Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o controle de armas de fogo e munições por parte do Exército entre 2019 e 2022 revelou um apagão de dados sobre cadastro do arsenal das forças de segurança ou mesmo das demais forças armadas em seu sistema de controle. Para além dessa falha, a Corte de contas apontou deficiências no controle pelas polícias militares de diversos estados, não havendo registro sobre a situação de mais de 35 mil armas.
A investigação aconteceu a pedido do deputado Ivan Valente (Psol-SP), ainda em 2022, quando compôs a Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados. O principal foco foi o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), base de dados utilizada pelo Exército para o controle de armas até julho de 2023, quando a função foi transferida à Polícia Federal diante do aparecimento de falhas e indícios de fragilidade do sistema, em especial no processo de registro e fiscalização de certificados de Caçador, Atirador desportivo e Colecionador (CAC) após a flexibilização promovida pelo governo de Jair Bolsonaro.
Leia também
Dentre as falhas identificadas pelo TCU no Sigma, está a ausência de dados a respeito das armas utilizadas pelas demais forças armadas e por forças de segurança, tanto federais, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, bem como estaduais, como polícias militares, polícias civis e corpos de bombeiros. O apagão de dados também atingiu a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Para localizar o acervo de armas desses órgãos, o TCU os consultou individualmente sobre seus sistemas de controle interno de arsenais. Nesse processo, outra fragilidade foi identificada. “Verifica-se que, segundo os dados acessados, os controles relativos às armas institucionais das polícias militares não são todos informatizados, o que pode representar risco à sua efetividade e prejudicar a rastreabilidade de armas de fogo eventualmente desviadas dessas instituições e apreendidas em ações de combate à criminalidade”, apontou o relatório.
O TCU registrou pouco mais de 691 mil armas, incluindo fuzis, metralhadoras e submetralhadoras, sob posse das polícias militares em 2021. Destas, 235 mil estão nas mãos de forças policiais cujos sistemas de controle não estão digitalizados, respectivamente Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraíba, Rio de Janeiro e Roraima. Outras 35 mil armas estão no Acre, Amapá, Rio Grande do Norte, Rondônia e Tocantins, onde sequer existem mecanismos de controle interno.
A Marinha e a Aeronáutica, quando procuradas pelo TCU, afirmaram possuir seus próprios sistemas de controle de armas, cujos dados são ofertados ao Exército para atualização do Sigma. Na Marinha, porém, mudanças não são informadas em tempo real, e na Aeronáutica é mantido sigilo sobre seu armamento institucional, sendo informado apenas o arsenal pessoal de seus militares.
PublicidadeO tribunal chegou a questionar o Exército sobre o apagão de dados. Em resposta, a força terrestre afirmou que controla apenas a aquisição de armas para o acervo pessoal dos agentes das forças de segurança e demais forças armadas. Para o armamento institucional, cobram apenas que sejam informados após a aquisição. Também afirmaram que estava em desenvolvimento uma modalidade institucional do Sigma até junho de 2024, mas que aborda apenas o GSI, polícias militares e corpos de bombeiros militares, permanecendo, na avaliação do TCU, aquém das exigências legais.
Esse apagão de dados, segundo o relatório, acaba comprometendo a própria atuação das forças de segurança. “A ausência de cadastro dessas armas institucionais no Sigma pode comprometer a celeridade e a autonomia investigativa das polícias judiciárias, porquanto elas dependem de descobrir e acionar o órgão responsável pela arma objeto de investigação para examinar o registro próprio dele – isso considerando que esse registro existe e possui informações de qualidade”.
O TCU ainda chamou atenção para o fato de, anualmente, o Exército realizar operações de destruição de armas apreendidas, que podem provocar dano ao próprio acervo da força sem uma base de dados completa. “Medidas que causam prejuízo à possibilidade de identificar armas apreendidas que pertencem às Forças Armadas ou às polícias e aos corpos de bombeiros militares podem levar à destruição de patrimônio público”, alertou.
O Congresso em Foco questionou o Centro de Comunicação Social do Exército (CComsEx) sobre as falhas encontradas pelo TCU, bem como se foi solucionado o apagão de dados sobre armas institucionais no Sigma desde a conclusão do relatório, em novembro de 2023. Eis as duas respostas enviadas:
1.
“Prezado Jornalista Lucas Neiva,
Atendendo à sua solicitação formulada por meio de mensagem eletrônica, o Centro de Comunicação Social do Exército informa que o Tribunal de Contas da União realizou uma Auditoria Operacional nos sistemas de controle de armas e munições a cargo do Exército Brasileiro e nos processos de trabalho correlacionados.
O Exército, após o Relatório da Auditoria do TCU, apresentou suas considerações àquele Tribunal e vem adotando todas as medidas cabíveis para aperfeiçoar os processos de autorização e fiscalização dos CAC . Cabe ressaltar que ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade, como perda de idoneidade ou falecimento, do CAC são adotadas, imediatamente, as providências necessárias, inclusive com a possível suspensão dos Certificado de Registro (CR).
O Exército Brasileiro pauta sua atuação dentro da legalidade e transparência sempre atendendo as solicitações de esclarecimentos, além respeitar todas as imposições de sigilo impostas por outros Órgãos.
Atenciosamente,
CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO EXÉRCITO
EXÉRCITO BRASILEIRO”
2.
Complementando a resposta, encaminhada anteriormente, o Centro de Comunicação Social do Exército esclarece que os dados necessários para a concessão do Certificado de Registro (CR), são de responsabilidade do solicitante e podem apresentar inconsistências com relação aos bancos de dados disponíveis relativos ao logradouro onde reside o interessado e o local onde se dá entrada no processo. Essa restrição dificulta a acuracidade do trabalho realizado pelo serviço de fiscalização de produtos controlados na concessão de CRs.
Atenciosamente, CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO EXÉRCITO”