O Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região decidiu que a União não poderá se apoderar dos ventiladores pulmonares adquiridos pela prefeitura da cidade do Recife (PE). Segundo decisão proferida no último domingo (22), os aparelhos deverão ser entregues diretamente à capital pernambucana, que efetuou a compra dos equipamentos.
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Os ventiladores são usados para o tratamento de casos críticos de pacientes infectados com o novo coronavírus (covid-19) e ajudam a reduzir a taxa de letalidade.
Segundo a decisão judicial, houve equívoco jurídico na extensão do pedido feito pela União. O desembargador Lázaro Guimarães, vice-presidente do TRF-5, alega que, sem tais equipamentos, o sistema de saúde pública municipal entrará em colapso. A capital possui mais de 200 mil idosos, que integram o grupo de risco mais suscetível ao coronavírus.
Entenda o caso
Por meio de comitê municipal de resposta rápida ao covid-19, o prefeito do Recife, Geraldo Júlio (PSB), determinou a compra de aparelhos respiratórios e novos leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
Foram adquiridos mais de 200 ventiladores pulmonares das sociedades empresariais Magnamed Tecnologia Médica S/A FILIAL, Intermed Equipamento Médico Hospitalar LTDA. e Lifemed Industrial de Equipamentos e Artigos Médicos e Hospitalares S/A.
PublicidadeNo último sábado (21), uma das empresas fornecedoras comunicou que não poderia entregar a mercadoria em razão de uma requisição do Ministério da Saúde, que ordenava que a empresa entregasse para a União todos os produtos à pronta entrega, bem como toda sua produção futura.
Segundo o procurador-geral do Recife, Rafael Figueiredo, o modo como foi feita a requisição presumiu que a União estava recolhendo tudo em prejuízo dos entes federativos, mas a prefeitura acredita que o Ministério da Saúde se equivocou no pedido.
“Nós não queremos crer que houve uma ação premeditada. Simplesmente nós entendemos que ela queria salvaguardar o equipamento para o SUS, evitando que sejam exportados esses equipamentos”, disse Figueiredo.
Depois da decisão, a prefeitura conseguiu entrar em contato com o Ministério da Saúde e espera que o órgão reconheça a falha administrativa, sem a necessidade de recurso à via judicial. Os primeiros aparelhos devem começar a chegar no Recife na próxima quarta-feira (25).
O Ministério da Saúde informou que solicitou às empresas os estoques de respiradores / ventiladores para o enfrentamento do covid-19. “A pasta irá avaliar cada caso, conforme a dinâmica da situação do vírus pelo país e necessidade de reforçar as ações em cada localidade”, diz a nota enviada à reportagem. Não foi esclarecido se o ministério pretende recorrer da decisão.
Leia aqui a íntegra da decisão do TRF.
Imbróglio jurídico
Para o professor Cláudio Ladeira, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o caso é complexo. “Em situação de normalidade institucional, não há dúvida de que a União não pode realizar esse tipo de requisição”, afirma o professor. Segundo a Constituição Federal, há apenas duas hipóteses nas quais é permitido ao governo federal requisitar bens e serviços públicos: nos estados de defesa e de sítio. Nenhuma das duas medidas excepcionais vigora atualmente no país, apesar de a ideia ter sido ventilada nos últimos dias.
No entanto, a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro 2020, que trata das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do covid-19, suporta, em alguma medida, a demanda do governo federal no caso dos ventiladores pulmonares. Essa legislação permite que as autoridades requeiram bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, sem distinguir unidades federadas e bens públicos ou privados. “Se nós nos mantivéssemos, exclusivamente, nos termos da Lei 13.979, haveria alguma espécie de interpretação favorável à demanda do governo federal”, entende Ladeira.
A legislação, porém, tem um problema porque ela é muito ampla na previsão da abrangência do instituto da requisição, sem distinguir a natureza dos bens. Isso tem um potencial problema quando se resgata entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os limites da atuação federal, manifestado em situação anterior. Segundo a suprema corte, em situação de normalidade institucional, a solicitação poderia ser feita apenas para bens e serviços particulares. Ou seja, a requisição de bens e serviços de outros entes federados estaria contrariando a autonomia federativa.
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