecida como orçamento secreto no governo Bolsonaro”, explica.
Por causa da experiência e da força política do presidente Lula, esse avanço não acontecerá na próxima legislatura, segundo Toninho. “Vem um novo governo experiente, legitimado. A possibilidade de o Congresso avançar sobre o orçamento na mesma velocidade é remota. No limite, o Congresso buscará conservar, mas não vai avançar”, aposta.
Veja o terceiro trecho da entrevista: