Diante do relatório da Operação Política Supervisionada (OPS) que indicou brechas na prestação de contas de senadores quanto às leis de Transparência e de Acesso à Informação para ressarcimento de combustível com verba indenizatória, os parlamentares negaram irregularidades. Alguns deles, porém, se comprometeram a adotar práticas que permitam maior transparência, como a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) e o senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).
“Embora o Senado exija apenas a apresentação da ‘nota fiscal ou nota fiscal eletrônica ou cupom fiscal origina’ para o reembolso, a partir de agora enviaremos o detalhamento da quantidade de abastecimentos e respectivos valores constantes em cada nota”, afirmou a senadora Gabrilli.
Sobre as notas com altas quantidades de combustíveis apresentadas por seu gabinete, a parlamentar informou, por nota, que elas foram emitidas pelo posto próximo à casa dela, em São Paulo. “O posto emite uma nota a cada 15 dias. Por isso, quando o veículo é abastecido mais do que uma vez na mesma quinzena, os valores são mais altos, embora apareçam na mesma fatura emitida pelo posto.”
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Enquanto isso, o senador Rodrigo Cunha, listado pela ausência de identificação do consumidor nas notas, afirmou que cumpre “com rigor todas as normativas para o uso probo e transparente dos recursos da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar dos Senadores – CEAPS”.
Rodrigo Cunha também afirmou que falta no próprio sistema “uma janela específica para inserção de dados de identificação de servidor público do Senado”, como existe nos casos de despesas com hospedagens e passagens aéreas. “O gabinete do senador reforça seu compromisso com a transparência total de seu mandato e informa que vai requerer à Mesa Diretora do Senado Federal que aperfeiçoe o sistema administrativo on line da Casa, com urgência, para que estes formulários sejam atualizados e para que as informações fiquem integralmente ao pleno alcance da sociedade alagoana e brasileira”, disse o senador por meio da assessoria.
A força-tarefa batizada de Operação Tanque Furado, da OPS, analisou notas fiscais de valor igual ou superior a R$ 500 entregues pelos parlamentares em 2019 e 2020 ao Serviço de Gestão da Ceaps, departamento do Senado responsável por autorizar o reembolso da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar dos Senadores (Ceaps). O resultado foi compilado em relatório ao qual o Congresso em Foco teve acesso com exclusividade.
PublicidadePor mês, cada senador tem direito a uma cota que varia de R$ 21 mil a R$ 44,2 mil, dependendo do estado. Nos dois anos analisados pelo OPS os senadores brasileiros gastaram um total de R$ 2,7 milhões com combustíveis
Responsabilidade do Senado
De acordo com o relatório da Operação Tanque Furado, dentre os casos que causam estranheza estão abastecimentos vultosos e notas fiscais eletrônicas ao consumidor (NFC-e) sem identificação do consumidor ou emitidas em nome de consumidores que não fazem parte do gabinete parlamentar, ou ainda, em nome de empresas.
A reportagem entrou em contato com as assessorias de todos os senadores citados no relatório do instituto e eles afirmaram que os pedidos de ressarcimento foram acatados pelo Senado, indicando coerência com os protocolos da casa e o cumprimento das normas.
A maioria dos senadores, no entanto, resumiu-se a dizer que cumpriu o que diz o ato da Primeira-Secretaria sobre as normas para pedido de ressarcimento. Neste sentido, Chico Rodrigues (DEM-RR) afirmou que “a inserção de documentos referenciados nas notas fiscais apresentadas junto à Receita é de responsabilidade do agente emissor da nota” e que “o documento fiscal foi conferido e atestado pela área competente do Senado Federal”. A respeito do uso de diesel S500, o parlamentar alegou ser “de grande oferta na região Norte”.
