A semana que se inicia é a penúltima prevista no cronograma da primeira etapa da reforma tributária, que é debatida na Câmara dos Deputados desde o início de março. Essa etapa, que deve ser concluída no próximo dia 6, encerra-se com a elaboração de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que unifica todos os impostos sobre o consumo na forma de um único tributo. Apesar do relatório não estar pronto, o grupo de trabalho encarregado já criou consenso sobre os principais aspectos do texto.
A reforma tributária é uma pauta antiga no Congresso Nacional, que tentou avançar na legislatura anterior. Uma comissão mista foi criada em 2020 para desenhar o novo modelo, mas o trabalho não prosperou. Em maio de 2021, o colegiado foi extinto sem aprovar um relatório, e a reforma ficou engavetada. Este ano, já sob o governo Lula, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu retomar o esforço por meio de um grupo de trabalho de 12 deputados presidido por Reginaldo Lopes (PT-MG).
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Único imposto, duas gestões
A reforma tributária é dividida em duas etapas, que serão votadas separadamente. A primeira, que se encerra na próxima semana e deverá ser votada ainda no primeiro semestre, trata da tributação sobre o consumo: os impostos contidos nos preços de produtos e serviços ofertados no mercado. No segundo semestre, o grupo fará um outro projeto para tratar de impostos fixos, como os que incidem sobre a renda e sobre a bolsa de valores.
Para a primeira etapa, o grupo planeja extinguir os atuais ICMS, ISS, PIS, IPI e Cofins. Em seu lugar, será criado um único tributo, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Não se trata de um modelo novo, mas de um sistema que já é aplicado na maior parte do mundo. União Europeia, Argentina, Canadá e diversos outros países já adotaram reformas desse tipo.
A grande discussão que tomou conta dos primeiros meses de debate da reforma foi sobre qual modelo do IVA adotar. Parte do grupo defendia o IVA único: um imposto único com parcelas divididas para distribuição entre União, estados e municípios, mas com uma gestão unificada sobre as suas alíquotas. O outro modelo é o IVA dual, que prevê um único imposto para o consumidor, mas com uma gestão dividida: a parcela equivalente ao PIS, Cofins e IPI passa a ser gerida pela União, enquanto a parcela equivalente ao ISS e ICMS fica sob gestão dos entes federados.
O deputado Saullo Vianna (União-AM), titular do grupo de trabalho, relata que a tendência no grupo é pela adoção do IVA dual. “De tudo que a gente discutiu, a conclusão foi de que o modelo seria um imposto único. Mas existe uma incerteza dos entes federados sobre a arrecadação e distribuição desses recursos. Por isso, a construção é de um consenso sobre um IVA dual”, explicou.
PublicidadeCashback e isenções
Uma das principais novidades do IVA, caso aprovado, é o sistema de devolução de impostos, semelhante a um cashback. Essa devolução será sobre a compra de determinados bens de primeira necessidade, em especial os alimentos que compõem a cesta básica. O imposto passa a incidir sobre a compra, mas seu valor será devolvido aos consumidores de menor poder aquisitivo.
O principal objetivo da implementação desse sistema é garantir que o imposto possa funcionar de forma progressiva, incidindo mais sobre os mais ricos e menos sobre os mais pobres.
O IVA também passa a ter suas isenções tributárias pré-definidas, visando, de acordo com o relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), a “construir um regime de regras, e não de exceção”. Saullo Vianna conta que já existem consensos com relação à criação de alíquotas diferenciadas em diversos setores, como educação, saúde, transporte público e agronegócio.
Existe, porém, uma pendência a respeito de como será feita a substituição do IPI, imposto que incide sobre os produtos industrializados produzidos fora da Zona Franca de Manaus (ZFM). “Existe um acordo com o governo, por meio do secretário-executivo da Reforma Tributária, Bernard Appy, para que ele apresentasse um texto que mostrasse como manter os incentivos da ZFM. Na quarta-feira (24), ele antecipou que a única informação que resta para elaborar esse texto seria a relação da Receita Federal sobre quais produtos são produzidos lá”, ressaltou.
A questão da ZFM é um aspecto inevitável para que o projeto possa avançar. Além do incentivo fiscal ser previsto na Constituição, trata-se de um tópico de forte interesse da bancada amazonense. Apesar do estado ter poucos deputados no plenário, o Amazonas conta com um quarto membros do grupo de trabalho da reforma.
Igualdade social
Além de implementar o sistema de cashback, a reforma tributária implementa um segundo mecanismo de promoção da igualdade social: a unificação das alíquotas sobre bens e serviços, atualmente cobradas separadamente na forma do ICMS e do ISS. Com essa unificação, os serviços tendem a ficar mais caros, enquanto bens de consumo ficam mais baratos.
O parlamentar explicita que essa escolha pela alíquota única não se deu por acaso. “Hoje a igualdade social está inserida dentro do sistema tributário. A grande maioria do setor de serviços conta hoje com uma carga tributária muito menor. Já sobre os produtos, essa carga é maior. Só que no Brasil quem consome serviços é a parte da população com maior poder aquisitivo, enquanto que todos consomem produtos. A reforma tributária enfrenta esse aspecto da desigualdade social”, descreveu.
O grupo ainda planeja, na segunda etapa da reforma, trabalhar em novos mecanismos para acrescentar esse conceito dentro da tributação sobre a renda.
Prazos e votação
A primeira etapa da reforma tributária estava originalmente prevista para conclusão no último dia 16, quando seria apresentado o relatório final e este estaria disponível para deliberação no plenário da Câmara. O prazo, porém, foi prorrogado em 20 dias. Reginaldo Lopes, na época, contou ao Congresso em Foco que a decisão foi decorrente da expansão dos debates ao longo da elaboração do relatório, além da necessidade de articular junto aos estados e municípios.
Lopes também chamou a atenção para o interesse de Arthur Lira na votação célere da reforma, chegando a receber o anúncio de que o recesso legislativo não aconteceria sem antes votar a reforma. Saullo Vianna confirmou o plano do presidente, e considera plausível a possibilidade de cumprimento do novo prazo.
“O governo tem isso como prioridade, Lira já disse que tem isso como prioridade. Está sendo feito um grande trabalho ao redor dessa reforma, e apesar de desentendimentos sobre como deve ser, é consenso na Câmara que nós precisamos com urgência de uma reforma tributária”, avalia.