O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, na contramão do que indica um ano de pesquisas e experiências práticas ao redor do mundo, se posicionou contra o decreto do Distrito Federal que instituiu um lockdown para grande parte do comércio de Brasília e de cidades-satélite desde ontem (28).
A mensagem vem no momento em que o Brasil enfrenta o maior número de mortes e casos da doença em um ano de pandemia. Dados do Painel covid-19 do Congresso em Foco mostram que mais de 255 mil pessoas já morreram pela doença – 4.838 delas no DF.
Em uma mensagem publicada em sua página, o CRM argumenta que órgãos de saúde já demonstraram a ineficácia das restrições: “Tal medida já se mostrou ineficaz, atentatória contra direitos fundamentais da Carta Magna e condenada até mesmo pela própria Organização Mundial de Saúde [sic]”, escreve o Conselho. O órgão, responsável por regulamentar a classe médica na capital federal, credita a um diretor da OMS a afirmação de que “o lockdown não salva vidas e faz os pobres muito mais pobres”.
Acontece que tal frase é retirada de contexto – uma checagem de fatos do jornal ‘Estado de S. Paulo’ aponta que um representante da organização reconheceu os impactos econômicos da medida, mas apontou que elas são necessárias em momentos de crise como este. O diretor da OMS, Tedros Adhanom, já disse que é errado colocar em lados opostos as questões econômicas e a vida de pessoas na pandemia.
Diversos países ao redor do globo adotaram o lockdown como uma das únicas formas comprovadas de conter casos – a China, primeiro país afetado, fechou cidades como Wuhan; Itália, Espanha e França fecharam o comércio para conter a covid-19; e a Nova Zelândia está com lockdown em sua maior cidade, Auckland, após registrar um único caso positivo.
Mas a carta do CRM segue. “O Amazonas, estado com maior índice de isolamento social do Brasil, apresentou o maior número de internações e mortes por covid-19 cerca de 30-45 dias após o primeiro lockdown, sendo ainda mais imediato, após o segundo, configurando mais uma evidência do fracasso dessas medidas extremas de restrição”.
O estado, citado como exemplo teve seu pico de casos, no mês de janeiro, duas semanas após o governador do estado, Wilson Lima (PSC) recuar da proposta de promover um lockdown. A medida – apoiada por deputados bolsonaristas – foi sucedida por falta de oxigênio nos hospitais de Manaus, que passou a registrar recordes diários de mortes.
Bia Kicis (PSL-DF) que apoiou o afrouxamento das regras de distanciamento na capital Amazonense, é uma das que apoiam o posicionamento do CRM-DF.
Conselho Regional de Medicina do DF -CRM/DF publica Nota posicionando-se contra o lockdown. Ele não salva vidas e deixa os pobres muito mais pobres além de trazer uma série de problemas psicológicos e na saúde em geral. Essa nota é muito importante! #LockdownNao #lockdownnodfnao pic.twitter.com/BcfupASLYh
— Bia Kicis (@Biakicis) March 1, 2021
Em seu Twitter, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), disse que conversou com diversas classes do setor produtivo para explicar as razões que o levaram a decretar o lockdown no último dia de fevereiro. “O que eu não quero que aconteça no DF é ver fila de ambulância na porta de hospitais sem que haja vagas para tratar os doentes”, escreveu. “Isso eu vi em outros estados e outros países. É preciso cuidar da nossa economia, mas a saúde tem que vir na frente.”
O governador – alvo de uma manifestação ontem, na porta de sua casa – disse esperar que tais medidas se estendam por, no máximo, 15 dias.
Terminei agora uma reunião com lideranças do setor produtivo do DF. Mostrei que a taxa de transmissibilidade do vírus está muito alta e este foi o principal motivo para o decreto do fechamento. É preciso reduzir a circulação de pessoas na cidade ou não vamos sair da crise. (1/7)
— Ibaneis Oficial (@IbaneisOficial) March 1, 2021
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Para o advogado Antonio Rodrigo Machado as notícias falsas criadas por agentes públicos destinadas a dirigir o comportamento da população contra as medidas de controle epidemiológico são crimes e atos de improbidade administrativa. “Essa carta no atual momento deve ser vista pelo Ministério Público Federal como ato ilícito, como crime perpetrado contra a saúde pública”.
Nas redes sociais, comportamento diverge
A posição dos diretores e conselheiros do Conselho Regional de Medicina, em suas redes sociais, apontam algumas divergências com a nota divulgada pela entidade. Há, entre os conselheiros, médicos do esporte que distribuem dicas e estudos sobre o coronavírus em suas publicações. Há também apoiadores do presidente Bolsonaro – um deles tem, como foto de perfil no Facebook, uma foto ao lado do presidente.
Alguns deles fazem campanha pela vacina e já receberam sua dose – caso do presidente do Conselho, Farid Buitrago Sánchez.”Hoje só tenho a agradecer por ter recebido a primeira dose da vacina, grato aos pesquisadores e a ciência por desenvolver uma vacina tão rápido”, disse o médico, que atende em uma clínica de ginecologia na Asa Norte de Brasília.
“Lembrando que não podemos esquecer as medidas de proteção”, concluiu Farid em sua mensagem, enumerando as medidas que considera essenciais: “higiene e distanciamento social”.