O ministro da Educação prestou esclarecimentos ao Congresso a respeito da compra de kits de robótica. No seu depoimento, reconhece que os kits se destinam a escolas caóticas – muitas delas inclusive sem água corrente. E justifica com o argumento de que mesmo nas condições mais precárias alunos precisam de acesso às tecnologias de ensino mais avançadas – e supostamente podem se beneficiar delas.
Será?
O caso tem várias dimensões – a da corrupção é a que mais chama atenção da imprensa -, mas até aí não há novidade nem surpresas.
Para avançar o debate sobre políticas públicas interessa aprofundar três questões relevantes. Primeiro, ainda se justifica o MEC manter aberto o balcão que lhe permite atuar no varejo? Segundo, se o balcão se justifica, os critérios usados para viabilizar e dar foros de legalidade ao repasse dos recursos a municípios que conseguem padrinhos fortes são adequados? Terceiro, se a resposta for negativa, o que podemos aprender de mais esta exposição pública de clientelismo?
O MEC administra um dos maiores orçamentos da Esplanada. A maior parte de seus recursos é carimbada para as universidades federais e para o Fundeb. Mas o que sobra ainda é maior do que o orçamento de vários outros ministérios. Daí o interesse dos parlamentares em intermediar a sua distribuição. O Fundef – e depois Fundeb – reduziu muito o volume de recursos para alocar no balcão, mas ainda sobrou muita coisa. Mas mesmo sendo muito dinheiro, sempre será pouco para atender uma demanda insaciável, em tese os 5.568 municípios podem se candidatar a esses recursos, por intermédio de seus despachantes eleitos na forma da lei. Mas nos tempos que correm, nada parece justificar a atuação do MEC no varejo. Parece sensato e razoável alocar parte dos recursos do governo federal para iniciativas do governo federal. Mas certamente há formas muito mais eficazes e transparentes para sua alocação do que a política clientelista de balcão.
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Vamos ao segundo ponto: como funciona o balcão. Para dar um aspecto de legalidade ao procedimento, o MEC inventou um mecanismo engenhoso. Não é coisa recente. Cada município faz um diagnóstico, um plano e estabelece prioridades. Tudo isso fica registrado. Quando um parlamentar consegue acesso à chave do cofre, abre-se uma janelinha no balcão, criando oportunidade para o município patrocinado fazer um pedido. Como o pedido tem cartas marcadas, raramente tem a ver com as necessidades mais prementes da educação e, de acordo com a orientação recebida do patrocinador, o município “atualiza” suas prioridades. Como o papel aceita tudo, aí cabe até robótica. Para essas situações o mecanismo é ágil – mas a sua lisura e contribuição para aumentar a moralidade e eficiência do gasto público só convence a velhinha de Taubaté – se é que ela ainda anda por lá. E o Tribunal de Contas nada poderá fazer – pois tudo é feito dentro da mais absoluta legalidade e transparência. E tudo, óbvio, segue o rigoroso ritual das “emendas” parlamentares – essas nem precisam ser secretas.
PublicidadeTerceiro ponto: dado que não se justifica a ação do MEC no varejo e dado que, na prática, os critérios utilizados para os pleitos nada têm de “técnicos”, o que podemos aprender com mais esta exposição pública da forma de atuação do FNDE?
Primeira lição, o papel da imprensa e da transparência continua essencial para fortalecer a democracia. E, da mesma forma, são essenciais os instrumentos adequados de defesa para os acusados. Mas como na burocracia interessa a forma – todo mundo sai limpo.
Segunda lição – esta é velha: vigarista é especializado em vigarice, para pegá-lo é preciso ser ainda mais perspicaz. A administração pública constitui campo aberto para ação de vigaristas, não é especialmente talhada para a função de pegá-los com a boca na botija. Quase sempre vence o bandido. E o mocinho fica com cara de bobo, na ilusão de defender o cofre da viúva.
Terceira lição, o problema não está em aumentar os controles formais. O problema está na existência do próprio mecanismo de balcão usado para alocar recursos. Se os recursos do MEC são escassos, não seria talvez mais adequado concentrá-los em financiar, de forma transparente e por meio de critérios universalistas, ações e intervenções cujos resultados já foram devidamente comprovados? Ou estimular projetos competitivos para resolver problemas críticos da educação?
Robótica para uma educação caótica: é tudo uma questão de ótica.
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