Quando se chega ao governo, aprende-se logo que um ano é eleitoral, e o outro é pré-eleitoral. Esse choque de realidade política foi descrito pelo economista Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, a integrantes da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, em resposta a perguntas sobre o espaço fiscal para aumento do gasto público. As análises de Campos Neto não foram exatamente animadoras para deputados e senadores que têm as eleições municipais do ano que vem como prioridade e pressionam o Executivo para liberar recursos.
Campos Neto reconheceu que 2023 no Brasil foi muito melhor do que os economistas projetaram, mas afirmou o cenário não se repetirá em 2024. Previu um ano difícil, de desaceleração da economia em todo o mundo, com incertezas que começam nas tensões geopolíticas e incluem mudanças climáticas. O dinheiro ficará mais escasso no planeta. Além disso, afirmou, a queda da inflação global está mais lenta do que o esperado, e as taxas de juros tendem a permanecer altas no exterior.
Ao analisar a situação interna, lembrou que “ninguém” espera que o país vá zerar o déficit público e insistiu na necessidade de dar credibilidade ao ajuste fiscal, com previsibilidade, para o BC prosseguir na redução dos juros, essencial ao aumento do investimento. O desafio é grande, admitiu, mas alertou para a tentação de trocar soluções estruturais por medidas fáceis e de curto prazo. A guerra contra a inflação não está ganha, avaliou, mas “o importante é fazer o dever de casa e passar uma mensagem de consolidação fiscal”. Isso estaria “sendo construído” com as regras do arcabouço fiscal.
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São essas normas que estão no centro do debate político deste final de ano. O presidente Lula não esconde o desejo de afrouxar as metas fiscais para elevar o gasto público. Por ora, o ministro Fernando Haddad conseguiu manter seu objetivo de zerar a conta, mas espera-se uma revisão em março, permitindo a abertura de torneiras do Tesouro para irrigar projetos na vitrine eleitoral dos parlamentares. O problema de Lula é o descompasso entre o que ele planeja gastar e o que querem deputados e senadores.
Ao propor seu novo Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, Lula ofereceu uma parceria aos Congresso, propondo transferência das emendas ao Orçamento diretamente a esses projetos. Não está dando certo. São investimentos de longo prazo; não haveria nada a mostrar ao eleitor em 2024. Não à toa, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, deputado Danilo Forte, incluiu no texto a “autonomia” de cada parlamentar sobre o destino das verbas. E estabeleceu que as emendas impositivas serão empenhadas no primeiro semestre — a tempo de poder servir aos anúncios nos palanques municipais. Caso haja contingenciamento de recursos, o governo terá de ser salomônico: cortes equivalentes para Executivo e Legislativo.
Como tudo sempre pode piorar, um grupo de deputados trama tirar o já escasso dinheiro que os ministérios têm para realocar os recursos no “fundão” que vai financiar a próxima campanha nos municípios. Os mais vorazes querem dobrar o gasto de 2020, levando o fundo a R$ 4,9 bilhões.
PublicidadeEssa pressão atinge os projetos do governo voltados ao ajuste fiscal. Eles vêm sendo desidratados — como está acontecendo com a medida provisória que muda regras dos benefícios fiscais dados pelos estados com o ICMS —, o que deve reduzir a arrecadação prevista e deixar mais longe os objetivos de Fernando Haddad de acertar as contas públicas.
O embate entre a realidade econômica e a realidade política não é novo. Superá-lo — ou, ao menos, chegar a alguma harmonia — exige um pacto que, tudo indica, ainda está distante. O governo tem maioria frágil e depende dos partidos do Centrão, até ontem seus adversários, para sobreviver. A sorte para ambos os lados, é que previsões econômicas falham. Como lembrou Campos Neto, citando o avô, o ex-ministro, ex-deputado e ex-embaixador Roberto Campos, a melhor forma de levar o nome à ruína é pedir conselho a economista.
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