* Luiz Alberto dos Santos
Em 9 de dezembro de 2021, o Presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.391/21, que “dispõe sobre a representação privada de interesses realizada por pessoas naturais ou jurídicas junto a agentes públicos.”
A proposta tramita na Câmara dos Deputados, tendo sido inicialmente distribuída à Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Embora a proposição ainda não tenha relator designado, foi aberto prazo de emendas na Comissão, encerrado em 5 de maio de 2022, com a apresentação de 11 emendas pelo Deputado Felipe Rigoni (União Brasil-ES)
Trata-se de proposição que, a pretexto de atender às recomendações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, objetiva, centralmente, regulamentar o lobby junto ao poder público.
O tema já vem sendo abordado por proposições apresentadas desde 1989, pelo menos, no Congresso[1], embora nenhuma delas tenha logrado ser apreciada conclusivamente. O Projeto de Lei nº 1.202, de 2007, do Deputado Carlos Zarattini (PT-SP), já foi aprovado nas Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público e de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, mas, desde dezembro de 2016, aguarda apreciação pelo Plenário.
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Por ser a proposição mais antiga e em estágio mais avançado de apreciação, inicialmente o Presidente da Câmara, atendendo a requerimento do Deputado Zarattini, determinou a tramitação conjunta e apensamento do PL 4.391 ao PL 1.202.
Seria o caminho natural a seguir, tanto mais que há diversos precedentes no mesmo sentido.
Todavia, e de forma casuística, de forma a privilegiar a iniciativa do Executivo, o Presidente da Câmara, em 29 de março de 2022, determinou o desapensamento das proposições e remeteu o PL 4.391/2021 às Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público e Constituição e Justiça e de Cidadania. A justifica para isso foi o art. 142, parágrafo único do Regimento Interno da Casa, que prevê que a tramitação conjunta só será deferida se solicitada antes de a matéria entrar na Ordem do Dia ou, no caso de proposições que devam ser apreciadas, obrigatoriamente, em Plenário, antes do pronunciamento da única ou da primeira Comissão incumbida de examinar o mérito da proposição[2].
Em 27 de abril de 2022, o Deputado Lafayette de Andrada (REPUBLIC-MG), apresentou requerimento de urgência para a apreciação do Projeto. Em 18 de maio, o Deputado Augusto Coutinho (REPUBLIC/PE), requereu a realização de Audiência Pública para instruir a matéria, o qual foi aprovado, embora a audiência não tenha sido, ainda, realizada.
Em 7 de junho de 2022, inconformado com a postura da Câmara, o Deputado Carlos Zarattini apresentou novo projeto de lei para regulamentação do lobby, na forma do PL nº 1.535, de 2022, o qual foi objeto de requerimento de apensamento ao Projeto de Lei do Executivo, nos termos do Requerimento apresentado em 09.06.22 pelo Deputado Kim Kataguiri (União Brasil – SP).
A nova iniciativa do Deputado Zarattini é, além de regimental, oportuna, e propõe uma nova formulação mais ampla, completa e atualizada sobre a regulamentação do tema, baseado nas melhores práticas internacionais e nas recomendações da OCDE sobre o tema, dando “nome aos bois” e, com efeito, buscando garantir a integridade, transparência e controle das atividades de lobby, no Executivo e no Legislativo, em particular.
Essa necessidade decorre do fato de que o Projeto do Executivo, apesar de sua “preferência” no debate, solapando a iniciativa congressual, é extremamente superficial e contraditório. Ele, com efeito, não atende aos requisitos de uma lei compreensiva, mas segue a tese de que bastaria uma regulamentação da concessão de audiências públicas pelas autoridades públicas, mas sem estabelecer um sistema efetivo de registro ou credenciamento de lobistas e de prestação de contas de suas atividades.
Não que o projeto seja “inútil”. Ele, como sempre, quando se fala de um “mínimo aceitável”, poderia ser considerado se, ao fim e ao cabo, os debates parlamentares concluíssem pela impossibilidade de aprovação de lei mais completa.
Mas, ao propor esse “mínimo” o Executivo rebaixa, de forma exagerada, o patamar da discussão, em detrimento da busca do “máximo possível”. E, nesse sentido, há experiências, como a legislação estadunidense, reformada em 2007[3], e a recente lei alemã[4], que melhor sustentariam a aprovação de uma lei ampla e adequada ao contexto do País.
