Arquivei na minha memória de ribeirinho, nascido na sergipana Propriá, o olhar amigo da alagoana Porto Real de Colégio e a admiração pela histórica e resistente Penedo. Na alagoana capital passei parte das minhas férias, solidifiquei grandes amizades e, durante alguns belos anos, compartilhei o tempo no remanso de um pequeno apartamento em Jatiúca. Quando a advocacia me deu a honra de presidir a OAB Nacional, junto com o presidente Omar Coêlho, fizemos do bairro Jacarecica a sede e o local de encontro da advocacia alagoana. Da terra de Pontes de Miranda guardo, com muito orgulho, o título de Cidadão Maceioense.
Tenho na Alagoas de Graciliano Ramos, portanto, uma relação de afetividade muito forte, inclusive por ser a terra de nascença de Marluce. Não sem razão advogo, há algumas décadas, para a categoria petroleira alagoana que fez da Petrobrás uma referência mundial. E foi com a credencial de apaixonado pelas coisas alagoanas que no feriado de Ano Novo, no já velho 2018, convidei um grande amigo brasiliense para conhecer o “azul piscina” do litoral alagoano, bem declamado pelo poeta Carlos Moura. Gosto de exibir o Nordeste pelo meu insuspeito óculo.
Depois que o apresentei às praias de Maceió – de Guaxuma à Avenida – apostei que as localizadas no Litoral Norte seriam o encerramento, com estilo e charme, do nosso vagar pelo natural beleza nordestina. E assim partimos para a nossa aventura. Ou “desventura em série”. É que – já no início do percurso pela BR 101 AL – as paisagens das primeiras praias estavam encobertas por mansões, clubes privados e cercas com a visível placa de “propriedade privada”. Para não ser injusto, alguns bares até permitiam o ingresso para fotografar o mar, desde que houvesse a disposição de pagar um ingresso inflacionado pelo feriado nacional. Não fosse o oásis do Mirante da Sereia, o meu convidado teria razão quando brincou que a minha propaganda não passava de uma miragem ufanista.
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Desafiado em minha honra sertaneja, segui litoral adiante: Barra de Santo Antônio, São Miguel dos Milagres, Carro Quebrado, Praia do Toque, Porto de Pedras, Patacho, Tatuamunha e outras praias por mim descritas como deslumbrantes. Todas transformadas em rápidas paradas. Inesperadas e frustrantes passagens. É que, mais uma vez, o ingresso ao mar estava bloqueado por mansões, clubes, restaurantes e cercas de arame farpados. A nós, turistas de ocasião, restavam as poucas brechas de areia que sobravam entre as afortunadas propriedades privadas.
Diferentemente das áreas privadas e protegidas por seguranças, nos espaços de intermédio, paradoxalmente, não se permitia uma estrutura pública que garantisse um mínimo de organização e conforto para o povo que frequentava as faixas de areia sobrantes. E como privadas eram as demais áreas, inclusive as dos restaurantes que impediam o livre acesso para o mar dos reservados, voltamos para Maceió com fome de mar e alimentação.
Registro essa “desventura” agora que tramita pelo Senado, com a relatoria do senador Flávio Bolsonaro, a chamada PEC das praias. O projeto pretende incluir na Constituição Federal a transferência para a iniciativa privada dos terrenos de marinha pertencentes à União e, portanto, ao povo brasileiro. Em apertada síntese, ambiciona-se legalizar a permanente grilagem de terras públicas, afastar o debate sobre os danos ambientais, legitimar os muros das mansões que borram o azul-piscina do mar, permitir as cercas dos barões que fazem da especulação um jogo sem craques, edificar as grandes e vigiadas muralhas dos hotéis de luxo e, por fim, traçar no mar uma linha divisória entre os donos dos privatizados terrenos de marinha e os que não foram aquinhoados com riquezas materiais, o poder da influência política ou o fama inimaginada.
PublicidadeAo tornar absolutamente normal a construção de um grande cercadinho privado em torno das praias brasileiras, a PEC diz – sem bronzear o seu rosto excludente – que restaria ao povo o consolo do uso de pequenas migalhas e brechas de areia ainda não ocupadas pelos ricos de bens e pobres do bem. É que na chuteira da ingratidão, a História mostra que a cerca não convive com a inclusão. E assim, para o povo, o “pé na areia, a caipirinha, água de coco, a cervejinha”, nogueiramente escrevendo, não passariam de uma nostálgica canção de um tempo que já passou.
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