Eduardo Militão, Edson Sardinha e Lúcio Lambranho
Nesta quarta-feira (14), completa um ano que uma reportagem sobre o uso indiscriminado de cotas de passagens aéreas parlamentares deu expressão nacional ao que ficou conhecido como “farra das passagens”. Deputados e senadores usavam suas cotas para objetivo diverso do benefício, custear o trabalho dos congressistas. Além disso, constatou-se que uma máfia comercializava as muitas sobras de créditos num mercado paralelo ilegal.
Passados 12 meses da divulgação da reportagem que mostrava celebridades como a modelo Adriane Galisteu voando com dinheiro público, foram tomadas iniciativas para prevenir e para punir as irregularidades.
Mas a verdade é que as punições para os responsáveis não aconteceram ainda. O Ministério Público Federal (MPF) não concluiu suas investigações, e não há previsão de quando haverá apresentação de alguma denúncia à Justiça. A Câmara não encontrou indícios contra deputados acusados de vender bilhetes que sobravam e perdoou o uso comprovado para fins particulares. Até agora, 19 funcionários foram demitidos. No Senado, o silêncio impera.
Veja no quadro o que realmente foi feito e o que não foi feito em cima de anúncios e promessas (clique nos links, em azul):
PARA PREVENÇÃO DE IRREGULARIDADES
O que aconteceu | |
Câmara muda regras de uso | Ato fundiu a cota de passagens com a cota postal e telefônica e com a verba indenizatória. |
Senado muda regras de uso | |
Câmara anuncia redução de 20% na cota aérea e coloca contenção de gastos como meta no Ato 43/09 | |
Senado reduz valores da verba de transporte aéreo em 25% | As cotas foram baixadas, mas, assim como a Câmara, o Senado liberou o uso de créditos antigos |
Câmara promete divulgar os gastos dos deputados na internet | |
Senado promete divulgar os gastos dos senadores na internet | Promessa nunca cumprida. |
Deputado Ernandes Amorim (PTB-RO) pede à Câmara a compra de um jatinho para atender os deputados | O requerimento foi rejeitado pela Mesa em 3 de fevereiro deste ano, seguindo o parecer de Rafael Guerra (PSDB-MG) |
PARA PUNIÇÃO DE RESPONSABILIDADES
O que foi feito | |
Câmara perdoa irregularidades | |
Senado silenciou-se sobre irregularidades | Silêncio mantido |
MPF abre inquéritos civis públicos para apurar condutas de deputados e senadores | As investigações não chegaram a nenhuma conclusão ainda. Há um inquérito civil para a Câmara e outro para o Senado. |
MPF abre investigação sobre viagem de amigos de Roseana Sarney (PMDB-MA) com recursos do Legislativo, segundo agência de viagens | Caso foi incluído no inquérito civil referente ao Senado. A investigação não chegou a nenhuma conclusão ainda. |
Até agora não recebeu informações da Câmara e Senado, mas o prazo é até 31 de julho. Câmara informa que abriu três frentes de apuração: na Corregedoria, sobre deputados, em uma comissão de sindicância, sobre servidores, e em 44 comissões de processo, também sobre funcionários. Senado silencia sobre o tema. | |
TCU determina que Câmara e Senado cobrem a devolução dos valores | Até agora não recebeu informações da Câmara e do Senado, mas o prazo é até 31 de julho. Câmara diz que é o Ministério Público que deve apontar quem deve eventualmente devolver dinheiro usado irregularmente. Senado silencia sobre o tema. |
Câmara abre sindicâncias contra quatro deputados e investigações preliminares contra outros 35 | Nenhum deputado foi punido até agora. Um teve o caso arquivado, provável destino de outros dois. |
Câmara abre comissão de sindicância, que aponta 45 servidores envolvidos de 39 gabinetes | |
Cidadão do Mato Grosso do Sul move ação popular contra a Câmara | |
Cidadão do Rio Grande do Sul move ação popular contra deputado Ruy Pauletti | |
Alguns deputados devolvem dinheiro usado para fins particulares | Pelo menos três deputados devolveram R$ 42.500 aos cofres públicos. A Terceira Secretaria da Câmara não forneceu informações sobre outros parlamentares que devolveram dinheiro |
Farra inesquecível
No dia 14 de abril de 2009, o Congresso em Foco revelou que a Câmara pagou passagem para os atores Kayky Brito, Sthefany Brito e Samara Felippo participarem do carnaval fora de época em Natal. Os bilhetes saíram da cota do deputado Fábio Faria (PMN-RN), dono do camarote Athlética, um dos mais concorridos do Carnatal por reunir o maior número de celebridades.
O deputado também utilizou a cota parlamentar para pagar sete viagens para a ex-namoradora, a apresentadora de TV Adriane Galisteu, e a mãe dela, Emma Galisteu, entre 2007 e 2008. Um dos trechos pagos com recursos da Câmara transportou Emma de Miami, nos Estados Unidos, a Guarulhos, em janeiro do ano passado.
Começava ali uma série de reportagens que obrigou o Congresso a rever suas regras, baixar custos e repensar a forma de utilizar os recursos públicos destinados ao transporte aéreo dos parlamentares. Em outras palavras: abriu uma caixa-preta que o Legislativo insistia em manter sob sigilo e forçou diversos deputados e senadores a admitirem que estavam fazendo uso privado da verba pública.
As reportagens mostraram ao país que senadores e deputados de todos os partidos, líderes de bancada, ministros, ex-parlamentares, integrantes da Mesa Diretora, todos usavam como queriam passagens aéreas pagas com dinheiro público.
Cantores gospel e até o presidente do Supremo Tribunal Federal foram transportados com a cota parlamentar. Pelo menos 261 congressistas viajaram para o exterior. As revelações continuaram. Um único parlamentar usou 40 bilhetes para viagens internacionais, todas para fins particulares.
Quase um mês antes da revelação sobre o uso da cota parlamentar para o transporte de artistas, o Congresso em Foco havia começado a puxar a ponta desse novelo, ao mostrar que a líder do governo no Congresso, Roseana Sarney (PMDB-MA), usara o benefício do Senado para custear o transporte de um grupo de amigos, parentes e empresários pessoas de São Luís até Brasília.
Venda de créditos
A apuração do caso não se restringiu à esfera ética e administrativa. O mercado paralelo de bilhetes revelou uma quadrilha que comercializava as sobras de créditos dos parlamentares nos corredores de Brasília, que obrigou a Câmara a investigar as denúncias.
Forçados pelas revelações, Câmara e Senado restringiram o uso das passagens para o futuro. As viagens internacionais foram limitadas na Câmara e proibidas no Senado. Proibidos também os voos a passeio e cujos passageiros são parentes dos parlamentares. Alguns deputados devolveram o dinheiro gasto em viagens fora do exercício do mandato.
Ao mesmo tempo, a cúpula da Câmara perdoou as irregularidades do passado. O Senado sequer tocou no assunto.
Em virtude da quantidade de bilhetes emitidos para fins que não fossem o trabalho parlamentar, as duas Casas determinaram a redução da cota de passagens aéreas. Os deputados tiveram corte de 20% no valor mensal para a emissão de bilhetes, enquanto a redução na cota dos senadores chegou a 25%.
A publicação da série de reportagens deu ao Congresso em Foco o troféu Tim Lopes de jornalismo investigativo, do Prêmio Imprensa Embratel. E contribuiu para que o site conquistasse o Prêmio Esso, na categoria de melhor contribuição à imprensa.
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