O PL do Executivo foi distribuído para ser apreciado de forma conclusiva pelas Comissões, ou seja, dispensada a apreciação pelo Plenário. Ocorre que, mesmo na forma elaborada pelo Governo, e apesar de sua “incompletude”, o PL trata, sim, de direitos individuais, tema que, ao teor do art. 68, § 1º, II da CF, não pode ser objeto de delegação e, assim, nos termos do art. 24, II, “e” do Regimento Interno da Câmara, não poderia ser objeto de apreciação conclusiva pelas Comissões.
Inicialmente, há que destacar que o art. 1º do Projeto dá à Lei o caráter de lei nacional, com aplicação em todos os níveis de Governo. Assim como foi feito no caso da Lei de Acesso à Informação, a medida visa assegurar uniformidade de tratamento do tema no âmbito federativo; contudo, não leva em conta, precisamente, a diversidade dos entes subnacionais e, inclusive, o projeto apresenta contradições, quanto a esse tema, ora se referindo apenas à União, ora a todos os entes federativos.
E não se trata, com efeito, de matéria sujeita, expressamente, à competência privativa da União para legislar prevista no art. 21 da Constituição; quando muito, poderia estar sujeita à competência concorrente, nos termos do art. 22, hipótese em que caberia à União, apenas, editar normas gerais. Todavia, por tratar-se de tema que é afeto ao conceito de “cidadania”, em sentido amplo, parece ter havido entendimento de que caberia apenas à União o regramento do lobby.
Outro aspecto problemático é que o projeto exclui da sujeição às regras da regulamentação do lobby os lobistas de órgãos públicos. A expressão “representação privada de interesses”, assim, dirige a lei apenas aos agentes do setor privado, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
Ademais, o PL não deixa claro se a representação de interesses de empresas estatais, regidas pelo direito privado, estaria dispensada de observar a lei. Ao definir a aplicação da lei a entes públicos, o PL apenas o faz no sentido de que observem a lei enquanto objeto do lobby, mas não agentes de lobby.
Também são excluídos da aplicação da lei os serviços sociais autônomos, que são entes privados que exercem atividades de interesse público, e são responsáveis pela aplicação de recursos parafiscais. A exclusão beneficiaria entidades como o SEBRAE e todos os serviços do “Sistema S”, vinculados, em grande medida, ao lobby empresarial das Confederações patronais.
Assim, as pessoas jurídicas de direito público, nas suas relações institucionais, não estarão sujeitas à lei do lobby, ou que revela o agravamento de situação de assimetria que já é enorme, atualmente, conferindo ao “lobby” de órgãos públicos um poder desproporcional na defesa de interesses.
A definição de “representação privada de interesses” peca, portanto, pelo fato de limitar-se ao “privado”, quando entes públicos também devem estar sujeitos às regras de transparência do lobby.
O PL também adota uma definição de “representação de interesses” que ignora o termo “lobby”, já consagrado e de uso corrente na legislação internacional, além de resumir-se a “interação entre agente privado e agente público destinada a influenciar processo decisório da administração pública, conforme interesse privado próprio ou de terceiro, individual, coletivo ou difuso”, no âmbito de formulação, implementação e avaliação de estratégia de governo ou de política pública ou de atividades a elas correlatas; edição, alteração ou revogação de ato normativo; planejamento de licitações e contratos; e edição, alteração ou revogação de ato administrativo. Essas definições, contudo, são insuficientes para definir o que seja o exercício da influência, que envolve toda decisão administrativa, mesmo a não normativa, não obstante a redação da alínea “d” do art. 3º, I, possa ser interpretada de forma ampla, dada a extensão do conceito de “ato administrativo”.
A definição de representantes de interesses (art. 3º, II) é adequada e ampla para alcançar a todas as situações relevantes. Contudo, revela a intenção de não usar o termo “lobista” para identificar o exercício da atividade de representação de interesses. Já o emprego da expressão “profissionalmente ou não” para caracterizar o lobista visa afastar dúvidas quanto a ser ou não a atividade exercida mediante remuneração, pressupondo-se que a atuação “profissional” seja remunerada. Contudo, acaba por incluir também a que o seja em caráter institucional e não remunerado.
Aspectos problemáticos são as definições de presente, brinde e hospitalidade, para os fins de caracterizar ou não exercício irregular da influência.
