Se você é uma dessas pessoas que não entendem muito sobre economia e quando os especialistas começam a falar do assunto, utilizando os tradicionais jargões do “economês”, só consegue acompanhar a explicação ao lado de um bom dicionário, saiba que eu também (risos). Ainda assim, me desafiei a escrever um pouco sobre este tema no presente artigo, pois nem só de economês sobrevive a economia.
Lula versus Bolsonaro
Há até quem acredite que, para opinar sobre economia, é necessário ser economista, ter um diploma universitário, ser investidor ou empresário. Já tivemos um candidato à Presidência da república, Jair Messias Bolsonaro, sustentando essa ideia, afirmando que quem deveria saber de economia não era ele e sim o seu futuro ministro, Paulo Guedes. Quatro anos depois, estamos aqui colhendo os frutos de não termos feito um debate sério e inclusivo sobre a política econômica que o Brasil viria a adotar. Milhões de pessoas passaram a viver em insegurança alimentar, desempregadas ou expostas a uma precarização absurda de seus direitos trabalhistas.
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Ficamos quatro anos alimentando rancores, ódios e extermínio dos grupos vulnerabilizados: indígenas, negros, mulheres, crianças, idosos. Chafurdamos na lama das fake news, do negacionismo e do fanatismo político-religioso, como se todo o país tivesse sido enfiado dentro de uma daquelas cabines à prova de som, comuns em programas de auditório, e tivéssemos trocado responsabilidade social e decência humana por um regime pautado em valores nazifascistas e que, aparentemente, não vê problema nenhum em matar de fome, doença e bala a sua população.
Dois anos antes desse caos começar, numa noite de abril de 2016, tomei um ônibus e fui até os arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, para ouvir a fala de um nordestino, sem diploma universitário. Um Silva. Um homem comum. Era Luiz Inácio Lula da Silva no Ato da Cultura pela Democracia. Uma de suas falas mais marcantes naquele dia foi a seguinte:
“O pobre não é problema, o pobre é a solução deste país. Dê um bilhão pro mercado que ele vai investir a longo prazo, vai comprar títulos do Tesouro e vai demorar anos para gerar um emprego. Dê cem reais pra uma mulher pobre, que ela vai, meia hora depois, num supermercado, comprar pão, comprar leite, comprar feijão, comprar carne, comprar uma meia, comprar um sapatinho para a criança. Ela vai transformar aquele dinheiro numa coisa que vai rodar a roda gigante da economia. Eu acredito nisso como acredito em Deus”.
De uma maneira muito simples, Lula explicou a dinâmica e a importância de um programa de transferência de renda, como o Bolsa Família.
A importância de se apropriar do debate econômico
Cursei, no meu primeiro semestre na universidade, uma disciplina obrigatória de introdução à economia, na qual tive a oportunidade de entender um pouco alguns conceitos sobre os quais costumava ouvir quando assistia a telejornais. Foi exatamente quando me dei conta: não seria justo que os cidadãos de um país, tão afetados pelas questões econômicas, pudessem compreender pelo menos o seu bê-á-bá?
A primeira pergunta que a gente precisa se fazer é: a quem interessa uma massa de pessoas alheias ao debate econômico? A resposta é óbvia: aos grupos que controlam as pautas econômicas e também a própria economia. As razões podem guardar suas especificidades, mas, de forma muito direta, podemos dizer que aqueles que estão no controle e obtendo seus dividendos, desejam conservar as coisas exatamente assim, pois, quando a população começa a se educar, a respeito dos debates feitos dentro do campo econômico, há uma considerável diminuição do poder de imposição de narrativas por parte de tais grupos hegemônicos e mudanças podem surgir disso.
A segunda pergunta a ser feita é: o que precisamos saber sobre economia para que estejamos apropriados do debate econômico? A primeira coisa a se compreender é quais são os nossos interesses, pois sabendo disso poderemos saber quais proposições daremos ou não apoio. Por exemplo, existe o grupo das pessoas que investem seu dinheiro em ações da Petrobras e vivem da renda que esse dinheiro gera e existem as pessoas que possuem seus empregos, formais ou informais, portanto classe trabalhadora, e que se utilizam de seus salários para comprar o gás de cozinha ou abastecer seu automóvel, entre outras coisas.
Se você é do grupo dos rentistas, defenderá que a Petrobras seja uma empresa para dar lucro aos investidores. Mas, se você é do grupo da classe trabalhadora e vive de salário, defenderá que a Petrobras deve ser uma empresa que desenvolve tecnologia para gerar e distribuir essa riqueza para todos os cidadãos, ou seja, uma empresa que priorize bem-estar social acima do lucro. Então, eu diria, não precisamos ser especialistas e saber o que significa cada coisinha que falam no telejornalismo, justamente para isso existem os especialistas e os dicionários. Mas, saber quais são os nossos interesses é algo fundamental para nos posicionarmos dentro dos debates econômicos propostos pelos diferentes grupos políticos.
O papel de Lula
Minha filha, quando pequena, gostava muito de assistir a um desenho chamado “Miraculous: as aventuras de Ladybug”, uma super-heroína que lutava contra um vilão misterioso que colocava uma espécie de dispositivo, infectado pela maldade, nos cidadãos de Paris e esses passavam a destruir toda a cidade. Quando Ladybug conseguia capturar esses dispositivos infectados, os quais chamava de “akuma”, ela restaurava toda a cidade, fazendo-a voltar ao estado em que estava antes de toda aquela destruição.
É mais ou menos essa a função do presidente Lula em seu retorno como chefe de Estado: “Desakumatizar”, em outras palavras, nos tirar do lamaçal em que estávamos chafurdando. É impressionante como em apenas pouco menos de dois meses de mandato o presidente Lula conseguiu elevar o debate político. Por mais desafiadora, para dizer o mínimo, que esteja sendo a atuação do ainda presidente do banco central, Roberto Campos Neto, a cada movimento, Lula tem sido fundamental para a retomada do debate econômico e político no Brasil.
É um alívio parar de debater negacionismo e toda sorte de baixaria e nos concentrarmos no que de fato importa para melhorar as condições de vida do povo brasileiro. Uma das vantagens em termos o presidente Lula conduzindo boa parte deste debate é que ele é um de nós. Um Silva. Um nordestino. Sem diploma universitário. Conhecedor da fome. De alguma forma saímos da cabine à prova de som e agora participamos e também pautamos o debate econômico brasileiro, com a mesma singeleza do Lula de 2016.
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