Dirijo-me nesse artigo ao ministro Fernando Haddad, na qualidade de quem conhece a fundo o tema da Primeira Infância, e à ministra do Planejamento, Simone Tebet, de quem esperamos planos e medidas concretas para que nosso país e nossas crianças tenham um futuro melhor. Há uma questão que merece atenção no Bolsa Família e, nesse sentido, o tema está posto especialmente para a revisão pelos parlamentares: tudo o que precisa ser feito é alterar o valor de uma percentagem no Decreto. E estabelecer mecanismos rigorosos de controle. Mas isso requer uma reta decisão de fazer política em favor dos pobres, e não da demagogia.
O fato é que o “novo” Bolsa Família traz em seu bojo a “velha” exigência sobre frequência escolar: os pais devem enviar os filhos à escola para ter direito ao benefício. O pressuposto é o de que frequentar a escola é essencial para romper o círculo vicioso da pobreza. Mas, da forma como está na legislação, sua chance de impacto é nula ou negativa. Há espaço para melhorias da legislação, seja por iniciativa do Executivo seja pela contribuição de parlamentares com influência no governo. Esta é a motivação deste artigo.
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O que diz o decreto no novo Bolsa Família: o aluno deve frequentar pelo menos 60% dos dias letivos, se tiver até seis anos de idade, e no mínimo 75%, se tiver mais de seis anos. A pergunta é: mas isso é bom? Garante o direito da criança à educação?
Como sabemos, de boas intenções o inferno está cheio. Aqui temos mais um desses casos. A questão central: quantos dias letivos a criança deve frequentar? Isso faz diferença na sua vida escolar? As evidências dizem que sim. E também confirmam o velho ditado “é de pequenino que se torce o pepino”.
O maior preditor de deserção escolar é o elevado nível de absenteísmo de alunos durante a pré-escola. Isso revela que a família dá pouco valor à escola e essa condição afeta a orientação de vida do aluno. Permitir que o aluno falte 25% ou 40% do ano letivo é condená-lo à condição de pobreza e fracasso. A desculpa é que o aluno falta às aulas para ajudar a família. Mas não deveria ser o contrário? Não é a família a responsável por ajudar o aluno? E o Bolsa Família não é exatamente para ajudar a família a fazer isso? Não se trata de um contrassenso do legislador?
Os dados práticos: 25% do ano letivo corresponde a 50 dias por ano. Imagine o desafio do professor para recuperar a aprendizagem de um aluno que falta 50 dias por ano. E imagine que isso ocorra com três a cinco alunos da turma. Sabemos que os alunos do Bolsa Família se concentram em algumas escolas, portanto, a lei concorre para tornar pior o que já é muito ruim. Permitir que o aluno falte 25% do ano letivo é condenar a criança – e seus colegas – ao fracasso escolar. Aquele que falta 25% ao longo do ensino fundamental perdeu mais de dois anos letivos de aula. É isso que o Bolsa Família quer permitir ou incentivar? No Reino Unido, a família paga ao governo os dias em que o aluno falta à escola por razões fúteis. Quem dá valor ao dinheiro e à educação não estimula o absenteísmo escolar.
A pandemia mostrou com clareza a falta que faz a escola. Os dados empíricos de vários países- e também do Saeb de 2021 – mostram que os alunos mais prejudicados foram os de nível socioeconômico mais baixo. Ou seja, quem ficou mais tempo longe da escola ficou mais prejudicado. Nossos governantes e legisladores não viram esses dados? Não analisaram os resultados da Prova Brasil de 2021? Não aprenderam nada com a pandemia? De que adianta promover iniciativas de “busca ativa” se não há rigor no acompanhamento da frequência escolar? Buscar o aluno em casa para depois deixar implícito que a escola não é importante, que pode faltar 25% dos dias de trabalho escolar é contrassenso – para não dizer que se trata de loucura refinada.
Dezenas de projetos pelo mundo afora demonstram a efetividade de “condicionalidades” associadas a estímulos econômicos – mas desde que sejam realistas e implementadas com rigor. Estudos publicados pelo Overseas Development Institute do Reino Unido, em 2016, e pelo World Bank Research Observer, em 2019, trazem dados interessantes e rigorosos sobre o potencial dessas iniciativas. Mas para ter impacto, as políticas devem ser rigorosas e cobradas com vigor. Se o objetivo é reduzir a pobreza, a frequência à escola, todos os dias e pontualmente, deveria ser a norma. Famílias e escolas deveriam ser supervisionadas com rigor, com severas punições para os infratores – isso deveria se aplicar aos pais e às escolas que mascaram a frequência escolar. Estimular a ausência de crianças do cumprimento dos seus deveres de cidadania deveria ser considerado um crime contra a infância.
Fica aqui a sugestão aos parlamentares que se interessarem pelo tema: o Bolsa Família deveria ter padrões adequados de frequência e rigor no acompanhamento dos alunos de famílias bolsistas e respectivas escolas, aceitando apenas justificativas devidamente previstas e documentadas. Isso é apenas uma condição necessária – e ainda não suficiente – para começar a dar cores vivas ao quadro sombrio da pobreza.
A conferir.
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