O apoio dado pelo voto evangélico a Jair Bolsonaro em 2018 pode estar em risco, mas não é tarefa simples indicar para onde o grupo – formado por diversas igrejas e linhas de pensamento- irá seguir nesta eleição. Especialistas e um parlamentar da bancada evangélica debateram o tema no primeiro Congresso em Foco Talk de 2022, transmitido nesta quinta-feira (13). A mediação é de Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco.
Pesquisas mais recentes indicam que Bolsonaro, eleito com 60% do voto evangélico em 2018, pode ver sua liderança erodida pela candidatura de Lula (PT). Apesar de a maioria dos líderes evangélicos manterem seu apoio ao militar reformado, a crise econômica persistente, a pandemia de covid-19 e mesmo o comportamento do presidente podem se apresentar como complicadores para sua reeleição.
Mas isso esbarra em uma crítica antiga dos evangélicos -a de que são facilmente influenciáveis. “A comunidade evangélica não precisa de uma liderança defendendo voto, e Bolsonaro tem demonstrado muito apoio do segmento evangélico”, defendeu o deputado federal Jorielson Brito Nascimento (PL-AP), pastor e membro da bancada evangélica. Ele destacou a indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal, concretizada em dezembro do ano passado, como um ativo de Bolsonaro com o segmento.
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Questionado se o voto dos evangélicos repetirá os 60% para Bolsonaro em 2018, o parlamentar se mostrou otimista. “Em 2022 será maio que 60% sem dúvida”, concluiu.
Jacqueline Moraes Teixeira, do programa de pós-graduação em Educação da Universidade São Paulo (USP), ressaltou que o voto evangélico é muito plural, e reflete as diferentes linhas religiosas. Jacqueline apontou que, por mais que Bolsonaro ostente o apoio público de líderes proeminentes como Silas Malafaia e Edir Macedo, a mobilização e engajamento do voto evangélico passa por nomes menores e muitas vezes desconhecidos.
Publicidade“A gente está falando de pequenas igrejas, e de uma pluralidade de lideranças e pessoas que tem demonstrado sim, nas pesquisas de opinião, que estão se distanciando do apoio ao governo Bolsonaro e que estão se colocando em dúvida se seguiriam votando em Jair Messias Bolsonaro durante esta eleição”, ponderou a pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
O pesquisador Juliano Spyer disse que Bolsonaro teria o voto natural de muitos evangélicos – mesmo sendo um nome questionado, Bolsonaro seria um nome que representa mais este grupo que setores ligados à esquerda e às elites intelectuais. Por isso, se valendo de uma gíria do futebol, Bolsonaro teria o voto dos conservadores por W.O., na visão do antropólogo.
“Não acho que seja por amor ao presidente, mas concordo que o apoio venha por amor a estas causas conservadoras”, relatou Juliano, que pesquisa o tema. “À medida em que candidatos de esquerda entendam que a população evangélica é muito sensível à questão de justiça social, da fome, de maus-tratos a presidiários e dependentes químicos, estes evangélicos podem se sentir dentro da igreja aproximados a este discurso.”
Economia vs. Moral na urna
Em 2018, a moral pesou mais que a economia na hora do voto – mais um ponto que ajudou a selar a vitória bolsonarista. Com o aumento da pobreza e a diminuição da renda nos últimos anos, o tema deve ser preponderante, indicou o parlamentar. “Sem dúvida a pauta econômica vai ter um peso muito relevante nesse cenário”, comentou. “Mas o segmento evangélico não vai abrir mão, não, de continuar lutando em uma ação reativa em defesa de nossos princípios. Essa pauta não vamos deixara ficar em segundo plano.”
A bancada evangélica tem, hoje, 130 parlamentares – e Jorielson acredita que o grupo se expandirá em 2023. “O segmento evangélico é composto por cidadãos brasileiros patriotas, que defendem seus princípios e seus valores”, disse o deputado. “Nós ficamos alheios e alijados desde o descobrimento do Brasil até a declaração da República, em 1889”.
O deputado rebateu Juliano Spyer, e disse que Bolsonaro – hoje seu correligionário – não tem o apoio natural do grupo. “Nós já vimos aí o que outros governos de esquerda e extrema-esquerda trataram o povo evangélico”, conclamou. “É uma leitura que diz que não estamos vendo o que a esquerda tem preparado”.
522 anos – nenhum deles puramente laico
Em um aspecto histórico, Jacqueline Moraes Teixeira advertiu que a presença religiosa no Estado está presente desde a fundação do Brasil, em 1500: “Não tem nenhum momento na nossa história que possamos dizer ou imaginar que vivemos um momento de um estado puramente laico, preciosamente laico, onde a presença de pessoas e instituições religiosas junto ao Estado não fosse uma questão fundamental”, argumentou Jacqueline, lembrando que a primeira Constituição da República, em 1891 estabelece a cooperação com a religião.
O que se vê, argumenta a pesquisadora, é a necessidade de fiscalização pela sociedade sobre como pessoas religiosas podem atuar no Estado, de maneira que o Estado permaneça fiel ao seu objetivo de garantir a cidadania e direitos a todos o que o compõem. A presença central da igreja católica, no Brasil e em outros países da América Latina, ajudou a construir a democracia como a conhecemos hoje, ponderou a parlamentar.
Elas que estão interessadas
Demograficamente, os evangélicos se assemelham à população brasileira – logo, as mulheres são maioria no segmento. Mais de 70% dos fiéis da Universal são mulheres, indicou Jacqueline. Por isso, personagens femininas dentro do governo assumem papéis extremamente relevantes.
A pesquisadora lembrou o caso de Michelle Bolsonaro, casada com um presidente católico, ela ajudou a sedimentar o nome de Jair entre os evangélicos. E principalmente do da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que trabalha na articulação da bancada desde o início dos anos 2000.
“Com seu trabalho de tradução e de reconfiguração do que vem se construindo dentro de uma política conservadora e cristã conservadora, a Damares vem disputando o significado da ideia de direitos humanos, e de dizer o que de fato o conservadorismo cristão entende e não entende como direitos humanos”, analisou a pesquisadora.
As mulheres são também as reais aplicadoras das política pública em âmbito familiar, indicou. “É fundamental pensar políticas de manutenção e de possibilidade de existência de sua própria família. Não estou dizendo que todas as mulheres evangélicas são conservadoras – mas para todas elas, o conceito de ‘família’ é fundamental”, disse Jacequeline. Apesar disso, a bancada evangélica deverá acabar o mandato em 2022 menor do que começou, em 2019.
Veja quem integra a bancada evangélica no Congresso