Entre a última segunda (9) e esta sexta-feira (13), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), priorizou a discussão em plenário de projetos voltados à área de segurança pública. A pauta incluiu majoritariamente projetos de interesse da Bancada da Bala, que conseguiu emplacar itens de efeito sistêmico em matérias como recrudescimento da lei penal e redução no controle de armas.
A maioria dos projetos na semana de segurança pública tratam de questões consensuais entre diferentes correntes do Congresso, como o aumento da pena para o roubo de fiação elétrica, a obrigatoriedade do fornecimento de apoio psicológico em unidades de forças policiais e a qualificação no código penal do gerontocídio, condição em que idosos são assassinados em função da idade.
Dentro do pacote, porém, membros da Bancada da Bala, oficialmente chamada Frente Parlamentar da Segurança Pública, conseguiram inserir suas bandeiras dentro de projetos que, originalmente, não atendiam a interesses específicos. “Embora alguns projetos positivos tenham sido aprovados, o saldo geral é negativo. Muitos projetos refletem uma abordagem populista, onde o discurso sobre segurança pública é utilizado para atrair visibilidade e atenção pública, sem, contudo, atacar os problemas reais de insegurança no país”, avaliou a gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, Nathalie Drumond.
O principal projeto a passar por esse processo foi o PL 9433/2017, vindo do Senado. Seu texto original alterava o Estatuto do Desarmamento apenas para alterar o destino das armas apreendidas pelas forças de segurança: ao invés de serem destruídas, poderiam ser doadas às forças armadas ou auxiliares caso se interessassem após a conclusão do processo penal.
Ao passar pela Comissão de Segurança Pública, o texto recebeu múltiplas emendas interferindo em outros aspectos do Estatuto do Desarmamento: o relatório que saiu do colegiado chegou a abrir a possibilidade de pessoas investigadas por agressão doméstica permanecerem com o direito ao porte e posse.
Chegando ao plenário, o texto ficou sob relatoria do deputado Ismael Alexandrino (PSD-GO), principal ponte entre o governo e a Bancada da Bala. Ele acatou parte dos pedidos de parlamentares do campo progressista para retirar as emendas vindas da comissão, mas manteve mudanças intensas ao Estatuto do Desarmamento: o projeto retira a necessidade do solicitante precisar justificar a necessidade do porte de armas, e expandiu para cinco anos o prazo para reavaliação técnica e psicológica.
Além de mudar os requisitos para a aquisição de armas, o projeto concedeu anistia aos portadores de armas sem registro ou com registro vencido, que em um ano após a publicação da lei poderão regulamentar a situação, sem sequer precisarem das notas fiscais. O texto foi aprovado com aval do governo sem o compromisso pela sanção presidencial, e segue ao Senado para revisão final.
A mesma estratégia foi adotada para aprovar uma antiga bandeira da frente parlamentar: a castração química para pessoas condenadas por estupro de vulnerável e outros crimes relacionados à pedofilia, que foi incluída no PL 2976/2020.
O texto original previa a elaboração de um cadastro de pessoas condenadas aos crimes relacionados à prática de pedofilia, listados no Estatuto da Criança e do Adolescente, implementando um sistema semelhante à lista nacional de agressores sexuais, adotada nos Estados Unidos. Pouco antes da votação, na quarta (11), o deputado Ricardo Salles (Novo-SP) incluiu uma emenda para que as condenações também resultassem na obrigatoriedade da castração química, a ser realizada utilizando inibidores de libido.
A mudança repentina criou atrito entre deputados, e a votação foi adiada pela quinta. A emenda foi destacada, e os dois mecanismos foram separados: o cadastro de pedófilos foi aprovado de forma unânime, enquanto que a castração química passou, mas com orientação contrária do governo, PSB e Federação Psol-Rede (Confira votos aqui). O projeto segue ao Senado.