Para tal fim, seria necessário estabelecer um critério para a definição de valor, visto que o “brinde”, na forma proposta, é “item de baixo valor econômico e distribuído de forma generalizada a título de cortesia, propaganda ou divulgação habitual, conforme estabelecido em regulamento presente””. O PL, contudo, é omisso quanto a essa definição. Ademais, não está abrangida a hipótese de concessão de presente ou brinde a parente ou dependente da autoridade, o que pode dar margem a burla.
Ao definir o que configura lobby para os fins da Lei, o PL opta por uma definição “negativa”.
No art. 3º, define o que é a representação de interesses, e no art. 4º, o que não é. Em linhas gerais, as exceções seguem as regras já propostas em outras oportunidades, excluindo, por exemplo, a participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública, nos termos do disposto na Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017, e a prática de atos no âmbito de processos judiciais ou administrativos, na forma estabelecida na legislação processual, e, ainda, o envio de informações ou documentos em resposta ou em cumprimento de solicitação ou de determinação de agentes públicos, o pedido de informação com base na Lei de Acesso à Informação, o exercício do direito de petição ou de obtenção de certidões junto aos Poderes Públicos, nos termos do disposto no inciso XXXIV do caput do art. 5º da Constituição, e o comparecimento à sessão ou à reunião em órgãos ou entidades públicos, no exercício do direito de acompanhamento de atividade política.
Mas, no caso da “prática de atos com a finalidade de expressar opinião técnica ou de prestar esclarecimentos solicitados por agente público, desde que a pessoa que expresse a opinião ou o esclarecimento não participe de processo de decisão em atuação estatal como representante de interesses”, excluindo-a do lobby, há uma forte dose de ambiguidade.
Embora prestar opinião, informação ou esclarecimento como “especialista”, mediante consulta, não deva ser considerado lobby, tampouco é lícito permitir que por essa via se possa “disfarçar” a defesa de interesses. É exatamente por essa via que o lobby fumageiro, farmacêutico, armamentista e outros costumam operar, “travestindo” o exercício da influência de “opiniões técnicas”, por meio de interpostas pessoas.
A exclusão do “contato eventual entre agentes públicos e interessados em processos decisórios relacionados àqueles, ocorrido em eventos ou em situações sociais, de maneira casual ou não intencional, exceto se dos fatos e das circunstâncias apurados puder ser comprovada a representação de algum interesse”, embora pareça ser ressalva seja correta e lógica, na prática pode se revelar uma grande “janela” para o lobby fora das regras. A dificuldade de caracterização na forma prevista na parte final praticamente inviabiliza o controle.
O art. 5º estabelece os princípios da atividade de representação privada de interesses. Além, mais uma vez, da exclusão do lobby governamental, o artigo reconhece o caráter legítimo e democrático das atividades de representação privada de interesses, e sua sujeição aos princípios da legalidade, ética e probidade; transparência e integridade; e isonomia de tratamento dos representantes de interesses junto ao Poder Público.
Essa garantia de isonomia é ponto essencial da regulamentação do lobby, e também é tema tratado no PL 1.202, de 2007, além das recomendações OCDE a enfatizarem. No entanto, o PL apenas enuncia o princípio, mas não aprofunda os meios para sua concretização.
Por exemplo, o art. 6º prevê que “os representantes de interesses poderão ser ouvidos em audiência mediante solicitação própria ou a convite de agente público, ou como expositores em audiências públicas” e que “os órgãos e entidades de quaisquer dos Poderes prezarão pela isonomia de tratamento àqueles que solicitarem audiências sobre a mesma matéria.”
A regra, porém, é inócua. Na forma proposta, não há nenhum comando normativo efetivo que assegure a isonomia de tratamento. O § 2º remete a atos infralegais a disciplina da garantia da isonomia. No entanto, refere-se apenas a consulta pública e audiência pública, deixando, inclusive, de disciplinar as audiências “reservadas” concedidas por autoridades do Executivo.
O art. 8º dispõe sobre essas audiências, tema que o Executivo regulamentou, interna corporis, no Decreto nº 10.889, que terá vigência plena a partir de outubro de 2022.
Ao definir a quem se dirige a norma, inclui Ministros, Parlamentares, comandantes das Forças Armadas, ocupantes de Cargos Comissionados Executivos – CCE de níveis 15 a 18 ou equivalentes, presidente, o vice-presidente e o diretor, ou equivalentes, de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista federais, membros dos Tribunais de Contas, do Judiciário, Conselho Nacional de Justiça, do Ministério Pública da União e do Conselho Nacional do Ministério Público. Além disso, somente autoridades cujos cargos sejam de nível CCE 15 a 18, ou seja, equivalentes a DAS-5 ou superiores, e que correspondem a Coordenador-Geral, Diretores, Gerentes de Programa, Secretários e Secretários Especiais ou Executivos terão que divulgar suas agendas.
