Eduardo Müller Monteiro e Claudio Sales *
A polêmica deflagrada pelo Governo Federal para rever condições da recente privatização da Eletrobras – com participação direta do presidente Lula e de seus ministros de Estado – apenas confirma o acerto do formato que possibilitou a capitalização da Eletrobras e abriu caminho para livrá-la de décadas de destruição de valor e de loteamento político da ex-estatal de energia brasileira.
Como diriam os matemáticos ao final da demonstração de um teorema: c.q.d. (como queríamos demonstrar). Era realmente fundamental insistir na inclusão de um dos dispositivos cruciais do modelo da capitalização da Eletrobras que tem sido atacado pelo governo atual: a limitação do poder de voto do governo de plantão a 10%.
De acordo com a Lei de Desestatização da Eletrobras aprovada pelo Congresso Nacional em 12 de julho de 2021, o Estatuto Social da empresa foi alterado para “vedar que qualquer acionista ou grupo de acionistas exerça votos em número superior a 10% (dez por cento) da quantidade de ações em que se dividir o capital votante da Eletrobras” (Artigo 3º, inciso III-a da Lei 14.182).
O propósito desta limitação foi evitar que qualquer acionista exerça poder excessivo sobre os destinos de uma empresa que finalmente conseguiu ser desestatizada e que passaria a ser pautada por objetivos puramente empresariais, limpando de sua agenda as interferências políticas que tanto afligiram a ex-estatal na forma de cabides de empregos para aliados políticos e assunção de projetos com rentabilidade inferior ao custo de capital ou que fogem do escopo da empresa.
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É óbvio que um dos objetivos principais por trás desses 10% foi blindar a empresa contra ações de eventuais futuros governos que seriam eleitos a cada quatro anos e que poderiam submeter a Eletrobras a desmandos imprevisíveis e estranhos à missão da empresa, como repetidamente constatado no passado.
PublicidadeEntretanto, na visão dos representantes do Governo Federal, é um absurdo que a União, detentora de cerca de 43% das ações, tenha apenas 10% dos votos, regra que vale não apenas para a União, mas para qualquer acionista ou grupo de acionista. Inconformados com esta situação, o governo, via Advocacia Geral da União (AGU), protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para reverter esta limitação de 10% dos votos.
Em recente artigo que defende a ADI, o próprio Advogado-Geral da União (AGU) explicita no último parágrafo de seu texto o argumento mais temido por investidores quando se pensa no risco de interferência política sobre setores regulados: “Por fim, é preciso afastar ideias preconcebidas que impedem o debate público sobre propostas de grande impacto e interesses sociais, especialmente aquelas suscitadas por quem tem a legitimidade das urnas”.
Essa declaração confirma o temor de interferência política, pois submete a Eletrobras ao risco de uso de expressões inatacáveis conceitualmente (quem seria contra “propostas de impacto e interesses sociais”?) para justificar o uso da empresa para objetivos políticos e eleitorais estranhos aos objetivos da empresa. Afinal, quais seriam esses “interesses sociais”, e qual a influência da “legitimidade das urnas” sobre os critérios de tomada de decisão empresarial?
Na mesma linha, o Ministro-Chefe da Casa Civil, Rui Costa, acaba de declarar que “O presidente [Lula] quer estimular toda a participação privada… O povo brasileiro detém 46% ou 43% das ações da Eletrobras. … apesar de o governo ter 43% das ações, só vota no máximo o correspondente a 10%. Ou seja, alguém que tem 43% só vota o equivalente a 10%. Qual a base legal para isso?”.
Com todo o respeito devido ao Excelentíssimo Ministro-Chefe, a base legal foi dada pelo Congresso Nacional, que discutiu exaustivamente o tema durante anos e promulgou a Lei 14.182 há menos de dois anos, em julho de 2021.
Os impactos desse ataque à blindagem contra interferência política foram rapidamente sentidos, inclusive pelos 370 mil trabalhadores que acreditaram que a empresa seria administrada de forma séria e investiram R$ 6 bilhões de suas economias que estavam no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para comprar ações da Eletrobras, adquiridas na privatização a R$ 42, mas que agora estão em R$ 35. Boa parte dessa queda de 16% ocorreu após os questionamentos feitos pelo Governo Federal sobre o limite de 10% de votos da União. Muitos desses investidores – assustados com fantasmas do passado e vislumbrando que a Eletrobras poderia voltar a ser usada por políticos e deixar de ser um investimento racional – decidiram migrar seus recursos para fundos com gestão ativa. Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), essa migração foi de cerca de R$ 950 milhões.
O Governo Federal precisa perceber que é bem melhor deixar a Eletrobras seguir seu rumo de empresa profissionalmente gerida e sem as mazelas da interferência política. Se isso acontecer, tanto o Governo Federal quanto o povo brasileiro – que é dono de 43% da Eletrobras, como bem lembrou o Ministro-Chefe Rui Costa – serão beneficiados com rentabilidade adequada que será revertida em dividendos robustos para o Tesouro Nacional que, por sua vez, poderá liberar investimentos para satisfazer as inúmeras demandas do mesmo povo brasileiro, especialmente dos mais vulneráveis.
Não é tarde para que o Governo Federal recue e desista de contestar uma Lei que acaba de ser promulgada pelo Congresso. A insistência nesse movimento emitirá um sinal péssimo para a atração de investimentos e evidenciará materialmente a insegurança jurídica que assola nosso país.
* Eduardo Müller Monteiro e Claudio Sales são Diretor Executivo e Presidente do Instituto Acende Brasil
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