A reforma do Imposto de Renda, em andamento no Senado, vai afetar a vida de todas as pessoas e empresas. É tema técnico, complexo, mas que é fundamental acompanhar. Ouvi o senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator da proposta aprovada pela Câmara, sobre os rumos que o projeto pode ter.
É certo que ele passará por mudanças significativas, antecedidas por diversas audiências públicas a serem realizadas na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Mas Coronel acredita na aprovação ainda neste ano, condição obrigatória para as regras valerem a partir de 2022. O governo condiciona a viabilização do Auxílio Brasil (Medida Provisória 1.061), que é o nome dado ao Bolsa Família remodelado, à aprovação da reforma do Imposto de Renda, algo que o relator classifica como “chantagem” e diz não aceitar, até porque os recursos para o novo programa social viriam de outras fontes financeiras.
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Pontos importantes que podem ser adiantados:
Revisão da tabela de pessoa física – o senador aguarda os dados da Receita Federal para sugerir uma ampliação da faixa de isenção, hoje fixada em R$ 1.903,98 e que a Câmara elevou para R$ 2,5 mil. Coronel quer aumentar para R$ 5 mil. “Como está, é muito pouco. Dá um ganho de R$ 7 por mês para 16 milhões de contribuintes. Ampliando para R$ 2,5 mil, daria para beneficiar em torno de 25 milhões de brasileiros. Mas não posso dizer que vou fazer isso porque preciso dos dados para ver até onde podemos ir”, contou ao blog. A tabela não era corrigida desde 2015 e o reajuste aprovado pelos deputados fica abaixo da inflação, exceto para a primeira faixa de tributação.
Lucros e dividendos acumulados – Coronel está determinado a desarmar o que alguns tributaristas apontam como bomba-relógio: a tributação, determinada pelo texto da Câmara, dos lucros que as empresas tiveram no passado, mas que por alguma razão elas não distribuíram. Esses recursos somam, segundo estimativas preliminares independentes, mais de R$ 500 bilhões.
“Valendo-se da regra em vigor, a empresa não distribuiu o lucro, reinvestiu e agora o governo impõe uma carga tributária na largada, a partir de 1º de janeiro de 2022. Se a norma prevalecer, a carga tributária vai aumentar de maneira cavalar”, critica o advogado tributarista Miguel Silva, que tem mais de 30 anos de atuação na área, no estado de São Paulo. Ele questiona a “mudança de paradigma”, que, no seu entender, afronta o inciso 36, artigo 5º da Constituição Federal, que veda qualquer lei que prejudique o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
Publicidade“Tributar dividendos acumulados vai gerar uma disputa judicial enorme, não vou permitir que continue assim no meu relatório”, antecipa Angelo Coronel. Ele acrescenta que não mexerá na regra que instituiu a tributação de dividendos (atualmente isentos), com uma alíquota de 15% sobre os valores distribuídos aos sócios das empresas.
Imposto sobre o lucro – o relator avalia uma nova redução do imposto pago sobre os lucros. A Câmara diminuiu a alíquota, que é de 34%, para 26%, mas Coronel fala que aguarda os números do Ministério da Economia para se convencer de que isso é suficiente: “Se não for, posso diminuir mais. Não podemos fazer uma reforma para aumentar a carga tributária. A União e também os estados e municípios, que recebem parte da arrecadação do Imposto de Renda, que se preparem. Vai haver uma frustração grande de receitas dos entes federados”.
Negociações – o relator iniciou nesta semana uma maratona de encontros com empresários, mas avisa que “o diálogo com a sociedade” está apenas começando e vai se ampliar com as audiências públicas. “Até aqui quem foi ouvido muito foi o governo, que recebe. Precisamos ouvir os contribuintes, que pagam”, justifica. Ele também já conversou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para tentar costurar algum tipo de entendimento prévio para facilitar a aprovação na Câmara, que terá de reexaminar o projeto (PL 2337/2021).
Mudanças em estudo incluem: possibilidade de pessoas físicas atualizarem o valor de imóveis que estão com números muito defasados na Receita Federal, pagando 4% sobre o valor da atualização; aplicação de igual percentual de tributação para quem trouxer aplicações financeiras do exterior; e a revisão da possibilidade, extinta pelos deputados, de as empresas deduzirem os juros sobre capital próprio no cálculo do imposto a pagar.
Um “puxadinho”? – será que teremos uma reforma tributária que reduzirá o imposto de pessoas e empresas? Miguel Silva teme que não: “É como a reforma do PIS/Cofins em 2002. Diziam que a carga tributária ia diminuir. A carga tributária do PIS/Cofins aumentou três vezes de 2002 para 2021. Vai ser mais um puxadinho tributário, visando uma solução política, que é reduzir o valor pago no Imposto de Renda na fonte, tirando mais dinheiro das empresas para oferecer muito pouco aos mais pobres. Se o governo quisesse mesmo redistribuir custo tributário em favor dos mais pobres, reduziria a tributação sobre o consumo. O imposto que o pobre paga está no produto que ele compra no supermercado, não na renda, porque ele quase não tem renda para tributar. Para mudar isso, tem que mexer no ICMS, não no Imposto de Renda”.