A Câmara dos Deputados analisa um projeto para alterar o ensino médio brasileiro, mas encontra dificuldades em avançar por resistência entre governistas. O parecer do relator, deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), ao PL 5.230 de 2023 não é consenso entre especialistas da área de educação.
O PL foi proposto pelo governo Lula (PT) com o retorno das 2.400 horas de ensino básico, a Formação Geral Básica (FGB). A reforma do Ensino Médio realizada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) diminuiu essas horas para 1.800.
Mendonça Filho, porém, escolheu um meio-termo de 2.100 horas para a FGB. Para o deputado, os resultados educacionais brasileiros anteriores ao Novo Ensino Médio de Bolsonaro já indicavam problemas na qualidade da educação.
“Sabemos todas as dificuldades que professores, pais, mães, os próprios alunos, toda a comunidade escolar vivencia, mas precisamos dar a devida atenção a essa catástrofe de aprendizado no nosso País”, diz o relatório do deputado. “Será que um currículo de ensino médio engessado, com 2.400 horas mínimas de uma formação geral com treze disciplinas resolverá esse problema?”
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Leia aqui o relatório do PL do Ensino Médio.
Ex-ministro da Educação do governo Michel Temer (MDB), Mendonça Filho ficou com a relatoria do PL do Ensino Médio na Câmara. A escolha foi criticada por deputados da base do governo Lula, segundo apurou o Congresso em Foco, pelo seu baixo alinhamento com a gestão petista.
O ministro da Educação, Camilo Santana, critica a diminuição das horas propostas. Para ele, ofertar horas de ensino técnico não deve implicar na diminuição da carga para o ensino básico.
“O total de 2400 horas para a Formação Geral Básica é pleito legítimo de estudantes e professores. Reduzir e equacionar os itinerários são caminhos importantes para garantia de igualdade”, afirmou o ministro em seu perfil do X (ex-Twitter). “É diante disso que o MEC se coloca contrário a qualquer desenho curricular que potencialmente fragmente e amplie as já tão contundentes desigualdades na última etapa da educação básica”.
Um argumento de deputados, no entanto, é que o relatório de Mendonça Filho dá ao MEC o poder de definir como serão os itinerários formativos – a parte na qual cada aluno poderá escolher qual área do conhecimento quer aprofundar em seus estudos durante o Ensino Médio. As diretrizes nacionais devem ser definidas pelo ministério para todas as escolas brasileiras.
No modelo atual, não há diretriz clara sobre essa parte do ensino. Já com o relatório, por uma emenda do deputado Rafael Brito (MDB-AL), os itinerários precisam se guiar pelas áreas do conhecimento. Mendonça Filho incluiu o MEC como o indicador das diretrizes.
Especialistas divididos
O relatório de Mendonça Filho foi recebido de diferentes formas por especialistas da área de educação. Apesar das críticas do MEC, a ONG Todos Pela Educação afirma que o parecer trouxe avanços em relação ao projeto enviado inicialmente pelo governo.
“Importante destacar que o Substitutivo não representa retorno à lei da reforma aprovada em 2017 e que, mesmo havendo margem para aperfeiçoamentos nessa reta final, o texto já sinaliza para uma versão aprimorada do Novo Ensino Médio quando comparada com a proposta original”, diz análise técnica divulgada pela ONG.
Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, critica o texto de Mendonça por permitir que das 2.100 horas de ensino básico 300 horas possam ser direcionadas para a formação técnica. Elevando de 900 para 1.200 horas a formação técnica.
“Isso significa 3 horas ou 3,5 horas de Formação Geral Básica para os estudantes de escolas públicas, porque as escolas privadas permanecerão com 4 ou 5 horas de Formação Geral Básica. Nesse momento, só o Brasil dá tão pouco de formação científica, humanística, artística e física aos seus estudantes”, diz Cara.
Já Cláudia Costin, presidente do Instituto Singularidades, de formação de professores, e ex-diretora para Educação do Banco Mundial, considera que o texto atual é “positivo” para avançar em alterações no ensino brasileiro.
“É importante lembrar que nós tínhamos um Ensino Médio diferente de todos os países que tem bons sistemas educacionais até 2017”, disse Costin. Para ela, o modelo sem o aprofundamento de áreas específicas fazia com que os estudantes tivessem acesso a informações superficiais de cada tema, mas a falta de diretrizes do Novo Ensino Médio também precisava de alterações.
“O governo federal agiu bem em querer dar um freio de arrumação”, disse Costin. “Eu acho que aperfeiçoamentos precisam acontecer, mas eu acho que o Mendonça Filho não voltou ao que era o Novo Ensino Médio, mas 2.100 já é bem mais razoável. O aluno vai poder escolher a área de aprofundamento e não se inviabiliza o ensino técnico”.
Para ela, o MEC ficar com a definição de como serão os itinerários formativos é algo que faz sentido na organização nacional da educação. No entanto, para Cara, não há confiança dos trabalhadores da educação básica no ministério sobre o tema.
“De qualquer modo, a Formação Geral Básica não pode ser subtraída em nome dos itinerários formativos, mesmo que o poder de indicá-los fique com o MEC”, afirma o professor.
Além disso, para ele, o problema da educação não era um sistema de 2.400 horas para um ensino básico que inclui mais de dez matérias, mas estrutural e que poderia ser resolvido pelo MEC, assim como poderia ter sido por Mendonça Filho na época em que ele ocupou a pasta. E, segundo Cara, esse problema estrutural pode até mesmo impedir que todos os alunos tenham acesso a todos os itinerários formativos.
“O problema da educação não eram as 2400 horas, não se trata de um problema curricular, mas de valorização docente, infraestrutura curricular, metodologia de ensino”, diz Cara.
Ainda que com necessidade de aprimoramento, Costin afirma que as mudanças estudadas pela Câmara abre caminho para a discussão de uma medida que pode aumentar de forma significativa a educação brasileira: o ensino em tempo integral. Para ela, a bolsa para a permanência de estudantes no Ensino Médio, sancionada pelo governo Lula, já é um avanço nesse sentido.