O pedido de impeachment apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), uniu adversários políticos em nota de repúdio. Dez ex-ministros da Justiça e da Defesa, dos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Michel Temer, divulgaram neste sábado (21) manifesto em defesa da democracia (veja a íntegra mais abaixo) em que criticam Bolsonaro e pedem ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que rejeite a abertura de processo contra Moraes.
O manifesto é assinado pelos ex-ministros Miguel Reale Junior, José Gregori, Aloysio Nunes Ferreira e José Carlos Dias (governo FHC); Celso Amorim, Jaques Wagner, José Eduardo Cardozo, Tarso Genro e Eugênio Aragão (governos Lula e Dilma); e Raul Jungmann (governo Michel Temer).
Os ex-ministros alegam que o pedido de Bolsonaro tem como objetivo “instrumentalizar” o Senado “para tumultuar o regime democrático”. “É imperioso dar de plano fim a esta aventura jurídico-política, pois o contrário seria sujeitar o nosso Judiciário a responder a um processo preliminar no Senado Federal para atender simples capricho do presidente que vem costumeiramente afrontando as linhas demarcatórias da Constituição”, escreveram os ex-ministros.
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Eles afirmam que não há elementos que justifiquem a abertura do processo e que a tramitação do pedido “surtirá efeitos nocivos à estabilidade democrática” e indicará “a prevalência de retaliação a membro de nossa Corte Suprema gerando imensa insegurança no espírito de nossa sociedade e negativa repercussão internacional da imagem do Brasil”.
Os ex-ministros sustentam que Bolsonaro elege o Judiciário como inimigo para manter ativa sua militância. “O presidente da República segue, dessa maneira, o roteiro de outros líderes autocratas ao redor do mundo que, alçados ao poder pelo voto, buscam incessantemente fragilizar as instituições do Estado Democrático de Direito, entre as quais o Poder Judiciário”, afirma o texto.
Bolsonaro protocolou o pedido de impeachment no fim da tarde dessa sexta. A denúncia tem 17 páginas – que vão a 102 páginas com anexos – é assinada apenas pelo presidente da República e conta com um relato seu em primeira pessoa.
Publicidade“Tenho a plena convicção que não pratiquei nenhum delito, não violei lei, muito menos atentei contra a Constituição Federal”, escreve Bolsonaro. “Na verdade, exerci meu direito fundamental de liberdade de pensamento, que é perfeitamente compatível com o cargo de Presidente da República e com o debate político”, diz ao alegar perseguição da parte do ministro, que autorizou investigações contra ele.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), criticou o pedido de Bolsonaro. “O instituto do impeachment não pode ser banalizado, ele não pode ser mal usado, até porque ele representa algo muito grave, acaba sendo uma ruptura, algo de exceção. Mais do que um movimento político, há um critério jurídico, há uma lei de 1950 que disciplina o impeachment no Brasil, que tem um rol muito taxativo de situações em que pode haver impeachment de ministro do Supremo”, reagiu Pacheco. Cabe ao mineiro dar andamento ao caso ou não.
O senador ressaltou que, além de ser política, essa avaliação também é jurídica e técnica. Ele também defendeu o respeito à democracia e ao diálogo para a criação de “um ambiente melhor” para resolver os problemas do país.
Em nota, o Supremo Tribunal Federal (STF) também se manifestou contra o pedido de impeachment. No documento, o STF ressalta que o Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, que devem ser questionadas nas vias recursais próprias.
Veja a íntegra da nota assinada pelos ex-ministros da Justiça e da Defesa:
“MANIFESTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA DIRIGIDO AO PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL
Os ex-ministros da Justiça e da Defesa, em virtude da crise institucional derivada da representação promovida pelo presidente da República, solicitando ao Senado Federal o afastamento por crime de responsabilidade de ministro do Supremo Tribunal Federal, vêm dirigir-se ao Presidente do Senado Federal nos seguintes termos:
Presidente e ex-presidentes do Tribunal Superior Eleitoral manifestaram-se em nota assegurando a transparência e segurança das urnas eletrônicas instituídas há 25 anos e continuamente aperfeiçoadas para garantia da higidez do sistema eleitoral. Tal não bastou ao Senhor Presidente da República, que em “live” reconheceu não ter provas, mas assim mesmo lançou no espírito dos brasileiros dúvidas acerca da correção do sistema eletrônico de votação, requerendo a instalação de voto impresso que ofenderia o sigilo do voto.
Em face das inverdades difundidas, o Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, acolheu representação de seu Corregedor-Geral, a fim de ser averiguada a ocorrência de infração decorrente da difusão de notícia falsa, cumprindo o Tribunal o dever de agir, sob pena de estar a prevaricar.
