Qualquer mudança no sistema tributário embute um conflito distributivo entre segmentos sociais, econômicos e esferas de governo. Uns perdem, outros ganham.
O ideal seria que Adão e Eva, nas origens do mundo, desenhassem o futuro sistema tributário ideal, justo e eficiente. Ainda assim, a serpente poderia atrapalhar. O desafio de promover uma reforma tributária em uma economia em pleno funcionamento assemelha-se a tarefa de mudar o pneu da bicicleta com ela andando.
No discurso, todos são a favor da reforma tributária já que o nosso sistema é reconhecidamente um dos piores do mundo: a carga de quase 34% é alta, o sistema pune os mais pobres e a burocracia e os conflitos jurídicos atazanam a vida dos empreendedores. Conclusão óbvia: precisamos mudar!
A carga tributária é a materialização do poder do Estado de extrair compulsoriamente uma parte da renda gerada pela população. Na Dinamarca e França, são 46% do PIB. Na Suécia, 44%. Na Itália e Bélgica, 43%. Aqui são 34%. O mesmo que Reino Unido e Portugal. Nos EUA, a carga é menor, 27%. Tudo é relativo. Depende do modelo de intervenção do Estado, da avaliação social sobre o retorno e das decisões democráticas sobre tributação. A percepção majoritária no Brasil é que é muito imposto para pouco retorno, apesar de termos SUS, Bolsa Família, BPC, Previdência Social robusta e educação pública gratuita.
Na justiça social, reside o pior problema. Diferente dos países desenvolvidos que têm seus sistemas ancorados nos impostos sobre a renda e o patrimônio, onde é possível os ricos pagarem mais que os pobres, aqui temos o centro da tributação nos impostos sobre o consumo, onde os impostos não distinguem pobres e ricos, e se opera o Robin Hood às avessas.
No aspecto da complexidade, disfuncionalidade e insegurança jurídica, basta ver que o nosso contencioso tributário em discussão equivale a 75% do PIB e nos EUA a menos que 1%. Um dirigente de uma grande empresa multinacional me disse, certa vez, que faturavam mais no México do que no Brasil, no entanto, lá tinham 5 advogados, aqui 50 profissionais.
O relator da reforma tributária, o experiente deputado Aguinaldo Ribeiro, apresentou o projeto detalhado nesta semana. O centro é a criação do IVA brasileiro, substituindo 5 impostos sobre consumo. Não se propõe mexer na tributação da renda e do patrimônio. E é aí que começa a encrenca. No detalhe e no conflito de interesses. Não é possível fazer omelete sem quebrar os ovos. E é dificílimo produzir uma reforma absolutamente neutra do ponto de vista distributivo.
O relator garante que não haverá aumento da carga tributária. A sociedade olha desconfiada. Os prefeitos das grandes cidades não querem perder o ISS. Os governadores acusam perdas significativas de receitas e poder. Os setores de serviço e do agronegócio propalam aumento astronômico de carga tributária setorial. Alíquota única como IVAs criados mais recentemente ou alíquotas diferenciadas como na Europa? Favorecer os pobres já na tributação ou depois, na priorização das despesas orçamentárias?
São questões complexas e ninguém quer trocar sacrifício presente por suposto benefício futuro. Mas, precisamos ter claro: a mudança é necessária. Da capacidade de negociação e diálogo dependerá o sucesso ou o fracasso da imprescindível e inadiável reforma tributária.
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