Relatora da CPMI dos Atos Antidemocráticos, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) avisa que chegou ao limite de mentiras por parte de depoentes no colegiado. Nesta semana, quando o tenente-coronel Mauro Cid presta depoimento à comissão, ela promete não tolerar mais mentiras, como o que ocorreu com o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques,
“A gente chegou no nosso limite por causa do Sylvinei”, avisou a senadora.
Cid é investigado no inquérito que verifica a possibilidade de falsificação dos dados no cartão vacinal do ex-presidente da República. Está preso desde maio. No celular dele, a Polícia Federal também encontrou documentos que são uma minuta de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), operação militar que aciona as Forças Armadas para restaurar a ordem pública, e dados para subsidiar um golpe de estado.
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Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Eliziane Gama falou sobre a atuação até o momento da CPMI e até mesmo do fato de não descartar pedir segurança extra, uma vez que tem sido alvo de uma série de ataques presenciais e virtuais desde que assumiu a relatoria do colegiado. A seguir, o vídeo com a íntegra da entrevista, assim como os principais trechos da conversa.
Veja a íntegra da entrevista aqui
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A CPMI já tem um mês de trabalhos. Quais são as principais conclusões da senhora?
Quando iniciamos e apresentamos o plano de trabalho, colocamos claramente que seguiríamos na verdade de uma linha cronológica, que se iniciaria a partir do resultado da eleição e pegaria dois fatos para além do que ocorreu no dia da eleição. Um que foi o das várias rodovias em todo o Brasil serem bloqueadas e o 8 de janeiro. Hoje, posso te afirmar, de uma forma muito clara, que há uma correlação muito direta entre esses fatos que antecedem o dia 8 de janeiro. Dia 8 de janeiro não foi um dia isolado. O dia 8 de janeiro não foi pensado apenas do dia 7 ao dia 8 de janeiro. O dia 8 de janeiro tem uma correlação com esses fatos anteriores. Então eu te diria, de uma forma preliminar, que neste primeiro mês de trabalho, essa é a conclusão, de forma mais imediata, que já temos a partir dos depoimentos colhidos.
Tivemos alguns depoentes na CPMI , como Sylvinei Vasquez, o coronel Jean Lawand e o Jorge Washington, que foram acusados de mentir durante os depoimentos da CPMI. Isso inclusive é considerado crime, mas eles não foram presos. Eles irão escapar de alguma forma de um indiciamento na CPMI. Vocês já conseguem ter algum direcionamento em relação a isso?
Ainda não. Sobre a questão do indiciamento, já temos elementos que nos levam a crer de um possível indiciamento acerca desses dois nomes, pode ter certeza que serão indiciados a partir da finalização dos trabalhos. Você pode se safar de uma prisão por falso testemunho, mas você não pode se safar de responder isso no âmbito da justiça brasileira a partir da conclusão do inquérito que estamos a fazer nesta CPMI. Por conta de um falso testemunho, construímos o entendimento. Agora, até para dar andamento aos trabalhos, essa é uma decisão a ser tomada pelo presidente da CPMI.A gente tem respeitado a posição dele. Agora o Brasil inteiro viu. O Sylvinei mentiu na CPI, o coronel Lawand mentiu na CPI e a gente não pode permitir que essas mentiras possam ser reincidentes, que outros depoentes também possam repetir o que eles fizeram. Isso é muito sério, porque acaba colocando em um certo, digamos, descrédito os trabalhos da comissão e a gente não pode permitir que isso ocorra.
Vale também para o Jorge Washington?
Vale pro Jorge Washington, ele está preso. Agora, é bom lembrar que ele tem uma condenação e não o exime, por exemplo, de ter que responder por outros processos. Se houver no levantamento de dados elementos que substanciem o encaminhamento também por falso testemunho, naturalmente que faremos isso.
Diante de depoentes que já flagrantemente mentiram, isso não serve de estímulo, abrindo um precedente para que outros depoentes também me mintam para a CPMI?
Eu até já conversei com minha assessoria, para reafirmar isso mais uma vez. Não é uma ameaça ao depoente, mas a gente não pode permitir que haja uma ação continuada. A gente não pode dar elementos para que, de repente, outros depoentes venham para CPMI e digam, olha eu vou mentir e vai continuar por isso mesmo. Não é assim. A gente, na verdade, tem que compreender que esta é uma comissão parlamentar de inquérito e uma CPI nasce na verdade com poderes. Então, não se pode desrespeitar os trabalhos da comissão. E eu fico também muito preocupada que casos como esses possam se repetir e abrir precedentes. Eu acredito que a gente chegou no nosso limite por causa do Sylvinei. Foi o primeiro depoimento, aí fica aquele questionamento: nossa já começou prendendo, não tem uma tolerância? Mas a tolerância tem limite. Não dá para ficar sendo sempre tolerante sob pena de acabar abrindo precedentes sérios, que é o não respeito aos trabalhos da comissão.
