Brasília, 7 de dezembro de 2000. No plenário da Câmara, deputados aprovam a criação do Fundo de Combate à Pobreza, com cerca de R$ 2,3 bilhões (valor da época) para ações de saneamento e programas de transferência de renda, como o então Bolsa Escola, precursor do Bolsa Família, rebatizado ano passado de Auxílio Brasil. Ao microfone, o então deputado Jair Bolsonaro diz ter orgulho de ter sido o único a votar contra a proposta, que, segundo ele, vai aumentar a miséria no país ao incentivar que pobres tenham mais filhos com o objetivo de receber o benefício do governo federal.
“Estamos, na verdade, estimulando a classe pobre para que cada vez tenha mais filhos, principalmente agora que eles estão sabendo que grande parte ou a totalidade desse dinheiro deverá ser empregado no Programa Bolsa-Escola. Ou seja, eu quero ser reprodutor. Quanto mais filhos tiver, mais salário mínimo vou ganhar”, afirmou. Essa foi apenas uma das vezes em que Bolsonaro criticou, no plenário da Câmara, a adoção de políticas sociais de combate à pobreza e à fome. “O Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”, discursou o então deputado em 9 de fevereiro de 2011.
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Assista às declarações de Bolsonaro sobre pobres:
Dificuldade eleitoral
O hoje presidente Jair Bolsonaro (PL) aposta no Auxílio Brasil de R$ 600 para reduzir a rejeição popular e garantir mais quatro anos de mandato. Pesquisas de intenção de voto mostram, no entanto, que o presidente tem patinado mesmo entre os eleitores que dependem do auxílio para sobreviver e ainda enfrenta dificuldade de avançar entre os mais pobres. Segundo o Datafolha, Bolsonaro tem 27% das intenções de voto ante 52% de Lula (PT) entre os eleitores que ganham até dois salários mínimos, que representam 49% do eleitorado.
O Congresso em Foco resgatou alguns discursos em que o então deputado fluminense chamava pobres que tinham filhos de “irresponsáveis” e sugeria que eles se aproveitavam da situação de vulnerabilidade para ganhar dinheiro às custas dos demais brasileiros. “Só tem uma utilidade o pobre no nosso país: votar. Título de eleitor na mão e diploma de burro no bolso, para votar no governo que está aí. Só para isso e mais nada serve”, declarou ele em 6 de novembro de 2013.
“Seremos todos pobres”
Posição semelhante ele já havia manifestado em outro discurso, em 25 de maio de 2006: “Estão aí os projetos sociais permanentes, como o Bolsa Família, a cesta básica, o cheque-cidadão, o restaurante popular etc. O governo Lula gosta muito de pobre, sim. Afirmou isso. Só faltou um complemento: com título de eleitor”.
Em 3 de fevereiro de 2016 Bolsonaro afirmava estar preocupado com as políticas de transferência de renda. “Com essa política de tirar de quem tem para dar a quem não tem, daqui a pouco, quem tem não terá como dar mais, e quem é pobre não terá mais de quem receber. Seremos todos pobres, um país de pobres, um país do PT. O PT gosta tanto de pobre que, quanto mais pobres houver, melhor ele acha que será o nosso país”.
Esterilização de mulheres
Para o deputado Bolsonaro, ao contrário do que apontam especialistas e organismos internacionais, a educação não deveria ser tratada como porta de saída da pobreza no Brasil. Antes disso, ressaltou, era preciso restringir o nascimento de pobres. “Não adianta nem falar em educação, porque a maioria do povo não está preparada para receber educação e não vai se educar. Só o controle da natalidade poderá nos salvar do caos”, defendeu em 9 de julho de 2008 também no plenário da Câmara.
Por várias vezes, o então deputado usou a tribuna para defender a aprovação de propostas de sua autoria que facilitavam a esterilização de mulheres pobres. “É preciso dar meios para controlar a sua prole a quem, lamentavelmente, é ignorante. Nós controlamos a nossa, mas o pessoal pobre não controla a dele”, reclamou em 2 de março de 2011.
Em 1992, Bolsonaro defendeu um “rígido controle de natalidade” para evitar a proliferação de pobres. “Devemos adotar uma rígida política de controle da natalidade. Não podemos mais fazer discursos demagógicos, apenas cobrando recursos e meios do governo para atender a esses miseráveis que proliferam cada vez mais por toda esta nação.”
Diploma de burro
Em várias ocasiões, o presidente Bolsonaro defendeu a liberdade como bem superior à vida. Mas, como deputado, ele criticou a “liberdade” que pobres tinham para se reproduzir. “Não pode no Brasil ter essa liberdade de, cada um, ter quantos filhos quiser sem ter condições para sustentá-los. Só tem uma utilidade o pobre no nosso país aqui: votar. Título de eleitor na mão e diploma de burro no bolso para votar no governo que está aí”.
Nos discursos analisados pelo Congresso em Foco entre 2000 e 2018, a principal preocupação de Bolsonaro em relação à pobreza era com os salários dos militares. Em 27 de agosto de 2003, o deputado lamentou que a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), onde se formou, tivesse virado um lugar frequentado por pobres.
“Vossa Excelência conhece algum deputado ou senador que tem filho ou neto na Academia de Resende? Um ministro que tenha, um governador de estado, um juiz, um desembargador, um empresário? Não. Lá não pode ser uma Academia pra dar emprego para pobres”, protestou o então parlamentar, ele próprio vindo de uma família com poucos recursos financeiros.
“Fome não existe”
As manifestações de Bolsonaro em relação à pobreza voltaram a causar barulho em agosto deste ano, quando ele minimizou a fome no país. Em duas entrevistas o presidente disse que há exagero no levantamento que aponta a existência de 33 milhões de brasileiros famintos.
“Se eu falar para você ‘não tem fome no Brasil’, como tem gente da imprensa me assistindo aqui, amanhã o pessoal me esculacha na imprensa. Eles não sabem a realidade se existe gente faminta no Brasil ou não. O que a gente pode dizer, se for em qualquer padaria aqui não tem gente pedindo para comprar um pão para ele. Eu falando isso estou perdendo votos, mas a verdade você não pode deixar de dizer e temos um programa para isso”, disse.
“Fome no Brasil não existe da forma como é falado. O que é extrema pobreza? É ganhar até US$ 1,9 dólares (sic), isso dá R$ 10. O Auxílio Brasil são R$ 20 por dia. Quem, por ventura, está no mapa da fome pode se cadastrar e vai receber, não tem fila o Auxílio Brasil”, declarou. Em 2019, em café da manhã com correspondentes estrangeiros, ele já havia dito que “fome no Brasil é uma grande mentira“. “Você não vê gente pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo”, declarou.
A realidade ignorada por Bolsonaro foi captada pelo estudo sobre insegurança alimentar realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), com execução em campo do Instituto Vox Populi. A iniciativa, batizada de II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II Vigisan), conta com o apoio das organizações não-governamentais Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga, Oxfam Brasil e do Sesc.