Igualmente, inquérito foi instaurado para verificar se ocorrera indevida veiculação de documentação coberta por sigilo relativa à investigação referente à invasão do TSE por hacker em 2.018. Dados desse inquérito sigiloso foram divulgados pelo senhor presidente em entrevista conjunta com o deputado Felipe Barros, no intuito de tentar demonstrar a existência de fraudes nas eleições e ratificar suas declarações anteriores. Não poderia haver outra conduta diante do fato ocorrido, ou seja, de provável violação de sigilo, senão a obrigatória instalação de procedimento investigatório.
De outra parte, em defesa das instituições democráticas, em especial diante de ameaças ao funcionamento dos órgãos superiores da justiça, medidas foram determinadas por ministro do Supremo Tribunal Federal.
Estabelecendo constante confronto como forma de ação política, agora o presidente da República elegeu por inimigo o Judiciário e individualizou o ataque na pessoa dos Ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, entrando contra o primeiro de forma inusitada com pedido de impeachment junto ao Senado Federal, na forma do art. 52 da Constituição Federal e dos arts. 39 e seguintes da Lei n. 1.079/50.
O presidente da República segue, dessa maneira, o roteiro de outros líderes autocratas ao redor do mundo que, alçados ao poder pelo voto, buscam incessantemente fragilizar as instituições do Estado Democrático de Direito, entre as quais o Poder Judiciário.
Essa aventura política, que visa a perenizar uma crise institucional artificialmente criada, deve ser coartada em seu nascedouro, pois manifesta a absoluta inadequação típica da conduta dos ministros ao descrito nos incisos do art. 39 da Lei n. 1079/501. Frise-se, ainda, que admissão desse procedimento contra ministro do Supremo Tribunal Federal, inseriria em nossa ordem jurídica verdadeiro crime de hermenêutica, coactando a ação de nosso sistema de Justiça2.
Eventual seguimento do processo surtirá efeitos nocivos à estabilidade democrática, de vez que indicará a prevalência de retaliação a membro de nossa Corte
Suprema gerando imensa insegurança no espírito de nossa sociedade e negativa repercussão internacional da imagem do Brasil.
A inépcia da inicial justifica que seja rejeitada in limine, por decisão do presidente da Casa, pois destituído o pedido de justa causa em face da evidente inexistência do fato ilícito noticiado, mero capricho do mandatário do país a transformar o Senado Federal em instrumento de perseguição pessoal e de meio para tumultuar a nação.
Do Supremo Tribunal Federal vem a lição de que:
“A ausência de justa causa impede a válida e legítima instauração de procedimentos penais condenatórios, pois nada pode justificar o abuso de poder, a acusação arbitrária ou a injusta restrição da liberdade individual3..
Em outra decisão, expõe-se:
“Assim como se admite o trancamento de inquérito policial, por falta de justa causa, diante da ausência de elementos indiciários mínimos demonstrativos da autoria e materialidade, há que se admitir – desde o seu nascedouro – seja coarctada a instauração de procedimento investigativo, uma vez inexistentes base empírica idônea para tanto e indicação plausível do fato delituoso a ser apurado4”.
Da mesma forma como cabe o trancamento de inquérito policial, quando restar demonstrado, de plano, a ausência de justa causa para o seu prosseguimento devido à atipicidade da conduta atribuída ao investigado”5, cabe suprimir-se, de imediato, o procedimento deste pedido de impeachment, sem a necessidade de qualquer exame valorativo do conjunto fático-probatório6, por comissão especial constituída no Senado Federal.
Assim, em face da evidente atipicidade da conduta e da tentativa de se instrumentalizar esta Casa do Legislativo, para tumultuar o regime democrático, é imperioso dar de plano fim a esta aventura jurídico-política, pois o contrário seria sujeitar o nosso Judiciário a responder a um processo preliminar no Senado Federal para atender simples capricho do presidente que vem costumeiramente afrontando as linhas demarcatórias da constituição.
Destarte, em vista dos vários precedentes havidos no Senado Federal7, especialmente na anterior legislatura, conclama-se ao indeferimento liminar, em vista de os fatos narrados não se subsumirem às hipóteses previstas no art. 39 da Lei n. 1079/50, e logo também, por falta de justa causa, “sem lastro probatório mínimo indicativo de materialidade da infração imputada8”.
Dessa maneira, busca-se caminho que evite constrangimento indevido e conduza ao apaziguamento dos ânimos e à reafirmação do respeito e da confiança no Poder Judiciário e no Estado de Direito.
Com a convicção de que V. Exa. honrará a tradição democrática desta Casa e prestigiará a preservação da democracia arduamente conquistada após duas décadas de ditadura, encaminhamos este manifesto para que sirva como demonstração de nossa preocupação com o instante que vivemos no Brasil.
Miguel Reale Jr. José Eduardo Martins Cardoso
Jose Gregori José Carlos Dias
Aloysio Nunes Ferreira Tarso Genro
Celso Amorim Eugenio Aragão
Jacques Wagner Raul Jungmann”
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