Ou seja, a tolerância de vocês chegou ao fim, senadora?
Eu acredito que sim e é a minha defesa. Acho que daqui pra frente a gente precisa ter um posicionamento mais rígido e mais firme em relação àqueles que mentirem na comissão.
A CPMI já estuda alguma nova reconvocação, principalmente desses três que mentiram durante seus depoimentos?
Uma alternativa que pode ocorrer são acariações. Por exemplo, no caso da PRF, ele disse que não houve direcionamento das ações voltadas pro nordeste brasileiro. Eu estou pedindo a convocação do diretor adjunto da Polícia Rodoviária Federal para que a gente possa também ouvi-lo. Se houver na verdade uma incompatibilidade de informações haverá naturalmente aí a acareação e com essa acareação a gente poderá compreender de fato o que ocorreu. E se houver durante a acareação a constatação de uma mentira, automaticamente também poderá haver um pedido de prisão.
Em entrevista ao UOL, o líder do PT no senado, seu colega Fabiano Contarato (ES), disse que na avaliação dele a CPMI está sem foco, e que não é possível investigar sem ter acesso ao inquérito do do STF. Como a senhora avalia esse tipo de crítica? O não acesso ao inquérito do STF está trazendo algum tipo de prejuízo para as investigações da CPMI?
Eu não diria que não tem foco, a CPMI ela tem foco. O que a CPMI tem é uma dificuldade grande porque temos integrantes que são investigados. Então, não dá para você receber um um compartilhamento de dados, por exemplo do Supremo Tribunal Federal, que tem um inquérito no qual constam parlamentares da comissão que vão ter acesso a esse documento que é sigiloso. Veja que é uma situação extremamente incompatível. Isso acaba trazendo grandes prejuízos. Os documentos que estamos recebendo do Supremo Tribunal Federal são pela metade. Agora, se a gente não consegue o compartilhamento, a gente consegue a quebra direta. Então, temos que partir também para aprovação dos requerimentos que pedem as várias quebras de sigilos.
Há uma certa conivência por parte da presidência da CPMI ao deixar que esses parlamentares investigados continuem na comissão?
Eu não diria da presidência da CPMI, porque fizemos o encaminhamento das questões de ordem para a presidência do Congresso, que é quem deve responder. Pode até ser que ele reenvie para a presidência da CPMI, mas até o presente momento, não enviou. A decisão tem que ser tomada, para o sim, ou o não. É claro que a gente espera que haja o afastamento desses deputados, mas se não houver, infelizmente a gente vai ter que conviver com essa situação. O senador Marcos do Val, depois do mandato de busca e apreensão, pediu afastamento e saiu da CPI, mas temos outros parlamentares que são investigados.
Houve uma demora nas indicações até mesmo dos nomes que iriam compor a CPMI por uma questão de forças do Congresso Nacional, tanto da Câmara quanto no Senado. Essa questão de forças é o que está trazendo prejuízos agora?
Tivemos uma demora, você coloca muito bem, até de construção de quem seria a presidência e de quem seria a relatoria. Agora, na política, a gente sabe que às vezes as forças menores precisam recuar para poder construir um entendimento. Então, é basicamente isso que ocorre.
Há elementos que corroborem essa versão até agora?
É um estranhamento muito grande quando as pessoas falam da possibilidade do governo. É meio surreal. Não tem o menor sentido isso. Óbvio que se tem pessoas que foram omissas dentro da estrutura do atual governo elas precisam ser responsabilizadas e serão responsabilizadas.
Isso vale tanto para os que estavam atuando no governo do Distrito Federal quanto para os que estavam ligados ao governo federal ? Com relação ao ex-ministro Gonçalves Dias, que prestou depoimento à CPI da Câmara Legislativa, a senhora assistiu esse depoimento, acredita que ele pode ser responsabilizado por isso dentro da CPMI?
