Enquanto 26 pessoas morriam afogadas na Bahia vítimas das enchentes que destruíram ruas e bairros inteiros de diversas cidades no final do ano, o presidente Jair Bolsonaro divertia-se em Santa Catarina. Passeava de jet ski, dava cavalos de pau em um carrinho estilo Hot Wheels em um parque de diversões, sentava na porta de botecos. Zero, portanto, de empatia com um grande número de brasileiros que sofria.
A farra bolsonarista de fim de ano cobrou seu preço, na saúde ou na política, acredite-se ou não na gravidade dos problemas intestinais do presidente. Se os problemas são reais – e devem de fato ser –, Bolsonaro tem um intestino que recomendaria maiores cuidados com a alimentação e outros excessos. Claramente, ele não funciona bem. Cirurgias no intestino são sempre perigosíssimas pelo risco de infecção. Não fazer a cirurgia agora também não significa que Bolsonaro não terá novos problemas mais adiante, especialmente se seguir dando pouca bola para a sua situação de saúde. Jair Bolsonaro é um homem de 66 anos de idade. Não há “histórico de atleta” que aguente internações frequentes, cirurgias diversas, sem deixar suas sequelas. Que a essa altura não seriam somente sequelas da facada que ele levou, mas sequelas da facada agravadas por certa falta de responsabilidade com a própria saúde.
No fundo, a forma como Bolsonaro demonstra cuidar do seu intestino não difere da forma como ele trata a covid-19. Nos dois casos, o presidente desdenha das recomendações médicas. Nos dois casos, ele desafia os limites do seu corpo. E, nos dois casos, como diria o Conselheiro Acácio de Eça de Queiroz, “as consequências vêm depois”.
Por não cuidar do seu intestino, por não optar por uma dieta mais leve que não o sobrecarregue, Bolsonaro tem frequentado de forma intensa a UTI do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo. Tira seu médico das férias em que estava nas Bahamas, paga o seu deslocamento. Nada disso é barato. E quem paga por tudo isso é o cidadão brasileiro. O risco disso tudo é que uma hora esse intestino que para às vezes de funcionar pode parar de vez. E aí teremos um presidente em grave estado de saúde.
No caso da covid-19, o desdém de Bolsonaro com a pandemia pode não tê-lo afetado gravemente. Mas afetou gravemente o país. São diversos os relatos de pessoas que foram na onda do presidente, não acreditaram na gravidade da doença, acharam que poderiam combatê-la com medicamentos sem eficácia e acabaram com isso perecendo. Ou ocupando por meses UTIs de hospitais. De hospitais públicos. E, de novo, quem pagou por tudo isso foi o cidadão brasileiro. Nos dois casos, o desdém tornou muito mais caro, muito mais doloroso, o que poderia ter sido mais simples ou até evitado. Só que um dos casos afeta somente a saúde de uma única pessoa. E o outro a saúde da população inteira.
Há quem aposte que será somente o debate econômico que irá definir as eleições deste ano. Eu, pessoalmente, não creio. Será a associação do debate econômico com a pandemia. Se a forma como Bolsonaro lidou com a pandemia colaborou ou não com a debacle econômica. E, no fim, tudo talvez seja uma questão de empatia. De sentimento coletivo ou egoísta.
PublicidadeA cada vez que é internado, Bolsonaro e as pessoas próximas a ele, como agora sua mulher, Michelle, retornam ao atentado na busca da empatia do seu eleitorado. Empatia que, no caso de Bolsonaro, pareceu ter faltado com relação ao povo brasileiro na tragédia das enchentes. Ou na tragédia da pandemia. Na cartilha de Bolsonaro, “pessoas morrem”.
Para quem gosta de números, há um dado importante a se considerar, além das pesquisas de opinião. Enquanto Bolsonaro derrete nas pesquisas, quase 70% dos brasileiros estão inteiramente imunizados, com duas doses de vacina ou com a dose única de alguns imunizantes. E mais de 75% tomaram pelo menos a primeira dose. Ao contrário da bobagem dita pela deputada estadual Janaina Paschoal, os que acabaram agora sendo contaminados têm, na sua grande maioria, experimentado um desconforto mínimo, muito diferente das graves internações de outrora. Exatamente porque já estão vacinados.
É provável que uma população que aderiu em massa à vacina não vá colocar de novo suas fichas em alguém que não acredita nela. E que pede com relação a ele a empatia que não parece demonstrar com os outros.