Márcio Santilli *
Quando vieram a público números e imagens do genocídio contra o povo Yanomami, houve forte clamor e muitos mobilizaram-se para ajudar a estancar a tragédia o mais rápido possível. Assassinos e cúmplices retraíram-se. Por incrível que pareça, o Senado compôs, para acompanhar a crise, uma “comissão externa”, com maioria de senadores de Roraima, e favoráveis aos criminosos!
Chico Rodrigues (PSB-RR), Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e “Dr.” Hiran (PP-RR), conhecidos senadores pró-garimpo, enviaram um ofício a diversas autoridades de Brasília requerendo que os garimpeiros flagrados na Terra Indígena Yanomami não respondam a processo criminal, conforme revelou a Agência Pública. De acordo com a reportagem, o documento foi entregue ao procurador-geral da República, Augusto Aras, aos ministros José Múcio (Defesa), Flávio Dino (Justiça) e Rui Costa (Casa Civil) e aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira.
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O senador Chico Rodrigues preside a comissão. Natural de Pernambuco, fez extensa carreira política em Roraima, onde foi governador. Já foi alvo de uma operação da Polícia Federal contra o desvio de recursos públicos destinados ao combate à covid entre os Yanomami, que apreendeu dinheiro em espécie na sua cueca e uma grande pepita de ouro num cofre da sua casa.
Mecias de Jesus e Dr. Hiran são naturais do Maranhão e do Amazonas e também fazem política em Roraima. Mecias foi o responsável pela indicação dos gestores do Distrito de Saúde Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y), cuja atuação contribuiu para a situação de genocídio. Dr. Hiran é o relator da comissão e propõe pagamento de auxílio financeiro para os garimpeiros. Não fala em punir os donos de garimpos ilegais.
Cínicos e afoitos
PublicidadeO presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi avisado da gravidade de compor uma comissão só com representantes de Roraima e, ainda mais, com posições assumidas pró-garimpo. Fez-se de surpreso quando confrontado com a parcialidade do colegiado, mas se dispôs a incluir nela os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Eliziane Gama (PSD-MA), o que atenua, mas não reverte aquela tendência.
Pacheco quis ficar bem com os seus colegas de Roraima, mas deixou o Senado muito mal na fita. A repercussão da composição da comissão foi a pior possível. Além da notória falta de isenção, veio à tona toda a sujeira pregressa. Em vez de contribuir para estancar a crise, o Senado entrou pela contramão, como copromotor da situação.
Ungido como presidente por Pacheco, Rodrigues não perdeu tempo. Nem reuniu a comissão para discutir e aprovar um plano de trabalho, como exige o regimento do Senado. Recorreu ao apoio logístico da FAB e foi, sozinho, visitar a área.
Representantes dos Yanomami repudiaram a visita e a composição da comissão. Rodrigues aterrissou na base de Surucucu, não foi recebido pela comunidade e limitou-se a visitar o batalhão do Exército. Depois, sobrevoou áreas devastadas pelo garimpo e, ao chegar em Boa Vista, declarou que estava “tudo tranquilo” e que o território já estava praticamente vazio.
Na mesma semana, a base de fiscalização instalada pelos órgãos federais no Rio Uraricoera, que dá acesso à Terra Yanomami, foi atacada por um comboio armado de garimpeiros, que tentava evadir-se com um carregamento de cassiterita. Um dos garimpeiros foi ferido e preso. Os demais fugiram. Nem tudo está tranquilo.
Responsabilidades institucionais
Mecias e Hiran estão na moita, deixando Rodrigues como alvo central das críticas generalizadas à comissão. Eliziane e Humberto estão indignados com a afoiteza mais do que suspeita de Rodrigues e foram reclamar com Pacheco, que, a essa altura, já deve ter percebido a fria em que meteu o Senado.
O presidente da casa precisa tomar alguma providência. Se deixar rolar, vai se arrepender. É mais do que previsível um relatório cheio de benevolências para os garimpeiros e sem qualquer responsabilização pelo genocídio. Organizações civis pedem a recomposição da comissão. Pacheco vai tentar cercar o relator. O Senado está virando pau de galinheiro.
A situação também está péssima para o PSB, que acabou de acolher Chico Rodrigues entre os seus filiados. Talvez não se possa esperar que todos os “socialistas” sejam socialistas, mas, assim, já é demais. O partido tem uma história e um papel na reconstrução do país. E Rodrigues já não tem como reinventar a própria história.
* Márcio Santilli é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996.
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