Por nota, Cid Gomes (PDT-CE) respondeu que os gastos estão “devidamente especificados no Portal da Transparência”. Ele também alegou que, “conforme determina a legislação, os gastos são acompanhados das respectivas notas fiscais, único instrumento aceito pelo Senado para fins de comprovação e reembolso dos valores utilizados”.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) citou o Ato da Primeira Secretaria nº. 5 de 2014 para afirmar que a prestação de contas dela obedece ao que está no texto. Sobre as diversas notas fiscais com um montante único de combustível, ela disse que são “emitidas pelo fornecedor no último dia útil de cada mês” e que “notas residuais no sistema de notas eletrônicas são de responsabilidade contábil da empresa fornecedora”.
O senador Elmano Férrer (PP-PI) se restringiu a afirmar que “não há irregularidades nas notas apresentadas junto ao Senado Federal” e que “todas estão disponíveis no Portal da Transparência”.
A assessoria do senador Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) também se pronunciou: “O senador Jarbas Vasconcelos segue todos os protocolos de prestação de contas do Senado Federal. As notas fiscais referentes aos gastos com combustível são enviadas regularmente ao setor responsável com a devida identificação do emissor e do destinatário, como consta no próprio documento fiscal anexado no sistema do Senado”, escreveu em nota.
Os senadores Humberto Costa (PT-PE), Mailza Gomes (PP-AC), Márcio Bittar (MDB-AC) e Sérgio Petecão (PSD-AC) não responderam até o fechamento da matéria.
O que diz o Senado
A reportagem também entrou em contato com a assessoria do Senado para questionar o critérios usados para ressarcimento de despesas com combustíveis e ao que obteve como resposta que “A Secretaria de Administração Financeira (SAFIN), órgão responsável pela CEAPS, verifica se os documentos fiscais que instruem os pedidos de ressarcimento guardam estrita observância dos requisitos formais legalmente exigidos.” Mas destacou que“não compete ao órgão papel investigativo para afirmar se a despesa foi realmente realizada pelo parlamentar”.
Sobre notas com falta de identificação ou em nome de terceiros – que não parlamentares e assessores –, o Senado alegou que “não se configura irregularidade a ausência de identificação do consumidor. A nota fiscal é amparada por requerimento previamente atestado pelo parlamentar, nos termos do APS 5/2014. A informação de que os abastecimentos foram feitos em nome de empresas não fornece subsídios suficientes para a verificação”.
Por fim, a casa cita Art. 5º do APS 5/2014, § 1º, no qual consta que o exame da documentação apresentada se restringe exclusivamente à verificação quanto à conformidade da despesa face ao previsto no artigo 3º deste Ato, não compreendendo qualquer avaliação quanto à observância de normas eleitorais, tipicidade ou ilicitude.
Caminhos para a transparência
O diretor-presidente do Instituto OPS, Lúcio Big, adverte para a necessidade de se rever as regras para uso e ressarcimento das verbas indenizatórias, garantindo maior lisura do processo.
Após a averiguação de gastos dos deputados federais igualmente com combustíveis, a OPS chegou a apresentar um documento para alteração dessas diretrizes, que foi acatada pela diretoria-geral da Câmara e enviada à Mesa Diretora para que ela tome a decisão final. “A proposta era que a prestação de contas de abastecimentos se dê apenas por cupons, banindo assim as notas fiscais com abastecimentos diversos”.
Em relação aos senadores, Big pontua que, por muitos anos “ o Senado adotou a não transparência de gastos”. A partir de julho de 2019 o instituto passou a ter acesso aos documentos fiscais apresentados pelos senadores. “Vimos o quão frágil é o sistema de ressarcimento de despesas. Então, para além da transparência absoluta e irrestrita, o que ainda não há, sugerimos ao Senado que regras da Ceaps passem a proibir a aceitação de notas fiscais que englobam vários cupons, o que faria com que apenas cupom fiscal de cada abastecimento fosses aceito”, defendeu.
Veja a entrevista completa com o diretor-presidente do Instituto OPS:
“Cheque em branco” inviabiliza fiscalização de gastos de senadores com combustíveis