Condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) na última quarta-feira (20) por, entre outros crimes, incitar a violência contra ministros da suprema corte e por tentar abolir violentamente o Estado democrático de Direito, o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) foi perdoado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) por meio da graça constitucional, estatuto que não era utilizado desde 1945. Segundo especialistas consultados pelo Congresso em Foco, Bolsonaro fez o uso indevido do mecanismo.
Segundo o advogado constitucionalista Cláudio Souza Neto, a graça constitucional, ao contrário do indulto, é um mecanismo muito pouco utilizado na jurisprudência brasileira. Enquanto o indulto, de caráter coletivo, costuma ser concedido anualmente por sucessivos presidentes, a graça, de caráter individual, nunca foi utilizada na Nova República.
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A última vez em que foi concedida uma graça foi durante a gestão do presidente José Linhares (1945-1946), logo após a deposição de Getúlio Vargas. No episódio em questão, dois veteranos brasileiros da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) receberam a redução de suas penas por crimes cometidos durante a campanha na Itália.
Cláudio Souza explica que o intuito da graça é exatamente o de permitir saídas para solucionar casos em que haja o excesso de rigor do sistema penal, como ocorre constantemente nos Estados Unidos, onde há pena de morte. O uso visando benefícios políticos pessoais já foge do escopo da lei. “Nesse caso, o problema é ainda pior, porque ele está utilizando isso para beneficiar um aliado político”, ressaltou.
O cientista político André Pereira César vai além, considerando que o principal beneficiado pela decisão sequer é o próprio deputado. “O perdão serviu apenas para armar uma bomba para a Suprema Corte, que precisará se posicionar rapidamente – do contrário, ela perderá ainda mais prestígio junto à opinião pública”, apontou. Ao seu entender, o efeito político seria o mesmo se a graça fosse concedida a qualquer outro réu por crimes relacionados a ataques ao judiciário.
O objetivo de Bolsonaro, na análise do cientista, é fortalecer o radicalismo da ala ideológica de seus eleitores. “O presidente fez um importante sinal à sua base eleitoral, reforçando os laços com o eleitor bolsonarista. O episódio serve, como dito, apenas para ouriçar a sua base mais fiel. (…) O ato de perdão tem olhos para o futuro. As eleições se avizinham e Bolsonaro e seu entorno precisam movimentar a massa, para que ela cresça o suficiente ao ponto de garantir a reeleição”.
Decreto falho
Apesar do forte impacto político, Cláudio Souza aponta para a principal falha jurídica do decreto que perdoa Daniel Silveira: seu crime não é passível de graça. “Isso está determinado expressamente na Constituição Federal. O Art. 5º, XLIII, considera crimes hediondos como inafiançáveis e insustentáveis de graça ou anistia. Em seguida, constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”, apontou.
A conduta pela qual Daniel Silveira foi condenado, de acordo com o advogado, se encaixa no tipo estabelecido pela Constituição. “O crime praticado foi incitar a atuação contra o Estado de Direito. Nesse caso, o propósito da legislação é justamente defender a democracia”, explicou.
O jurista ainda alerta para a postura de cumplicidade de Jair Bolsonaro com relação ao réu perdoado. “Bolsonaro também tem atuado contra o Estado democrático de Direito, contra a independência dos poderes. Volta e meia ameaça o STF graça não está sendo utilizada para corrigir um rigor excessivo da legislação. Ela está sendo utilizada para proteger um cúmplice”, alertou.
Esse desvio de finalidade, conforme esclarece o advogado, pode levar o STF a tornar nulo o efeito do decreto. “Os atos estatais devem ter finalidades compatíveis com a Constituição Federal. Um ato que possa ser formalmente válido, caso busque alcançar uma finalidade ilícita e incompatível com a constituição, ele é inválido. E é justamente o que ocorre nesse caso”.