por Luciana Moscardi Grillo*, Rodrigo Frota da Silveira** e Rodrigo Spada***
A reforma do sistema tributário sobre o consumo no Brasil tem potencial para produzir um dos modelos de tributação pelo valor agregado mais modernos do mundo. Com operações negociais integralmente lastreadas por documentação fiscal eletrônica, estão sendo debatidas soluções tecnológicas ambiciosas que, ao tempo em que garantirão higidez e eficácia às administrações tributárias, permitirão que empresas e sociedade experimentem um sistema significativamente mais simples e transparente.
Nesse contexto figuram conceitos de split payment e smart pix, enquanto protocolos que, sem intervenção nos modelos de negócio, contribuirão para a neutralidade do sistema, não somente por regular a vinculação de créditos tributários ao efetivo pagamento, mas por permitir o ressarcimento de crédito não utilizado em prazo exíguo, via transferência pix automatizada, diretamente à conta bancária do contribuinte. Fazem parte desse cenário, ainda, declarações pré-preenchidas e a eliminação de obrigações acessórias que oneram os custos de conformidade.
No entanto, por se tratar de uma reforma ampla e estrutural, a legislação que institui o novo imposto e a Contribuição sobre Bens e Serviços cuida de uma imensa massa de detalhes, que constituem os quase 500 artigos do projeto de Lei Complementar n. 68/2024, agora na versão do substitutivo apresentado pelos grupos de trabalho da Câmara dos Deputados.
E o diabo mora justo nos detalhes.
Um dos dispositivos alterados pela comissão foi o artigo 330, que, na redação do substitutivo do PLP 68/24, representa um grande passo atrás ao inviabilizar a comunicação de atos por via eletrônica (DTE), substituindo-a por cartas com aviso de recebimento, entregues por correio.
O domicílio tributário eletrônico facilita a comunicação entre administrações tributárias e contribuintes e seus representantes, tornando-a célere e padronizada. É uma ferramenta moderna e eficaz, reconhecida entre as melhores práticas, e amplamente disseminada e reconhecida pela jurisprudência. O modelo prevê um prazo para ciência voluntária, em que o próprio contribuinte acessa o DTE e, após este prazo, considera ter havido ciência tácita pelas partes.
Sua utilização, que é massiva e vem de longa data, tanto na comunicação entre administrações tributárias e empresas do Simples Nacional, conforme previsto na LC 123, de 2006, como na comunicação de atos, no curso de processos judiciais em geral, agora está prestes a ser inviabilizada para comunicações entre administrações tributárias e contribuintes do IBS e CBS, por ter sido desenhado às avessas. Basta que o destinatário não leia a mensagem, para que a notificação eletrônica seja nula, exigindo comunicação via carta em papel.
A redação da parte final do parágrafo 2° do artigo 330 torna letra morta o domicílio tributário eletrônico, em aparente afronta, inclusive, à jurisprudência consolidada que o validou. De outro lado, condena contribuintes de IBS e CBS ao uso de um modelo de comunicação retrógrado, lento, ineficiente e muito mais custoso, na contramão das propostas essenciais da reforma.
É legítima a preocupação do legislador quando o destinatário da comunicação é pessoa física, ou contribuinte eventual do tributo. Mas a proteção de alguns não pode resultar em uma norma que trata a todos da mesma forma, impondo longos prazos de duração de procedimentos e processos, e perdas generalizadas para a sociedade, com potencial redução da arrecadação corrente de IBS e CBS, e reflexos diretos no aumento da alíquota de referência.
Há meios eficazes de aprimoramento da proposta que podem contribuir para a perfeita cognição dos atos administrativos por todos os possíveis destinatários, sem alijar soluções práticas já perpetradas em âmbito processual. A busca por uma legislação tributária igualmente moderna e justa sugere a conveniência da revisão do texto proposto, segregando contribuintes regulares e representantes legais com credenciamento em conselhos próprios, de outros tipos de destinatários, como contribuintes eventuais, cujo nível de acesso ao DTE possa comprometer o direito à plena ciência dos atos administrativos. Afinal, a equidade cuida exatamente em conferir tratamento desigual para garantir efetiva igualdade.
Há que se atentar ao momento histórico sendo construído, e não facultar ao diabo alojar-se em detalhes que impeçam o Brasil de conceber um novo sistema tributário com toda a grandeza que nosso ferramental tecnológico permite e que nossa sociedade espera e merece.
* Luciana Moscardi Grillo é auditora fiscal do estado de São Paulo, membro da Comissão Técnica da Febrafite e diretora jurídica da Afresp e máster en Internacional en Hacienda Pública, Dirección y Administración Tributaria pela Universidad Nacional de Educación a Distancia de Madrid.
** Rodrigo Frota da Silveira é auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo. Graduado em administração e direito, mestre pela FEA-USP, especialista em Política e Técnica Tributária pelo CIAT, membro do Comitê Técnico da Febrafite, pesquisador do NEF FGV-SP e professor.
*** Rodrigo Spada é auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo). Formado em Engenharia de Produção pela UFSCar e em Direito pela Unesp, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA.
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