O projeto ganhou força diante da retórica de que, com a castração química, seria possível inibir o estupro de vulneráveis e impedir a reincidência. Nathalie Drumond alerta que, na prática, não é esse o efeito alcançado. “Pesquisas e dados mostram que o aumento de penas, a criação de novos tipos penais ou o endurecimento das punições raramente inibem a prática de crimes. O combate efetivo ao abuso sexual de crianças e adolescentes passa pela prevenção, com a criação de redes de proteção à infância, acesso à informação e educação para conscientizar crianças, adolescentes e famílias sobre assédio e abuso sexual”, apontou.
Ainda na pauta do endurecimento de penas, a Câmara também aprovou o PL 714/2023, que proíbe o Judiciário de conceder liberdade provisória em diversas ocasiões após a audiência de custódia quando o réu for reincidente, portador ilegal de arma de fogo, flagrado praticando tráfico de drogas qualificado, ou quando já ter recebido liberdade provisória anteriormente. Ao contrário dos projetos citados anteriores, porém, este se manteve fiel à proposta original, e foi aprovado com aval de todos os partidos com exceção da federação Psol-Rede.
Retaliação à PEC da Segurança Pública
Um dos itens aprovados, o PL 4120/2024, de autoria do próprio presidente da Bancada da Bala, Alberto Fraga (PL-DF), e do ex-secretário de Segurança Pública de Alagoas, Alfredo Gaspar (União-AL), foi uma resposta direta do grupo à PEC da Segurança Pública, apresentada pelo Ministério da Justiça para fortalecer o combate ao crime organizado.
A proposta do governo prevê a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública, aumentando o grau de prioridade à sua implementação. Ele também transforma a Polícia Rodoviária Federal em uma Polícia Ostensiva Federal, podendo auxiliar as polícias militares dos estados em todas as formas ao alcance, não havendo mais limitações a respeito do modal de transporte utilizado. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, chegou a anunciar que também pretende equipar a nova força para que atue em portos e hidrovias.
Um aspecto da PEC, porém, entra em atrito direto com a Bancada da Bala, que é a unificação das bases de dados de segurança pública de todos os entes federativos e o aumento da participação da União na elaboração de estratégias para combater facções criminosas. A proposta foi recebida com hostilidade pela frente parlamentar, com seu núcleo formado majoritariamente por membros de forças policiais estaduais.
Em seu lugar, Alberto Fraga e Alfredo Gaspar apresentaram o projeto que segue na direção contrária: estabelece uma associação interfederativa de enfrentamento ao crime organizado transnacional, onde decisões sobre o tema seriam submetidos à votação entre representantes dos estados, DF e União, esta última equivalente a 49% dos votos. O texto ainda cria um excludente de ilicitude para que agentes infiltrados em facções possam cometer crimes para preservar o disfarce.
O texto, que segue ao Senado, conta com parecer contrário por parte do Ministério da Justiça, que ao mesmo tempo alega inconstitucionalidade ao interferir em competências da União na área de segurança pública e teme o impacto do excludente de ilicitude, que pode facilitar arbitrariedades por parte de agentes de polícia.
Avanço no combate ao crime organizado
Um projeto potencialmente significativo no combate ao crime organizado ganhou apoio mútuo entre parlamentares de diversos espectros políticos na semana de votações: o PL 6149/2023, apresentado pelo deputado governista Gervásio Maia (PSB-PB) e relatado pelo deputado Delegado da Cunha (PP/SP), membro da Bancada da Bala.
A premissa do texto é criar um cadastro nacional de facções criminosas, uma base de dados interfederativa disponível a todos os agentes públicos de segurança contendo os nomes das organizações, crimes cometidos, áreas de atuação, informações de seus membros com condenações transitadas em julgado, dentre outras informações de inteligência.
O projeto ganhou o apoio da federação Psol-Rede após a inclusão de uma emenda apresentada pelo deputado Henrique Vieira (Psol-RJ) que inclui informações sobre milícias e narcomilícias no cadastro. Com isso, foi aprovado de forma unânime em modalidade simbólica, quando os líderes partidários votam em nome de suas bancadas.