Em outubro de 2005, o então deputado Jair Bolsonaro ocupou a tribuna da Câmara para protestar contra a condenação e prisão do policial militar Adriano de Nóbrega pela morte de um lavador de carros que, na véspera do crime, havia denunciado a atuação de um grupo de milicianos (veja a íntegra do discurso mais abaixo). No último fim de semana, o ex-capitão do Bope do Rio de Janeiro, que estava foragido há mais de um ano, foi encontrado morto, com sinais suspeitos de execução, na Bahia.
Em seu pronunciamento de 2005, Bolsonaro qualificou Adriano como um “brilhante oficial” e disse que tinha ido pela primeira vez a um tribunal do júri só para acompanhar o julgamento dele. Segundo o então parlamentar, Adriano era inocente e o flanelinha assassinado, um traficante de drogas. O responsável pelo crime, de acordo com o então deputado, era outro policial militar.
> Dez fatos que ligam a família Bolsonaro a milicianos
Passados 15 anos do pronunciamento e uma semana do assassinato de Adriano, Bolsonaro voltou, nesse sábado (15), a se manifestar sobre o ex-PM. Em evento no Rio, afirmou que o ex-capitão era um “herói” quando foi defendido por ele em seu discurso e homenageado, no mesmo ano, pelo então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) com a medalha Tiradentes, a maior honraria da Assembleia Legislativa do Rio. A medalha foi entregue ao policial na cadeia, onde aguardava seu julgamento por homicídio.
> Fotos fortalecem suspeita de queima de arquivo de miliciano ligado a Flávio Bolsonaro
“Não tem nenhuma sentença transitada em julgado condenando capitão Adriano por nada, sem querer defendê-lo. Naquele ano ele era um herói da Polícia Militar”, afirmou. O presidente contou, ainda, que partiu dele a decisão de que Flávio deveria homenagear o PM naquele ano.
PM do PT
Na entrevista deste sábado, Bolsonaro também disse que conheceu Adriano em 2005, mas nunca teve contato com ele. Fez questão de frisar que quem matou o ex-policial foi PM da Bahia, “do PT” – o estado é governado pelo petista Rui Costa – e que não tem qualquer relação com a milícia do Rio. Ele não quis responder se tinha pedido para Flávio abrigar a mulher e a mãe do ex-capitão.
“Os brasileiros honestos querem os nomes dos mandantes das mortes do prefeito Celso Daniel, da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, do ex-capitão Adriano da Nóbrega, bem como os nomes dos mandantes da tentativa de homicídio de Jair Bolsonaro”, publicou nas redes sociais.
De acordo com as investigações mais recentes, Adriano se tornou o chefe do chamado Escritório do Crime, grupo envolvido em diversos delitos, como homicídios, milícia, máquinas caça-níqueis, entre outros. Na prática, segundo a denúncia do Ministério Público, o grupo atuava como um escritório de matadores profissionais.
No pronunciamento de 2005, Bolsonaro disse que era preciso saber quem ganharia com a condenação de Adriano e sugeriu que a responsabilidade pela punição era da ONG de direitos humanos Anistia Internacional, do casal Garotinho [Rosinha era governadora à época] e de “um dos coronéis mais antigos da PM” que “disse o que quis e o que não quis contra o tenente (Adriano), acusando-o de tudo que foi possível”.
Condenado no Tribunal do Júri em outubro de 2005, Adriano conseguiu recurso para ter um novo julgamento. Foi solto em 2006 e absolvido no ano seguinte.
Rachadinha
O nome dele reapareceu nas investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre a chamada “rachadinha” no gabinete de Flávio na Alerj. Por essa prática, disseminada em vários legislativos, o parlamentar ou um subordinado se apropria de parte dos salários dos funcionários do gabinete. O MP do Rio identificou contas de Adriano usadas para transferir dinheiro a Fabrício Queiroz, então assessor de Flávio e suspeito de comandar o esquema de devolução de salários.
Fabrício Queiroz e Adriano de Nóbrega atuaram juntos no 18º Batalhão da PM. Com a ajuda de Queiroz, o gabinete de Flávio empregou a mulher do ex-capitão, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, de 2007 até novembro de 2018, e a mãe dele, Raimunda Veras Magalhães, de abril de 2016 a novembro de 2018.
