*escrito em parceria com Patrícia Vasconcellos
Tip O’Neill, Speaker da House of Representatives americana entre 1977 e 1987, afirmou certa vez: “Toda política é local”. Embora a célebre frase de O´Neill destacasse a importância da política na vida dos indivíduos, essa ideia torna-se ainda mais evidente quando tratamos das decisões produzidas pelos representantes em nível municipal, que exercem impactos diretos sobre a comunidade e os cidadãos.
Desse modo, a agenda ambiental na Câmara Municipal de Porto Velho (CMPV), assim como em outros municípios, constitui uma pauta de suma importância para assegurar o desenvolvimento sustentável e promover qualidade de vida à população. A Constituição Federal do Brasil de 1988 estabelece um sistema de competências concorrentes entre os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) em relação à proteção do meio ambiente. Portanto, o município possui a prerrogativa de legislar sobre questões ambientais, complementando e suplementando a legislação federal e estadual, conforme necessário.
Nessa perspectiva, legislar sobre o meio ambiente envolve colocar em pauta a qualidade de vida, o desenvolvimento e a gestão urbana. Em um contexto de mudança climática, Porto Velho, uma cidade que busca o desenvolvimento e enfrenta dilemas sobre os caminhos para a sustentabilidade, vive desde o último mês uma dura realidade: as queimadas cobriram o céu com uma densa camada de fumaça, tornando o ar extremamente poluído e difícil de respirar. Nesse cenário crítico, analisar como o meio ambiente é tratado pelo legislativo municipal de Porto Velho é essencial para compreender a eficácia das políticas públicas locais.
Com um total de 21 assentos, a CMPV iniciou a atual legislatura com 14 diferentes partidos. O prefeito Hildon Chaves (PSDB), reeleito em segundo turno com 54,45% dos votos, desfruta de uma ampla base de apoio parlamentar a ponto de governar sem oposição no poder legislativo municipal. Inclusive, a supermaioria legislativa do tucano Hildon se consolidou ainda mais após a janela partidária deste ano que diminuiu drasticamente o número de partidos no parlamento portovelhense. O predomínio do Executivo municipal sobre o Legislativo se evidencia pelo sucesso da agenda governamental na CMPV. No período de janeiro de 2021 a julho de 2023, o Executivo obteve uma taxa média de quase 90% de aprovação dos projetos enviados ao parlamento municipal. Um caso notório que estudiosos da governabilidade no plano local, como Cláudio Couto, Fernando Abrucio e Marco Antônio Teixeira, certamente, denominariam como “Ultrapresidencialismo municipal”.
Embora tenha construído uma ampla e sólida coalizão parlamentar na CMPV, assentada sobre uma lógica tradicional de compartilhamento de poder entre seus aliados, o que tem possibilitado um amplo domínio de sua agenda, no tocante à questão ambiental se evidencia um esvaziamento da pauta no âmbito da relação Executivo-Legislativo em Porto Velho. No período de janeiro de 2021 a julho de 2023, tramitaram 36 projetos de lei na CMPV relacionados ao tema do Meio Ambiente e Energia, dos quais 23 foram aprovados, resultando em uma taxa de aprovação de aproximadamente 64%. Cumpre mencionar que, à época da análise dos dados, mais de 20%, desse total de 36 projetos, ainda estavam em tramitação.
PublicidadeNão obstante, a proteção dos animais é um dos assuntos mais abordados. Dos 36 projetos de lei, dezoito estão relacionados ao tema do bem-estar animal. Dezessete projetos tratam do assunto animais domésticos e de estimação, com propostas que variam entre a proibição de maus tratos, incentivo à adoção, criação de espaços de lazer para esses animais, permissão da entrada em hospitais públicos e outros espaços. Outra preocupação é evidenciada por iniciativas como a criação da Carteira de Identidade Digital Animal (CIDA), que visa identificar cães e gatos no município de Porto Velho – aprovada e criando a Lei nº 3.067, de 27/07/2023. Outra proposta inclui a responsabilização dos agressores pelos custos veterinários até sua pronta recuperação, a chamada Lei “SPYKE”. Desse total de 17 projetos de lei, 8 foram apresentados pelo PP; 1 pelo Patriota; 5 pelo PODE; 1 pelo PTB; e 2 pelo partido Republicanos.
O Executivo propôs 4 dos 36 projetos analisados. Foram 4 projetos de Lei Complementar: três sobre saneamento básico e um sobre taxa de licenciamento ambiental. Todos tramitados rapidamente. No máximo 7 dias que foi o prazo do projeto que versa sobre a taxa de licenciamento ambiental – PLC/1273 -retifica o Anexo VII da Lei Complementar n. 925, de 23 de dezembro de 2022″. Do total de 36 PL em matéria ambiental, temos: 10 projetos de lei apresentados pelo PODE; 10 pelo PP; 4 pelo Executivo; 4 pelo Patriota; 3 pelo Republicanos; 1 pelo PSD; 1 pelo PTB; 1 pelo PSB; e 1 apresentado pelo PL.
Diante dessa realidade, observa-se um descompasso entre os interesses políticos e as demandas da maioria da população, um fato que não é particular do município de Porto Velho, mas que merece ser evidenciado. Enquanto a Câmara de Vereadores, em matéria ambiental, debate exaustivamente projetos de lei com temas repetidos sobre o bem-estar de animais domésticos, Porto Velho enfrenta uma crise ambiental severa, com milhares de focos de incêndio e uma das piores qualidades do ar no mundo. Como resultado, a cidade continua figurando entre as piores capitais para se viver. Esse dado baseia-se no ranking do Índice de Desafios da Gestão Municipal (IDGM, 2021) das capitais brasileiras, que leva em consideração quatro áreas essenciais para a qualidade de vida da população: educação, saúde, segurança e saneamento/sustentabilidade.
O que impressiona ainda mais é que o tema do meio ambiente continuar a ser tratado como uma antipauta no debate político-eleitoral portovelhense. Em meio ao estado de emergência devido aos incêndios, decretado em Rondônia pelo governo estadual, e com a capital, Porto Velho, enfrentando as piores condições ambientais dos últimos anos, no primeiro dia de propaganda eleitoral no rádio e na TV apenas um candidato, de um total de sete concorrentes à prefeitura, abordou o assunto em seu programa eleitoral. Infelizmente, para o meio ambiente o cenário em Porto Velho é o pior possível. Diante da crise ambiental, é crucial que o Legislativo e o Executivo Municipal reavaliem suas prioridades e adotem medidas efetivas para enfrentar os desafios ambientais e promover um desenvolvimento sustentável na capital rondoniense.
Patrícia Vasconcellos é cientista política e professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) *
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