Hildo Rocha *
Aprovado no Senado Federal, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 137, de 2015, de autoria do senador Flexa Ribeiro, que dispõe sobre o procedimento para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios, deve agora passar pela deliberação da Câmara, que atuará na qualidade de Casa revisora. Como membro da comissão especial instituída para dar parecer sobre a matéria, sinto-me inteiramente confortável para discorrer sobre o assunto.
No âmbito da comissão especial, o PLP foi objeto de minucioso exame, com a realização de diversos seminários a fim de qualificar o debate com a audição de estudiosos na matéria.
Por fim, o projeto foi unanimemente aprovado naquele colegiado, porque é bom para o país, pelos motivos que tentarei sintetizar a seguir.
Em primeiro lugar, a edição da lei obedece a preceito constitucional. O artigo 18, parágrafo 4º, da Lei Maior prevê a edição de leis para disciplinar a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios.
Portanto, é nosso dever, é dever do Congresso Nacional legislar sobre a questão. Se não o fizermos, estaremos em falta com nossa responsabilidade, sob risco de reclamação ao Judiciário por meio de mandado de injunção ou ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
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Em segundo lugar, autorizar-se a criação de munícipios, de modo ordenado, é medida descentralizadora –conducente, portanto, ao interesse coletivo. Com efeito, a descentralização é princípio básico de administração, em qualquer tipo de organização.
No caso da gestão púbica, a medida significa aproximar o cidadão do Estado e dos serviços e políticas públicas. Significa o maior contato entre a população e seus mandatários eleitos – implicando, de um lado, a melhor identificação das necessidades do povo e, de outro, o maior controle social das ações dos políticos locais.
Há áreas imensas no Brasil, sobretudo no Norte do país, cujos habitantes são completamente privados do exercício de muitos de seus direitos em virtude da inexistência de uma estrutura política mínima. Localizados longe das sedes dos municípios, ficam eles esquecidos. Esse é, portanto, um projeto de efetivação da cidadania.
A experiência brasileira demonstra o êxito da descentralização política, com inúmeros casos de sucesso na implantação de novos municípios, gerando progresso em novas localidades.
A possibilidade legal de surgimento ou desmembramento de município tem outro aspecto positivo, com frequência ignorado: ela estimula os gestores municipais. A fim de preservar seus atuais limites, as autoridades terão a salutar inclinação de tratar com diligência as necessidades dos povoamentos localizados fora da sede.
Falo agora, com muita brevidade, sobre duas objeções à aprovação do projeto, suscitadas em plenário. A primeira é de que o PLP implica, necessariamente, aumento de despesa pública. A objeção é falsa, porque a lei, se aprovada, não cria município. A lei regula a criação de municípios e contém um conjunto bem desenhado de regras para impedir aventuras emancipatórias sem fundamento.
Primeiro, existem regras de iniciativa: o processo só terá princípio se o requerimento contar com a assinatura de 20% dos eleitores, no caso de criação ou desmembramento, e 3%, nos casos de fusão e incorporação. Convenhamos que são números robustos, especialmente no primeiro caso.
Ademais, para a criação, existem os mínimos demográficos: 6 mil habitantes para Norte e Centro-oeste, 12 mil para Nordeste e 20 mil para Sudeste e Sul; restrições pertinentes a número de imóveis e a vedação do procedimento em área urbana situada em reserva indígena, área de preservação ambiental ou pertencente à União.
Posteriormente, é necessária a elaboração de estudos de viabilidade municipal em relação a todos os municípios envolvidos. Os estudos, cujos requisitos são detalhados no PLP, compreendem a viabilidade econômico-financeira, socioambiental e urbana e político-administrativa. Se os estudos concluírem pela inviabilidade, todo o processo de criação ou desmembramento é sustado.
Se a conclusão é pela viabilidade, e tendo sido os estudos aprovados pela Assembleia Legislativa, será realizado plebiscito nos municípios afetados. Apenas se for aprovado em plebiscito o processo legislativo inicia na Assembleia, que terá a palavra final sobre a questão.
De todo o exposto fica evidente que o processo para criação de um município, consoante disciplina do PLP, é complexo, demorado, transparente, franqueado à participação de múltiplos atores e fundamentado em estudos técnicos.
A contestação de que resultará numa corrida geradora de municípios é fruto do desconhecimento da proposição ou simples má-fé. Em verdade, a criação de um município, sob o regime da nova lei, será tarefa difícil.
Ainda sobre a questão do aumento de gasto público, cabe lembrar que o projeto não trata somente da possibilidade de criação de municípios, mas também do desmembramento, da incorporação e da fusão destes entes federados – o que pode, em certa medida, implicar redução de despesa pública com a extinção de municípios pequenos, sem viabilidade de existência autônoma.
A segunda objeção diz respeito à oportunidade. Estamos, dizem alguns, muito próximos das eleições e, portanto, não deveríamos aprovar o projeto. Então quer dizer que o Congresso deve parar de quatro em quatro anos? Em ano de eleições municipais deve parar também?
Querem os senhores dizer que o Parlamento brasileiro deve trabalhar um ano sim e outro não?
Ora, é óbvio que o argumento é desarrazoado. Devemos continuar trabalhando e aprovando medidas favoráveis à nação, favoráveis ao povo brasileiro, como o projeto de lei de que tratamos.
* Hildo Rocha é procurador da Câmara e foi eleito deputado pelo MDB do Maranhão para a atual legislatura (2015-2019).