Nos últimos dois anos, testemunhamos a renovação do compromisso do Estado com ações concretas pela efetivação dos direitos indígenas e com a retomada da política indigenista brasileira, uma agenda que foi sufocada e desmantelada na última década. Os anos de 2023 e 2024 representaram um marco na história da gestão pública brasileira pelo protagonismo indígena. Iniciamos 2025 presenciando os primeiros resultados da consolidação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) como prioritário para o avanço dos direitos indígenas no país.
Inaugurando um momento histórico na política indigenista e brasileira: a estrutura administrativo-política da alta representação do governo federal consolidou a gestão indígena no Estado. Com isso, garantimos que as decisões sobre os direitos e as necessidades dos mais de 305 povos indígenas brasileiros sejam tomadas por quem realmente compreende suas pautas, desafios, e, sobretudo, suas vivências e experiências acumuladas.
Com a criação do inédito MPI, liderado pela ministra Sonia Guajajara, assistimos concretamente a ruptura da visão tutelar que há décadas orientou a política indigenista,. Em conjunto, foi também histórica a nomeação de lideranças indígenas para comandar, pela primeira vez, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), representando uma transformação sem precedentes, implementando a autodeterminação dos povos indígenas a partir do aldeamento do Estado brasileiro.
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Em 2025, continuaremos focados em nossa missão, com olhos atentos para os desafios que estão postos. Entre eles, destaco alguns prioritários na agenda e ações do Ministério: avançar na regularização dos territórios indígenas, em suas diversas etapas e instâncias administrativas; continuar com a retirada de invasores ilegais das Terras Indígenas (TIs) e consolidar uma política estatal de desintrusão e proteção territorial; e progredir com a implantação dos planos de gestão territorial dos povos e comunidades indígenas, trabalho já iniciado nos primeiros dois anos de gestão.
Cumprimos as prioridades elencadas ainda no período de transição governamental: implementamos políticas para o enfrentamento à situação emergencial do Território Yanomami, retomamos a política de demarcação e de retirada de invasores de TIs, e recompusemos o orçamento para o fortalecimento da Funai. Além disso, nos empenhamos na revogação de um conjunto de atos normativos, em grande medida publicados na gestão presidencial anterior (2019-2022), que abriam margem para violações aos direitos dos povos indígenas, como o caso Decreto nº 10.966/22, que incentivava a atividade de mineração artesanal.
Retomando o discurso de posse da ministra Sonia Guajajara, embora saibamos que “não conseguiremos resolver 522 anos em 4”, é preciso reconhecer que a presença dos povos indígenas no primeiro escalão governamental elevou, sobremaneira, a efetivação dos direitos indígenas nas instâncias de decisão da República. E também abriu caminho para um legado permanente na administração pública no que se refere à capacidade da gestão indígena e ao necessário diálogo intercultural na elaboração e implementação da política indigenista brasileira.
Dois anos históricos
A implementação do MPI e sua estruturação, com a recomposição orçamentária para a política indigenista, garantiu resultados que colhemos hoje. Para além deste Ministério, o governo assumiu o compromisso com a inclusão da agenda indígena também em outros órgãos do Executivo. Ainda no início da gestão, pela primeira vez, o Plano Plurianual (PPA) contemplou os povos indígenas como agenda transversal para as demais pastas ministeriais.
O PPA 2024-2027 elenca a promoção dos direitos dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais como um dos objetivos estratégicos vinculados aos indicadores-chave que medem o progresso social, econômico, ambiental e institucional do país. Para alcançar esse objetivo, diversos órgãos do Executivo assumiram compromissos com a Agenda Transversal Povos Indígenas, são 39 dos 88 programas do PPA com objetivo específico, entrega ou medida institucional e normativa vinculados a essa agenda. Em seus programas, os ministérios abarcam sete dimensões: 1) Posse plena das TIs; 2) Gestão territorial e ambiental indígena; 3) Sociobioeconomia indígena; 4) Saúde indígena; 5) Educação indígena; 6) Direitos pluriétnicos culturais e sociais; e 7) Capacidade institucional.
Direitos territoriais
Assumimos a garantia dos direitos territoriais como ponto de partida para outras políticas públicas para os povos indígenas, por isso, a retomada das demarcações de TIs foi a política prioritária nestes dois anos. Superamos a quantidade de homologações na década anterior à criação do Ministério, com 13 TIs homologadas nestes dois anos.
