Discursar, apresentar projetos de lei, fiscalizar os gastos públicos e ajudar a definir o orçamento são algumas das principais atribuições de um parlamentar. Essas atividades corriqueiras do Congresso Nacional serão uma novidade na vida de um em cada cinco congressistas que exercerão mandato a partir de 2019. Dos 567 a serem empossados nesta sexta-feira (1º), 118 deputados e 10 senadores jamais ocuparam cargo eletivo. São militares, militantes políticos, apresentadores de TV, entre outros. Um número inédito e revelador das mudanças que as eleições impuseram ao cenário político do país.
Esse, porém, é apenas um entre os vários ineditismos que caracterizam o novo Parlamento, o mais fragmentado da história. Nunca tantos partidos conquistaram cadeiras na Câmara (30) e no Senado (21). Embalado pela popularidade do presidente eleito Jair Bolsonaro, o inexpressivo PSL virou a segunda maior força da Câmara. Sua ascensão marca, na avaliação de vários críticos e analistas políticos, a estreia da extrema direita no Congresso brasileiro.
Por outro lado, pela primeira vez também terão representação no Legislativo federal uma mulher indígena, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), um deficiente visual, Felipe Rigoni (PSB-ES), e um senador homossexual assumido, Flávio Contarato (Rede-ES). A representação feminina alcançou o recorde de 77 eleitas na Câmara. Entre elas, a primeira deputada federal a receber mais de 1 milhão de votos, a jornalista Joice Hasselmann (PSL-SP).
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Novidade também será a presença de dois generais entre os deputados – Girão (PSL-RN) e Peternelli (SP) –, algo que não ocorria desde a redemocratização do país. Os dois integrarão a chamada bancada da bala, que prega o armamento e o endurecimento das leis penais e ocupará aproximadamente 100 assentos, três vezes mais que na legislatura anterior.
Bancadas setoriais
PublicidadeJuntas, as bancadas da bala, ruralista e evangélica reúnem pelo menos 267 deputados e 47 senadores – alguns fazem parte das três, segundo levantamento preliminar da Revista Congresso em Foco. Conhecidas por atuarem em conjunto em várias pautas, viraram a aposta de um novo relacionamento entre o Executivo e o Parlamento.
Desde a montagem do ministério, Bolsonaro tem dito que priorizará as negociações com os integrantes das frentes setoriais em detrimento dos líderes partidários, associados ao tradicional “toma lá, dá cá”. Evangélicos e ruralistas, por exemplo, emplacaram ministros. Mas há dúvidas quanto à eficácia da fórmula.
“Sem ‘toma lá, dá cá’, a aliança em torno do governo será mais volátil. Será muito difícil para o governo manter uma base parlamentar sólida se não fizer alguma negociação com os partidos. Bolsonaro traz uma pauta com vários temas polêmicos, como Escola Sem Partido, privatização e redução da maioridade penal; com medidas às vezes impopulares; e pode sofrer interferências externas, seja da conjuntura nacional e internacional, seja por parte da opinião pública”, adverte o deputado reeleito Fábio Trad (PSD-MS), que deverá se manter neutro em relação ao novo governo.
Para Trad, Bolsonaro só terá sucesso se priorizar, no começo do governo, a agenda econômica. “Vir com pauta moralista agora é jogar gasolina na fogueira. O clima está acirrado e nada vai acirrar mais os ânimos do que a pauta moral. Do ponto de vista do governo e do país, é muito mais interessante discutir primeiro as reformas estruturantes, como as medidas para a economia, a redução do Estado etc.”, defende. Na pauta moral citada pelo deputado, estão temas relacionados a questões de gênero, aborto e direitos homoafetivos, explorados à exaustão na campanha por Bolsonaro e aliados.
Ponto de partida
Estimativa feita pela Revista Congresso em Foco a partir de entrevistas com congressistas que deverão ter posição de liderança na nova legislatura mostra que o presidente eleito iniciará o governo com mais da metade dos votos da Câmara, mas sem maioria no Senado. O levantamento indica que 288 deputados estão dispostos a integrar a base governista e pelo menos 138 estarão na oposição. Outros 75 pretendem atuar de forma independente e 12 têm posição indefinida.
Numa Câmara com 513 integrantes, ter quase 300 na largada é um bom começo. Mas será preciso avançar para completar os 308 votos necessários à aprovação daquela que é a prioridade máxima do governo em seu primeiro ano, a reforma da Previdência. Maior desafio fiscal hoje existente, sua aprovação pode abrir caminho para um ciclo de vigoroso crescimento econômico, dado o alto volume de investimentos represados desde que o país afundou na recessão, em 2015.
