A pergunta não é retórica. E merece ser respondida antes que o país continue na sua fúria legiferante.
O Brasil é o país com maior número de leis educacionais no mundo. De acordo com o Ipae (Instituto de Planejamento e Administração Educacional), além da Constituição, há 8 emendas constitucionais, 159 leis e decretos-lei, mais de 540 leis estaduais e cerca de 27.000 leis municipais de educação. Se a criação de leis impactasse a qualidade da educação, a nossa certamente seria muito melhor do que é.
Por que, então, falar na criação de mais leis?
Desde o século 19, quando começou a organizar a educação em seu território, o país convive sem um sistema nacional de educação. A maior parte do que conquistamos se deu como fruto de pressão e ação local – foram poucas as iniciativas eficazes originadas do governo central, quase sempre restritas às escolas da rede federal.
Nos países federativos, em geral, o governo central limita sua ação a alguns poucos temas: estabelecer padrões de qualidade, monitorar por meio de estatísticas e avaliações, promover a inovação e, eventualmente, estabelecer regras de financiamento e mecanismos para a redução de desigualdades. E, com baixos e altos, a educação funciona nos países em que os governos funcionam. Nos países centralizados há mais uniformidade nos resultados dos alunos; nos federativos, mais desigualdade.
Em nenhum caso, no entanto, existe a figura de um “sistema” tal como proposto nas diversas versões dos PLs e PLPs que circulam no Congresso Nacional brasileiro.
Os argumentos apresentados pelos seus apoiadores até aqui se baseiam simplesmente no fato de que isso está previsto em lei. O debate ainda não apontou qualquer lacuna, necessidade ou “dor” que pudesse ser remediada com a criação de um “sistema”. O que há de mais relevante, portanto, não são as atribuições de um conselho ou a sua forma de organização. A questão central que o Congresso Nacional deveria estar empenhado em responder é: o que, na legislação brasileira, impede ou limita a ação dos entes federados? E como a criação de um Sistema Nacional de Educação resolveria essa situação?
Na saúde, por exemplo, há uma resposta lógica. A ação de cada ente federado exige, no mínimo, troca de informações sobre um mesmo paciente – por vezes, em tempo real. O acesso aos protocolos é essencial para todos os níveis de atendimento e em casos de controles epidemiológicos e de vacinações. Ou no transporte de um paciente, pelo município, para um hospital estadual ou federal.
O mesmo vale para a segurança pública. A coordenação de informações e de ações é imperativa tanto para prevenir quanto para intervir em eventos que envolvem responsabilidades dos diferentes níveis e atores da federação. Já na assistência social, há muitos programas federais administrados pelos estados ou municípios que funcionam em regime de colaboração ou convênios – com regras comuns valendo para todo o país – sem que haja a necessidade de criar conselhos ou sistemas para lidar com cada decisão ou benefício.
Na educação, a situação é diferente. Cada esfera tem sua ação bem delimitada. É verdade que, por vezes, há superposição. Por exemplo, existem municípios que abrigam escolas federais, estaduais e municipais. No caso das instituições federais, a sua criação quase sempre se dá por pressões e barganhas com a política local. São raríssimos os casos em que elas resultam de planos ou critérios estabelecidos pelo governo federal e, muito menos, pelos governos locais.
No caso da municipalização, o tema pode ser destrinchado de diferentes formas e com maior ou menor grau de iniciativa ou indução do governo estadual – como ocorreu nos estados do Ceará, mas não do Maranhão. A quase municipalização das séries iniciais em boa parte do país se deu mais por conta da redução demográfica do que por iniciativa dos governos municipais ou estaduais. E onde ela não se deu de forma mais vigorosa, como nos casos de Minas Gerais e São Paulo, foi por falta de vontade política dos respectivos governos estaduais. Nada disso exigiu ou exige a operação de um complexo sistema nacional. Isso vale também para as regras de repartição dos recursos do Fundeb.
Antes de prosseguir com as discussões sobre a criação do tal sistema, cabe aos defensores da ideia responder: o que um governo municipal, estadual ou federal está impedido de fazer que dependa de autorização de outro? O que o impede um ente federado de se articular com esse outro ente?
Ou, perguntando de forma ainda mais simples: que problemas ou entraves a criação de um Sistema Nacional de Educação ajudaria a resolver? Responder com clareza e objetividade a essa questão nos ajudaria a sair do diabólico círculo vicioso em que nos enveredamos, criando leis pelo simples fato de haver uma lei que preconiza a aprovação de novas leis.
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