“Eduardo Cunha, você é um gangster. E o que dá sustentação à sua cadeira cheira a enxofre.” Com esse discurso direto e de poucas palavras, o deputado Glauber Braga (Psol-RJ) desafiou o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), na sessão que resultou na abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff em 17 de abril de 2016. Glauber fez, na ocasião, o pronunciamento mais contundente contra o mais poderoso dos deputados até então. Cinco meses depois, Cunha cairia em desgraça, ao ter o mandato cassado pelos colegas. Passaria ainda quase cinco anos preso com base nas denúncias da Operação Lava Jato. No ano passado, tentou sem sucesso voltar a Brasília – um cenário pouco previsível para quem usufruía de tanta influência política.
Sem Cunha, Glauber continua a apontar o dedo em riste para o presidente da Câmara: desta vez, Arthur Lira (PP-AL), em quem enxerga características que o remetem ao ex-emedebista. “Lira é mais sofisticado que o Eduardo Cunha. Estabeleceu uma relação com os interesses do mercado, em relação aos seus antecessores, mais eficaz para as pautas que são negativas para os trabalhadores”, diz o deputado ao Congresso em Foco. “Não estou elogiando, é uma crítica que demonstra o tamanho desse inimigo político”, ressalta.
Leia também
Para ele, Lira consegue fazer o que Cunha e Rodrigo Maia (PSDB-RJ) tentaram sem o mesmo sucesso ao passar pela presidência da Casa. “Ele conseguiu aplicar uma agenda neoliberal, aprovando a autonomia do Banco Central, votando privatizações na Câmara e esquartejando direitos sociais graças à dinâmica de acenar para fora, para o mercado, e para dentro, com o orçamento secreto”, avalia Glauber.
Mas o poder – mesmo o de Lira – é perene, adverte o deputado. “Uma hora o Lira cai. Eduardo Cunha se achava todo poderoso e caiu. Moro ainda não caiu, mas viu seu poder nacional se debilitar nacionalmente. Bolsonaro e Dallagnol caíram. A hora de Lira cair vai chegar”, afirma. Em maio do ano passado, Lira e Glauber discutiram asperamente no plenário. O presidente da Câmara ameaçou chamar a polícia legislativa para retirar o deputado do Psol. Um entrou com processo contra o outro por quebra de decoro. A representação do parlamentar fluminense ficou na gaveta enquanto a do alagoano avançou rapidamente para o Conselho de Ética. Foi engavetada com o final da legislatura.
Principal líder do chamado Centrão, grupo conhecido por barganhar votos com cargos e verbas, o famoso “toma lá, dá cá”, Arthur Lira alcançou um dos postos de mais prestígio na República na condição de aliado de Jair Bolsonaro, cuja reeleição viria a apoiar. Ganhou um poder poucas vezes visto na República ao controlar o chamado orçamento secreto, direcionando recursos federais entre aliados. Decretada a derrota de Bolsonaro, telefonou no mesmo instante para o presidente eleito Lula, num gesto saudado por muitos como apreço democrático.
Naquele mesmo instante, no entanto, ele apresentava suas credenciais ao novo chefe do Executivo. Ajudou a aprovar, antes mesmo da posse, a chamada PEC da Transição, que permitiu ao novo presidente começar o mandato cumprindo promessas sociais. Como credor, ganhou o apoio do Planalto em sua reeleição à Câmara. E, agora, vive uma queda de braço com o petista em torno da reforma ministerial e da pauta econômica pendente de votação.
Aliado de Lula, Glauber Braga vê com preocupação a relação do governo com o presidente da Câmara. “Lira é um chantagista geral da república. A opção do governo foi por um pacto de conciliação com ele. Só que quem inicia a chantagem, no caso o Lira, sempre quer mais espaço e poder. Se não colocam limites, ele nunca vai se sentir satisfeito com aquilo que recebeu de resposta positiva”, observa. “Ele se impõe também pelo medo, mas pelos recursos oriundos do poder que acumula”, acrescenta.
Em julho, Arthur Lira entrou com ações contra diversos veículos que publicaram reportagens que o desagradavam. A pedido dele, o juiz Jayder Ramos de Araújo, da 10ª Vara Cível de Brasília, determinou a exclusão de uma entrevista concedida por Jullyene Lins, com quem o deputado foi casado por dez anos, ao Congresso em Foco. Nela, a mulher atribuía ao ex-marido abusos físico, psicológico e sexual. Todos refutados por ele. Lira entrou com ação por danos morais contra a ex-esposa e o UOL, parceiro deste site. Outros dois juízes negaram processos semelhantes movidos por ele contra a Agência Pública e o ICL Notícias.
Glauber vê em Lira traços de truculência política que também enxergava em Cunha. O deputado cita, como exemplo, a tramitação recorde do envio feito pelo presidente da Câmara das denúncias contra seis deputadas de esquerda ao Conselho de Ética. Elas chamaram de assassinos os colegas que votaram a favor do marco temporal das terras indígenas. As deputadas denunciadas são Célia Xakriabá (Psol-MG), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (Psol-RS), Juliana Cardoso (PT-SP), Talíria Petrone (Psol-RJ) e Sâmia Bomfim (Psol-SP) – com quem Glauber é casado e tem um filho.
“Lira é uma figura autocrática, que se fortaleceu muito a partir do orçamento secreto e que fez um movimento para procurar estabilizar, de fora pra dentro, sua presidência por meio da articulação com pautas que eram de interesse direto do mercado, mais especificamente o mercado financeiro”, avalia Glauber.
No início do mês, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou as provas que tenham relação com o presidente da Câmara em investigação que mira suspeitas de fraudes em licitações relacionadas ao fornecimento de kits de robótica para escolas de Alagoas. A suspeita é de que o esquema tenha desviado mais de R$ 8 milhões dos cofres públicos. Gilmar entendeu que as investigações, por resvalarem em Lira, deveriam ter passado pelo crivo do Supremo, por conta do foro privilegiado do deputado, e não poderiam ter sido iniciadas no estado.
“O poder dele é muito grande. Com um poder desse tamanho e a concentração das decisões – das grandes até as minúcias passam por ele – há uma relação de dependência por um poder muito acumulado. Se não enfrentarmos isso, vai só acumular mais”, considera Glauber.
O Congresso em Foco procurou Arthur Lira para comentar as declarações de Glauber Braga, mas não houve retorno até o momento. O texto será atualizado caso haja alguma manifestação.