Sete senadores que serão empossados nesta sexta trocaram de partido
A situação é mais complicada no Senado, onde o governo soma 33 votos, ante 25 da oposição, 12 independentes e 11 indefinidos, de acordo com projeção da reportagem. Faltam oito para chegar à maioria simples, que permite aprovar projetos de lei. Para atender ao quórum de três quintos requerido no caso das emendas à Constituição (como a da reforma da Previdência), o governo precisará do apoio de no mínimo 49 senadores.
Para o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), o PSDB pode ajudar Bolsonaro com o voto de seus oito integrantes, mesmo que não faça parte da base governista. Mas há resistência entre os tucanos. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), por exemplo, costura sua candidatura à presidência do Senado com partidos de oposição e independentes. Izalci discorda da estratégia.
“Não vejo nenhum motivo para o PSDB fazer oposição ao governo Bolsonaro. Quem faz oposição e sabe fazer é o PT. O PSDB nunca soube fazer oposição. Por que faria agora? Temos de ter maturidade para enfrentar essa discussão. Ninguém pode defender que dá para manter o Brasil como ele está hoje. O Brasil precisa muito do Congresso, dos políticos, de toda a sociedade para mudar”, defende Izalci, que troca a Câmara pelo Senado.
Direita engole o centro
O fenômeno da eleição presidencial se repetiu na lógica da eleição parlamentar: a direita engoliu o centro, sobretudo na Câmara, e avançou sobre a esquerda. Após ter feito só um deputado em 2014, o até então irrelevante PSL passou à condição de segunda maior bancada de deputados. Foi a legenda com maior número de votos para federal e, portanto, terá a maior cota do fundo partidário em 2019. Dirigentes do partido, porém, tentam ampliar a representação, de 52 deputados eleitos.
Direita cresce e engole o centro no Congresso mais fragmentado da história
Mais da metade dos deputados e quase 50% dos senadores eleitos são filiados a partidos considerados de direita, bancada reforçada pelo estreante Novo. Esse grupo cresceu exponencialmente nos últimos oito anos no Congresso: 32% na Câmara e 60% no Senado. No mesmo período, o centro, liderado por PSDB e MDB, perdeu o posto de fiel da balança. Ainda assim, será importante entre os senadores. Pelo mesmo comparativo, a esquerda também encolheu, embora tenha aumentado ligeiramente em relação ao atual número de integrantes na Câmara, com o crescimento do Psol.
Força partidária mais poderosa do Congresso até recentemente, o MDB elegeu apenas a quarta maior bancada de deputados – ficou atrás do PT, do PSL e do PP – ao conquistar 34 cadeiras. Já os tucanos fizeram somente a nona maior representação, com 29 deputados, empatados com o DEM. O PSDB e o MDB, que somavam 30 senadores em 2018, começam a nova legislatura com 21, com a recente filiação de Eduardo Gomes (TO), que se elegeu pelo Solidariedade. Embora tenha emplacado o maior número de deputados eleitos, o PT terá só seis senadores. É metade do tamanho da bancada depois das eleições de 2014.
Ruptura política
O esvaziamento do PSDB, do MDB e de outras forças de centro, que elegeram 152 deputados federais em 2014 e só 97 em 2018, o fim da polarização entre tucanos e petistas e a inédita ascensão eleitoral de um partido de ultradireita são alguns dos fatores que permitem afirmar que o Brasil está diante de um quadro de ruptura política, que se reflete na composição do Congresso Nacional.
Para a ex-líder do MDB no Senado Simone Tebet (MS), o agravamento dos problemas sociais e uma série de equívocos da esquerda, desgastada pelos 14 anos de governos petistas, estimularam no eleitorado o desejo de mudança.
“Era previsível. Só não via quem não queria. A rua amargava uma situação econômica deplorável, com alto desemprego, aumento da violência e da insegurança, enquanto a esquerda ficava repetindo o discurso do golpe e o poder se comportava de modo indiferente a tudo o que as pessoas pediam. Nós no meio de uma forte crise econômica, de crise política, situação social se agravando, e o Congresso Nacional só discutia o sexo dos anjos”, afirma a senadora, que desistiu ontem, após perder disputa interna para Renan Calheiros (MDB-AL), de concorrer à presidência do Senado.
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Na opinião de Simone, diante da força dos extremos no novo Congresso, caberá ao Senado agir como um poder “moderador”. “Com o novo Congresso, vem para o Parlamento muito daquela polarização e daquela radicalização que víamos nas ruas. Mais do que nunca, o Senado vai ser testado e provocado. No meu modo de entender, o Senado terá uma oportunidade única de servir ao Brasil, como costuma ocorrer nos momentos cruciais. Uma oportunidade de agir como poder moderador, como a casa do equilíbrio, ouvindo, interpretando o sentimento popular, mas também buscando consenso e reduzindo o espaço para radicalismos”, defende.
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