Lula gosta de dizer que em seus governos sempre houve responsabilidade fiscal. Essa certeza vem sendo questionada por operadores do mercado financeiro e por economistas que pregam um ajuste rigoroso nas contas federais, diante das projeções de crescimento da dívida pública. Nesta quarta-feira (26), Lula desanimou seus críticos e inflamou o mercado ao questionar, numa entrevista, a necessidade de o governo cortar gastos. “O problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação. Essa discussão tem que ser feita”, disse, sem explicar se pretende propor aumento de impostos.
Dias atrás, os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet disseram que o presidente ficou assustado com o volume de gastos tributários do país, cerca de 6% do PIB, quase R$ 600 bilhões. O plano de Haddad sempre foi aumentar a arrecadação. Segundo ele, não elevando impostos, mas com a correção de distorções e resolvendo pendências judiciais — já teve algumas vitórias, mas seu campo de ação está diminuindo. Entre essas distorções estão vários dos benefícios fiscais que teriam espantado Lula. Não são novos, e a maioria foi concedida nos governos petistas. Ainda não se sabe exatamente como o ministro pretende enfrentar o problema e nem se terá o apoio de Lula para os cortes.
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Lula já descartou desvincular benefícios previdenciários do salário mínimo. Reafirmou isso ontem: “Se acho que vou resolver o problema da economia brasileira apertando o mínimo do mínimo, eu estou desgraçado, eu não vou para o céu”. O crescente desequilíbrio da Previdência é um dos problemas que os economistas vêm colocando na mesa na hora de projetar a dívida pública. No entanto, é difícil imaginar que Lula venha a propor uma nova reforma — muito menos em ano eleitoral.
Um dos criadores do Plano Real, que está completando 30 anos, o economista Pérsio Arida disse à Folha de S.Paulo que o arcabouço fiscal desenhado pelo governo tem um problema insolúvel: “Não há como arrecadar da sociedade o necessário para gerar um superávit fiscal que estabilize a dívida pública. O que tem que fazer? Revisão de gastos e melhoria da máquina pública”, afirmou.
O debate sobre os problemas fiscais do governo coincidem com o início da campanha eleitoral nos municípios. Eleições municipais não discutem os rumos da economia, é certo, mas as necessidades cotidianas da população. Neste ano, novos temas devem estar nos palanques virtuais e reais, e eles têm relação direta com o que Brasília decide fazer do orçamento público, ou seja, com o dinheiro dos impostos.
A tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul cobra dos candidatos a prefeito um programa de prevenção e para preservar vidas e bens diante dos efeitos devastadores das mudanças climáticas. Mas também obriga Brasília a ter planos concretos para uma transição energética. Isso custa dinheiro e talvez imponha ao governo escolher que benefícios fiscais estão em sintonia com a nova exigência.
PublicidadeNa área da segurança pública, a decisão do Supremo que descriminaliza o porte de drogas para uso pessoal tira o assunto da pauta policial e o transfere à Saúde. Candidatos que sonhavam em usar guardas municipais como policiais terão de mudar de rota. Mas os governos federal e estadual serão cobrados a agir e fazer sua parte em programas de Saúde.
Esse quadro expõe o dilema descrito por Lula, cortar gastos ou aumentar impostos. O problema é que vai ser preciso fazer escolhas. E, aparentemente, ele sabe o que quer, mas não sabe o que fazer nem como fazer.
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