O presidente Lula nunca gostou do ex-presidente Michel Temer. E peço licença aqui para contar uma história colhida nestes mais de 30 anos de convivência com a turma do poder em Brasília.
Em 2002, na transição para a formação do seu primeiro governo, Lula desautorizou José Dirceu, que seria depois seu ministro da Casa Civil, a seguir com as negociações que fazia com o partido que então se chamava PMDB para que se tornasse um aliado oficial. Quem á época presidia o PMDB era o então deputado Michel Temer. E Lula desautorizou a continuação das negociações porque não confiava em Temer.
Na eleição, o PMDB fora parceiro de chapa do adversário de Lula, José Serra. E, é claro, quem conduziu oficialmente essa aliança foi Temer. Na eleição, o PMDB cindiu-se. Parte nunca esteve com Serra. Na época, então, Lula apostava mais numa aproximação pontual a partir das alianças que fizera com o ex-presidente José Sarney e com o senador Renan Calheiros. Renan é um personagem curioso dessa história, já que Alagoas foi o único estado onde Serra venceu Lula nas eleições.
Na época, um ministro de Lula assim qualificou Temer em uma conversa comigo: “Temer é uma bolha, que precisa ser estourada”. A ideia era estimular essa cisão interna do PMDB em uma tentativa de extirpar Temer do comando. Fiz uma coluna contando essa história com o título de “A Bolha” (com um propósito estilístico evidente: “The Blob” – em português, “A Bolha Assassina”, é o título de um clássico de terror dos anos 1950, com Steve Mcqueen).
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Furioso, Temer me chamou ao gabinete da presidência do PMDB, que fica no subsolo da Câmara dos Deputados. Ele queria saber quem tinha dito aquilo. Naturalmente, não soube. “Eles vão ver quem é a bolha”, respondeu irritado.
O fato é que a bolha não foi estourada. Temer continuou no comando do PMDB. E José Dirceu optou por um outro tipo de aproximação política. Em vez da aliança institucional com partidos, foi na linha de buscar apoios pontuais. E essa é a semente que gerou o episódio que resultou no que ficou conhecido como Mensalão.
Na reeleição de Lula, lá estava oficialmente o PMDB entre os aliados. Em um processo que redundou depois na escolha de Temer, a “Bolha”, para ser vice de Dilma Rousseff.
Se Temer não é de confiança, como dizia o instinto de Lula em 2002, o fato é que ele foi se aproximando dos governos petistas até se tornar o principal parceiro deles. E se depois tramou para derrubar Dilma e ficar com o seu mandato, não teria conseguido fazer isso sozinho.
Temer hoje não tem mandato, mas não está afastado da política. É o presidente de honra do partido que voltou a se chamar MDB, como na sua origem. E o MDB é aliado oficial do novo governo Lula que começa. No qual estão diversos outros personagens que apoiaram o impeachment de Dilma. Citemos apenas dois nomes notórios: o vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro da Indústria e Comércio, e a ministro do Planejamento, Simone Tebet.
É mais do que evidente que faz parte dos planos de Lula construir uma redenção em seu novo governo. Tanto da sua biografia como da biografia de Dilma. E esse sentimento que deve tê-lo movido a chamar Temer de “golpista” agora no Uruguai, gerando como reação uma dura nota de Temer. Mas as circunstâncias políticas que levaram à sua vitória tornam esse projeto de certa forma também complicado. Porque Lula viu-se obrigado a compor com os mesmos que ajudaram a gestar o impeachment de Dilma, que é a base de todo o processo que acabou levando também á sua condenação e prisão.
É justo que Lula queira fazer essa redenção. Mas ele convidou a turma do impeachment para a festa. E não dá para convidar um sujeito para uma festa para daí, na mesa do banquete, bater com o garfo na taça e entabular um discurso para falar mal dele.