Ele vai ser ouvido pela comissão. Já temos a aprovação do requerimento dele, não há dúvida nenhuma que ele é uma peça muito importante. Agora é muito bom lembrar que o GSI, assim como a Abin, assim como boa parte da estrutura de governo, tinham apenas sete dias. Tinha uma composição muito grande do governo anterior. Vamos perguntar a ele e é claro que, se houver da parte dele algum tipo de responsabilidade, podem ter certeza que faremos esses encaminhamentos e faremos o indiciamento.
Pelo que já foi colocado na CPI até o momento, fica clara uma responsabilização do ex-presidente Jair Bolsonaro nesses atos de 8 de janeiro e quais seriam esses pontos que até agora a senhora consegue visualizar que poderiam comprometê-lo nesse sentido?
Sobre o ex-presidente da república Bolsonaro com o ato dia 8 de janeiro ou outros atos, ainda não temos substancialmente elementos que nos levam a trazer nenhuma afirmação nesse sentido. Estou protocolando um volume muito grande de quebra de sigilos, temos também uma equipe grande que vai fazer a leitura de todos esses documentos e a partir disso, naturalmente, poderemos ter elementos mais substanciais. Agora, o Brasil inteiro acompanhou quando ele questionou nas suas redes sociais o processo eleitoral. O questionamento do resultado eleitoral era o combustível que levou esse volume de pessoas às ruas e aos atos terroristas.
Qual é a expectativa da senhora em relação ao depoimento do Mauro Cid na próxima terça-feira?
Há uma expectativa grande. Todo o volume de informações que chegaram até nós estão no telefone dele. Ele tinha grupos de WhatsApp, documentos de decretação de uma GLO, ele conversava claramente com outras pessoas. Ele estava ao lado do ex-presidente da República. Então, não foi uma conversa qualquer. Ele era uma pessoa muito estratégica nesse conjunto.
Ele pode ser um dos caminhos para que a CPMI consiga chegar aos financiadores dos ataques de 8 de janeiro e dos atos anteriores?
A linha dos financiadores é uma linha que estamos levando com muita seriedade, porque ninguém faz nada daquela magnitude se não houvesse alguém que custeasse isso. Quem estava custeando não estava lá dormindo no acampamento, mas estava tendo uma contribuição direta e até mais grave porque estava escondido e não estava aparecendo.
Uma reclamação entre parlamentares é falta de mão de obra disponível no Senado para avançar nas investigações. A senhora pretende pedir apoio da Polícia Federal, da Receita Federal nos mesmos moldes que ocorreu na na CPI da covid?
Você coloca uma coisa que é importante. O Senado Federal não é uma casa de investigação, então para que a gente possa ter uma efetividade precisamos ter esses profissionais, que estão chegando. São pessoas que têm o conhecimento de fato aprofundado, uma expertise necessária.
A senhora tem sido muito atacada pela oposição, nas reuniões e nas redes sociais. A senhora acha que é mais atacada por ser uma mulher?
Eu acho que sim. Eu deixei até de acompanhar mais as redes sociais por conta do emocional, porque os ataques são muito rasteiros, acabam ofendendo de todas as formas, sua forma de agir, o seu trabalho e isso é uma coisa que às vezes, se você não tiver muito equilíbrio, acaba desequilibrando. Mas eu estou absolutamente tranquila quanto a isso. Infelizmente, a gente que é mulher sofre isso no cotidiano. Eu já sofri isso de várias formas, mas realmente eu tenho sido muito atacada, agredida. Inclusive até orientei minhas filhas a não acompanhar a rede social por este período. É algo realmente devastador em relação às mulheres brasileiras, mas a gente precisa ter muita firmeza. Eu estou muito focada, trabalhando muito, levantando muitos dados e eu acho que estamos conseguindo na verdade fazer um trabalho importante neste momento.
A senhora chegou a ser aconselhada por algumas pessoas da sua equipe a ter um reforço na segurança que a senhora não considerou necessário naquele momento. A senhora já sentiu a necessidade de em algum momento recorrer a um órgão de polícia para fazer registros desses ataques? Pensa em pedir um reforço na sua segurança?
Até o presente momento, eu decidi não buscar de uma forma mais ampla, mas estou muito antenada quanto a isso. Eu acho que é muito sério. Eu já fui atacada várias vezes em aeroportos do Brasil. É de uma forma muito terrível porque o objetivo deles é é expor, é gravar, é pegar a reação, depois transformar isso em meme, é um mundo que eles trabalham com muita intensidade. Se tiver que solicitar eu vou solicitar. Não descarto de jeito nenhum essa possibilidade, porque não podemos subestimar a maldade dessas pessoas.