E no dia seguinte ao da aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso, o capitão levantará da cama, dará um bocejo e, ainda de ressaca, calçará os chinelos de dedo e se dirigirá ao banheiro para escovar os dentes. Mas, ao dar de cara com a própria cara no espelho, vai levar um baita susto e só então fará a pergunta que esperou seis meses:
– E agora, eu faço o quê?
Sim, porque o capitão sabe muito bem que comemorar a aprovação do projeto de reforma das regras da Previdência como vitória sua e de seu grupo será forçar uma barra imensa, uma vez que o projeto estava maduro e pronto pra ser colhido desde o governo Temer. A vitória, se houver, será do Congresso e de suas lideranças. Ele apenas olhou pra cima, viu a fruta madura – que cairia com ou sem ele – e esperou. A reforma da Previdência aconteceria com, sem ou contra Bolsonaro, pois a bomba-relógio tinha prazo pra explodir e era urgente desarmá-la. Ele e seu grupo vão dar a volta olímpica, vão tirar fotos na galera, vão tomar todas na saída do estádio, vão posar pra fotos e vão mandar botar a notícia no rádio, na tv, no Twitter e no raio que o parta. Mas o rapaz da carrocinha de picolé vai olhar meio atravessado aquilo tudo e comentará, tirando uma meleca do nariz: – Grande vantagem… Não fizeram xongas e agora querem que a gente acredite que foram eles que ganharam esse jogo…
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Sincero! Eu escrevi sincero!
Porque não terá sido. A inapetência para a articulação política associada a uma síndrome da autossuficiência típica das mentes autoritárias impedem ao capitão e sua trupe qualquer gesto – sincero, eu escrevi sincero! – de aproximação com o Congresso, os sindicatos, as associações, com qualquer órgão da sociedade organizada. Jogar pra galera é fácil, e isso ele tem feito vestindo a camiseta do Flamengo num estádio de futebol pra se passar por homem do povão ou indo à marcha pra Jesus pra se passar por homem de Deus. Difícil é calçar as sandálias da humildade e – sinceramente, sinceramente, revisão, capricha aí, bota em negrito! – chamar as forças políticas para um acerto capaz de contemplar os reais anseios do país e definir os projetos mais urgentes e necessários para sair do atoleiro da recessão, gerar empregos, renda e estabilidade econômica e social. Mas não. Ancorou o governo num único projeto e vai amargar o suor do diabo pra levar esse governo até o final. E olha que já fala em reeleição…
O governo do capitão chega aos seis meses baleado (pra usar a semântica que ele tanto aprecia) por medidas, declarações e conflitos internos marcados pela polêmica e pela estreiteza de visão que o impede de enxergar um palmo além da miopia ideológica de que se nutre. Não há uma única área nesses primeiros seis meses que possa exibir alguma vitória real, pelo contrário. Sobram críticas pelas ações desastradas em setores estratégicos como a educação – que está no segundo ministro, cada um pior do que o outro -; meio ambiente – cuja pasta tem agido em alinhamento direto com a ala mais predatória do agronegócio e fiel à ordem do capitão de “meter a faca nesse pessoal do Ibama”-; direitos humanos – com ameaças de revisão de conquistas como criminalização da homofobia pelo STF e as alucinações de uma ministra que só pensa em vestir menino de azul e menina de rosa, entre outras. Ainda agora, numa prévia do que virá no dia seguinte ao da aprovação da nova Previdência, outra pasta polêmica, a das Relações Exteriores, comemora num oportunismo irresponsável, como se fosse vitória sua, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Acordo obtido apesar – apesar, revisão, cuidado aí! – apesar do Itamaraty, e não com seu concurso, até porque a imagem externa do país anda mais suja do que pau de galinheiro e o ministro tem menos credibilidade do que uma nota de três reais.
“Timeo hominem unius libri”
Por isso, nos escaninhos de Brasília, dá-se como certo que o buraco entre o Executivo e o Legislativo após a aprovação da nova Previdência tende a se aprofundar, com o fortalecimento do “parlamentarismo branco” representado pelo crescimento dos poderes do Congresso, diante da inapetência e da incompetência do governo para ocupar espaço e fazer o que dele se espera – governar para todos.
Tomaz de Aquino advertia: “Timeo hominem unius libri”, deve-se temer o homem de um só livro. (não sei latim, aprendi a frase com São Google). O “Doutor Angélico” sabia o risco que corre o homem incapaz de se abrir para informações que não sejam as de sua própria bolha – ideológica, política, esportiva, de classe social, religiosa etc. O único livro do capitão é seu anti-marxismo canhestro, que o faz usar antolhos dia e noite, como acontece com os burros de carroça. Tal postura já custou o cargo de vários de seus ministros que não se pautaram pela mesma régua, o que enclausura o governo num samba de uma nota só. Nota que, além de única, é desafinada.
Com uma bateria de crises como os vazamentos na tubulação do ex-superministro Sérgio Moro, além do desemprego em franco galope e o PIB desabando morro abaixo, o governo – se é que se pode chamar esse troço de governo – chega aos seis meses aos trancos, barrancos e borrascas. A boa notícia é que só faltam três anos e seis meses pra acabar. Ainda bem. Como diria aquele homem que caiu do 23º andar, ao passar pelo 8º:
– Até aqui, tudo bem!