Além das novas homologações, também foram declaradas 11 TIs, após 6 anos sem nenhuma portaria declaratória assinada. Em conjunto, também investimos esforços para viabilizar os demais procedimentos para regularização fundiária, como a constituição de 37 grupos de trabalhos na Funai para os estudos que embasam as demarcações. Além disso, também foram delimitadas 3 TIs com a aprovação de três novos relatórios circunstanciados de identificação e delimitação.
Para a proteção territorial, foi instaurado o inédito Comitê Interministerial de Desintrusão (Decreto nº. 11.510/23 / Decreto nº. 11.702/23). As ações interministeriais estiveram focadas nas terras indígenas Yanomami (RR), Alto Rio Guamá (PA), Apyterewa (PA), Trincheira Bacajá (PA), Karipuna (RO) e TI Munduruku (PA). As operações representaram avanços significativos na mitigação de pressões ambientais e no enfrentamento aos crimes ambientais.
Em atenção aos conflitos em outras regiões do país, importa destacar o papel inédito do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas (DEMED) do MPI, vinculado diretamente ao Gabinete da Ministra, que atua prioritariamente com o acompanhamento e a mediação dos conflitos socioambientais indígenas.
Emergência Yanomami
Depois de deflagradas medidas emergenciais para o combate à crise Yanomami, foi instalado o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-Yanomami), com declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Além disso, o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami (Decreto nº 11.384/23), coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, consolidou medidas integradas de Estado para enfrentamento à grave crise encontrada. O plano desenvolvido previu ações articuladas e interministeriais em nove eixos estratégicos, com 18 órgãos do governo federal, por meio de 233 ações de caráter tanto emergencial quanto estruturante.
Com a participação e articulação direta do MPI, foi construída e instalada a Casa de Governo, também coordenada pela Casa Civil, para consolidar a presença estatal no território, sendo essa a primeira política permanente de Estado no território. Também foi aprovado crédito extraordinário para suprir as despesas das ações de saúde, de combate a crimes, de assistência social, de proteção aos modos de vida e cultura indígena.
Foram mais de 3.480 operações para a desintrusão do território em 2024, consolidando a retirada de invasores, a destruição da logística criminosa e a assistência às comunidades indígenas. A área de influência do garimpo ilegal no território Yanomami foi reduzida em 91,11%, com prejuízo ao garimpo ilegal estimado em R$ 267 milhões. Também houve a redução de 96,3% na abertura de novos garimpos em comparação com 2022, ano que representou o auge do garimpo ilegal na região.<
Fortalecimento da Funai
Um dos eixos orientadores da gestão ministerial nos dois primeiros anos de governo, o fortalecimento da Funai se concretizou na recomposição orçamentária, na realização do concurso público (com 502 vagas para o órgão) e na criação das carreiras indigenistas. Ainda em 2023, o orçamento destinado à Funai totalizou cerca R$ 369[1] milhões, representando aumento de mais de R$186 milhões em relação ao ano anterior.
Outra importante conquista de 2023 foi a criação de duas novas carreiras específicas: Especialista em Indigenismo e Técnico em Indigenismo, atendendo à antiga reivindicação dos servidores da Funai (Medida Provisória nº 1.203/2023). Em paralelo, também foi implementada a reestruturação na tabela remuneratória dessas carreiras, com reajustes salariais progressivos (de até 64% para os cargos de nível superior, e de aproximadamente 10% para os de nível intermediário e auxiliar).
Participação social
Para a formulação e implementação de políticas culturalmente adequadas, foram reinstalados o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (CG-PNGATI) e o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) . O grande diferencial foi na composição do Conselho que, pela primeira vez, é paritária entre representantes do governo e dos povos indígenas, com cota mínima de vagas para mulheres e juventude indígena.
O contínuo diálogo com o movimento indígena é viga estruturante para a formulação e consolidação da política para povos indígenas. No âmbito do Comitê Gestor da PNGATI, foram firmados projetos voltados à elaboração de Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas e a construção de projetos visando a implementação de planos de gestão, focando especialmente os territórios que estavam sendo desintrusados e demarcados.