Flávio minimizou a homenagem feita a Adriano: “Homenageei centenas e centenas de policiais militares e vou continuar defendendo, não adianta querer me vincular com a milícia, não tem absolutamente nada com milícia. Condecorei o Adriano há mais de 15 anos”. Flávio afirmou que pediu, esta semana, para que o corpo do seu homenageado não fosse cremado porque tem indícios de tortura. “Pelo que soube, ele foi torturado. Para falar o quê? Com certeza nada contra nós. Porque não tem o que falar contra nós. Não tem envolvimento nenhum com milícia”
A íntegra do discurso em que Bolsonaro chama Adriano de brilhante. O pronunciamento foi feito em 27 de outubro de 2005:
“O SR. JAIR BOLSONARO (PP-RJ. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, antes de iniciar, peço à Deputada Juíza Denise Frossard que ouça minhas palavras, pois não tenho experiência nessa área e quero depois me aconselhar com S.Exa.
Na segunda-feira próxima passada, pela primeira vez compareci a um tribunal do júri. Estava sendo julgado um tenente da Polícia Militar de nome Adriano, acusado de ter feito incursão em uma favela, onde teria sido executado um elemento que, apesar de envolvido com o narcotráfico, foi considerado pela imprensa um simples flanelinha. Todas as testemunhas de acusação – seis no total – tinham envolvimento com o tráfico, o que é muito comum na área em que vivem. O Tenente Adriano era o décimo militar a ser julgado pelo episódio. Cinco haviam sido condenados e quatro absolvidos.
O curioso é que o militar que apertou o gatilho e matou aquele elemento foi absolvido, e o tenente, que era o comandante da operação, condenado a 19 anos e 6 meses de prisão, sendo enquadrado inclusive em crime hediondo.
O que é importante analisar no caso?
Não considero que a Promotoria o condenou, Deputada Denise Frossard. Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente, acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar.
Terminado o julgamento, ao conversar com a Defesa, fiquei sabendo que ela não conseguira trazer para depor o outro coronel que havia comandado o tenente acusado. Por quê? Porque qualquer outro coronel que fosse depor favoravelmente ao tenente bateria de frente com o Coronel Menick, e, com toda a certeza, seria enquadrado por estar chamando de mentiroso o colega coronel.
Esse fato não poderia ter passado despercebido pelo juiz. Se bem que, nesse episódio, o juiz só entrou na parte final, na sala secreta. Apesar disso tudo, poderia ter sido discutido o porquê de a Defesa não ter podido trazer nenhum outro superior ou comandante de batalhão em que tivesse servido o tenente.
E o que serviu para fazer com que os jurados o condenassem por 5 a 2 foi exatamente o depoimento do Coronel Menick, que falou sobre uma sindicância feita por ele à época.
Não vou entrar em detalhes sobre a desqualificação dos acusados ou sobre o fato em si. Entendo também, e V.Exa., Deputada Denise Frossard, deve concordar comigo, que o que tem de ser discutido é o que está nos autos, o que está fora dos autos não existe. Mas a palavra do coronel foi considerada.
Estou completando 16 anos de Brasília. É importante saber a quem interessa a condenação pura e simples de militares da Polícia do Rio de Janeiro, sejam eles culpados ou não. Interessa ao casal Garotinho, porque a Anistia Internacional cobra a punição de policiais em nosso País, insistentemente. É preciso ter um número xis ou certo percentual de policiais presos. O Rio é o Estado que mais prende percentualmente policiais militares e, ao mesmo tempo, o que mais se posiciona ao lado dos direitos humanos.
Então, Sr. Presidente, não sei como podemos colaborar. O advogado vai recorrer da sentença, mas os outros coronéis mais modernos não podem depor, senão vão para a geladeira, vão ser perseguidos. E o tenente, coitado, um jovem de vinte e poucos anos, foi condenado. Mas não foi ele quem matou, Deputada Denise Frossard! Quem matou foi o sargento, que confessou e, mesmo assim, foi absolvido no tribunal do júri.
A decisão, portanto, tem de ser revista.
Ao que parece, há um interesse muito grande por trás disso. Eu não sei como funcionam as promoções na magistratura, mas está mais do que comprovado que Coronel Menick está ao lado do Governo do Estado, que, repito, quer atender à Anistia Internacional e simplesmente punir por punir.
Isso não pode acontecer. Essa prática desqualifica, desmoraliza o tribunal do júri. E o tenente, como qualquer outro policial militar, não tem dinheiro para pagar um bom advogado, tem de se valer de um profissional sem muitos conhecimentos, que, numa hora dessas, não levanta todos os fatos. Eu, que não sou advogado, percebi isso e depois comprovei.
Esse comportamento não está certo, Deputado Reinaldo Betão. Quero me assessorar com a Deputada Juíza Denise Frossard e com outros juízes para saber como podemos proceder no futuro. Se um coronel vai depor e outro não pode fazê-lo porque será perseguido, o depoimento dessa autoridade tem de ser desqualificado.”
> “Não tenho nada a ver com isso”, diz Bolsonaro sobre suspeitas contra Flávio