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A ideia em um segundo
Uma análise dos discursos dos presidentes da República, da Câmara e do Senado na abertura do ano legislativo confirma a ausência de um projeto de governo, com ações coesas e concretas, o que dificulta previsões quanto à viabilidade do avanço de pautas transformadoras, necessárias e urgentes para o país. A nuvem de palavras dos três pronunciamentos mostra o quão escuro está o nosso horizonte político e econômico.
À procura de sinais
Blaise Pascal, pensador francês do século 17, disse certa vez que “arrumadas de maneira diferente, as palavras ganham um sentido diferente; e os sentidos, arrumados de maneira diferente, provocam efeitos diferentes”. O Farol Político desta semana olha com lupa para os discursos da sessão de abertura do ano legislativo, no começo de fevereiro, como fizemos no ano passado, procurando indícios, pistas, sensações que possam ajudar a compreender os rumos do processo decisório nacional ao longo de 2021.
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É fato que os discursos não representam qualquer tipo de compromisso, mas, como pensava Pascal, pode-se depreender vestígios a partir da arrumação das palavras: afinal, elas deixam pegadas. Como vamos ver, no nosso caso, os presidentes dos poderes deixaram poucas possibilidades de se enxergar um projeto de governo, com ações coesas e coerentes, dificultando as previsões quanto à viabilidade de pautas transformadoras, tão necessárias e urgentes para a sociedade.
Falar muito para não dizer nada
O presidente da República apresentou lista exaustiva de realizações do governo. Sem estabelecer conexão entre os diversos pontos, nem sinalizar para uma ordem de grandeza, Bolsonaro apresentou o que parece ser um “apanhado” feito pela assessoria de comunicação daquilo que o governo fez que mereceu ter sido mencionado pela imprensa no ano que se encerrou.
Ao tratar do futuro, o presidente apresentou nova lista, com dez projetos prioritários para o ano (ver quadro comparativo a seguir). Novamente, a dispersão e a falta de conexão entre os elementos impossibilitam que se chegue a uma conclusão quanto ao que realmente seja a vontade do atual mandatário do Executivo.
Ressalve-se que Bolsonaro citou, antes, a construção de uma agenda nacional estratégica, que abrangeria uma política nacional de desenvolvimento. Palavras que nos fazem lembrar de sua antípoda, Dilma Rousseff, indo na contramão do ainda incensado liberalismo do governo, travestido na persona do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Falar pouco para não dizer nada
Arthur Lira, novo presidente da Câmara, fez o discurso mais genérico, evitando mencionar especificamente quaisquer projetos. Antes, falou da necessidade da aprovação da lei orçamentária anual para 2021 e de se lidar com os vetos presidenciais que estão travando a pauta do Congresso Nacional. Quanto ao futuro, falou apenas de uma “pauta emergencial”, a ser construída coletivamente, sem quaisquer detalhes.
Se Bolsonaro deixa o Brasil sem informação sobre prioridades para o ano pela abundância do que disse, Lira o faz pela escassez.
Ponderação ou mineiridade
Rodrigo Pacheco, novo presidente do Senado, ficou no meio do caminho, apontando como prioridades o que chamou de mudanças estruturais: a reforma tributária e a reforma administrativa, a revisão do pacto federativo. Depois, destacou a necessidade de se ter uma renovação do auxílio emergencial.
O quadro a seguir apresenta as prioridades destacadas nos discursos, na ordem em que foram apresentadas as propostas (o que, em termos de análise de discurso, sinaliza para a importância dada a cada item).
Interpretações visuais: as pegadas quantitativas
O recurso das nuvens de palavras permite gerar uma imagem, a partir de textos, que capta, instantaneamente, a dimensão quantitativa do conteúdo. O algoritmo opera exclusivamente com base na sintática, porém os resultados se prestam a ricas inferências semânticas.
Jair Bolsonaro, na ânsia de magnificar resultados, mais falou em “bilhões”. Se há pouca clareza quanto aos objetivos e a um plano de governo que possibilite a integração e a coerência das ações, apele-se ao vil metal: olhem o tanto que gastei!
Arthur Lira demonstrou zelo em valorizar o corporativo, sua palavra mais usada foi “Casa”. Sua eleição, dada como certa por entendidos do jogo congressual desde as eleições anteriores, foi um arranjo de muita costura interna, que o levou a triunfar sobre o presidente anterior, com margem significativa de votos. Por que não usar o discurso para fazer um agrado aos pares?
Pacheco, o mais prolixo, mencionou mais “Brasil” e “poder”. Apresenta-se, portanto, mais preocupado com o que os poderes poderão fazer pelo país, o que se confirmaria pelo fato de ter sido o único a ressaltar a necessidade da renovação do auxílio emergencial.
As palavras e o futuro
Será que as palavras observam o princípio da incerteza, de Heisenberg? O fato de olharmos para elas pode alterar o seu sentido? É fato que os discursos de abertura das sessões legislativas cumprem função precipuamente cerimonial. Shakespeare nos lembra: ”Palavras não pagam dívidas: dê-lhes ações (Troilus e Créssida).
Contudo, vale também lembrar que cabe à soberania instigar confiança e tranquilidade no povo. No caso em questão, da fala dos poderes brasileiros, não conseguimos extrair muita substância que nos permita enxergar o futuro e refrear nosso espírito.
Termômetro
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Geladeira
A prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) depois de ter ameaçado e atacado ministros do Supremo Tribunal Federal serviu de recado para outros parlamentares que defendem o fechamento da corte e do Congresso. Silveira faz parte do grupo de dez deputados que respondem a inquérito no Supremo por suspeita de promover atos pró-intervenção militar. Também integrante do grupo, Bia Kicis (PSL-DF) viu sua indicação à presidência da Comissão de Constituição e Justiça ficar ainda mais ameaçada. Diante da prisão do colega, Bia ficou calada.
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Chapa quente
Após negociações com o Ministério da Economia, o Senado decidiu votar na próxima quinta-feira (25) a chamada PEC Emergencial como forma de viabilizar a retomada do auxílio pago a trabalhadores informais e desempregados. O governo espera atender cerca de 40 milhões de pessoas por quatro meses, com benefício em torno de R$ 250. Para isso, o Congresso pretende promulgar a PEC Emergencial em março. A ideia é criar uma cláusula de calamidade pública e abrir um orçamento paralelo para o pagamento do auxílio.
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O Farol Político é produzido pelos cientistas políticos e economistas André Sathler e Ricardo de João Braga e pelo jornalista Sylvio Costa. Design: Vinícius Souza.
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