Contra o marco temporal
Reafirmando e defendendo o direito territorial originário dos povos indígenas, em 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou a posição contrária do governo federal ao marco temporal, com veto integral à tese na Lei 14.701/2023, derrubado pelo Congresso Nacional posteriormente. Para garantir a defesa dos direitos territoriais indígenas, o governo atua, ainda, na Comissão Especial de Autocomposição instituída pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para mediação envolvendo a tese, já declarada como inconstitucional pelo STF, que passou a vigorar em 2023 por meio da aprovação da referida lei e gerou enorme instabilidade jurídica, além do acirramento dos conflitos nos territórios.
O caso foi judicializado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), e tramitou no STF por meio da ADI 7582. Diante do impasse histórico envolvendo o tensionamento entre os poderes constituídos, a Comissão Especial foi instaurada para dirimir o caso e buscar subsídios para eventuais tomadas de decisão.
Agenda internacional
Na atuação internacional, ampliamos a participação indígena nas três Conferência das Partes (COP) das Nações Unidas. Os resultados alcançados expõem a relevância da presença indígena nestes espaços, com a criação do órgão subsidiário 8J na COP da Biodiversidade, o reconhecimento do Caucus Indígena na COP de Combate à Desertificação, e o lançamento da Comissão Internacional Indígena na COP do Clima, instância de diálogo prioritário da presidência brasileira da COP 30 com os povos indígenas do Brasil e do mundo.
Além disso, pela primeira vez, o Brasil ocupa a presidência do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC), representado pela ministra Sonia Guajajara, eleita em maio de 2024. O FILAC é um órgão internacional de direito público que apoia os processos de desenvolvimento de povos, comunidades e organizações indígenas da região.
De igual modo, com muita honra, fui eleito para representar o Brasil no Grupo de Trabalho do Mecanismo de Seguimento para a Implementação da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas (DADIN), criado em 2023. Aprovada em 2016, a Declaração é o principal instrumento para a promoção e proteção dos direitos indígenas nas Américas.
Perspectivas para 2025
Neste ano, o Projeto de Lei Orçamentária Anual enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional consolida o compromisso de fortalecimento da política indigenista e da Funai, com a previsão de R$ 3,4 bilhões para a agenda transversal dos Povos Indígenas. São recursos para políticas públicas para a garantia de direitos e para o enfrentamento das vulnerabilidades específicas das comunidades indígenas.
Essa proposta segue a tendência de aumento orçamentário, conforme comprovada pela série histórica para a Funai nos últimos oito anos.
Os grandes destaques deste ano serão a COP 30, em Belém/PA, e o lançamento de programas de estratégia nacional voltada para a política pública aos indígenas em contexto urbano, às mulheres indígenas, aos indígenas LGBTQIAPN+ e à juventude indígena.
Para a COP, o MPI se prepara para garantir a maior e melhor participação indígena da história das conferências. Para isso, já está em curso o programa Kuntari Katu, para formação de jovens líderes indígenas nos temas relacionados à governança global.
Neste ano, o MPI e outros ministérios continuarão centrados na Comissão Especial do STF. O governo deve intensificar sua estratégia para enterrar de vez a tese jurídica do marco temporal e avançar em alternativas voltadas à regularização fundiária de Terras Indígenas e na consolidação, desenvolvimento e inovação tecnológica dos territórios.
Neste novo ciclo, manteremos ainda nossa atenção e empenho em desafios que nos exigem esforço redobrado e habilidade intergovernamental, como a violência contra indígenas em áreas “retomadas”, como é o caso dos Guarani e Kaiowá (MS), os Avá Guarani (PR) e os Pataxó (BA). Também precisaremos mitigar e combater os efeitos da crise climática que atingem as comunidades indígenas, tais como a estiagem severa e as queimadas. Investir na proteção territorial e nas formas autônomas de monitoramento territorial também são medidas que estão postas e seguem como compromissos prioritários do MPI.
Persistem os desafios em lidar com um parlamento composto majoritariamente por representantes alinhados a uma pauta “anti indígena”. No Judiciário, embora haja uma abertura dialógica, levará tempo para que se supere uma cultura jurídica que não considera a cosmovisão e a pluralidade dos povos indígenas e suas formas próprias de ver e entender a ciência jurídica e como se dá a sua instrumentalização.7
A conduta “para além da tutela” pelo Estado foi a aposta certeira que investiu na qualificação e na formação de indígenas que hoje devolvem, aos seus povos e comunidades de origem, políticas nacionais que dialogam com o futuro global.
[1] Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP)
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