Já no caso do Poder Legislativo, seria prudente que também os respectivos chefes de gabinete estivessem sujeitos às regras de divulgação de audiências. O mesmo deveria ser observado no caso das cortes de contas, cujos membros se acham sujeitos a pressões por representantes de interesses, e onde os respectivos chefes de gabinete exercem papel fundamental na “filtragem” das demandas e pressões.
O art. 9º reitera a concepção de que o lobby ocorre mediante “audiências” solicitadas, e por isso são elas que devem ser objeto de registro e transparência. É uma definição estreita do que configura lobby, mas que atende ao propósito de uma lei minimalista, inspirada, em grande medida, na experiência chilena, mas que esvazia o sentido de uma lei capaz de regulamentar de forma efetiva o exercício da influência.
O art. 10 prevê que os Poderes Públicos deverão disponibilizar na internet as agendas das autoridades e as informações das audiências realizadas, cujos registros deverão permanecer disponíveis para visualização e consulta, em transparência ativa e em formato aberto, pelo prazo mínimo de cinco anos.
Nos termos do art. 11, os Poderes Públicos deverão estabelecer mecanismos e procedimentos internos de integridade, com adoção de regras efetivas de auditoria, transparência, conflito de interesses e incentivo à denúncia de irregularidades e à aplicação efetiva de normativos de ética e de conduta.
Segundo o PL, caberá à Controladoria-Geral da União, no Executivo, a responsabilidade de manter o sistema de registro de audiências. A medida já está formalizada no Decreto nº 10.889, de 9 de dezembro de 2021. Também lhe caberá criar, manter e disponibilizar em transparência ativa na forma de banco de dados das audiências, o qual deverá permanecer disponível para visualização e consulta na forma disciplinada nos respectivos regulamentos, e conterá, no mínimo, o nome do representante de interesses; o nome da eventual instituição de representação privada de interesses da qual este seja sócio, dirigente, empregado ou contratado; a lista de seus clientes representados junto àquele Poder Público; e a lista das audiências realizadas, com as respectivas informações.
O art. 12 prevê que “é livre o exercício da atividade de representação privada de interesses e o exercício desse direito somente poderá ser suspenso na hipótese de prática das infrações previstas no art. 16”. A realização de audiência para representação privada de interesses junto a agente público é condicionada ao registro ou ao fornecimento, pelo representante de interesses, das informações necessárias à publicidade do compromisso, conforme previsto no art. 9º. O representante de interesses deverá declarar que se submete aos princípios e às normas estabelecidas na Lei e, se couber, aos normativos de ética e de conduta da empresa de que são empregados, sócios ou contratados, ou de associações a que são filiados, antes da realização da audiência.
Na forma apresentada, o artigo dispensa, assim, qualquer forma de registro e controle do exercício de atividades de lobby, embora condicione a concessão de audiências a um “registro” prévio dos requerentes.
Dessa forma fica comprometida a própria aplicação do regime disciplinar, além da transparência necessária ao controle público dessas atividades.
O § 1º requer, apenas, que para concessão da audiência seja observado o art. 9º (informar a identificação dos participantes da audiência; a identificação do cliente; a descrição do assunto; e propósito do interesse a ser representado).
O § 2º prevê uma “declaração”, como suficiente para comprovação de compliance com as normas de conduta, para que seja considerado apto ao lobby via audiência.
O § 3º visa superar a necessidade de um registro público de lobistas, a partir da manutenção “pelo poder público”, contendo dados sobre as audiências e quem delas participou, e quem foi representado nas mesmas.
Todavia, a norma é vaga e tendente a ser tornada inócua na prática, e não servirá, minimamente, ao objetivo central, visto que extremamente limitado o seu objeto.
O art. 13 trata das “hospitalidades”, que envolve a “oferta de serviço ou despesas com transporte, com alimentação, com hospedagem, com cursos, com seminários, com congressos, com eventos, com feiras, com atividades de entretenimento, custeadas por agente privado para agente público no interesse institucional do órgão ou da entidade em que atua”.
Essa definição e normatização, porém, parecem voltadas a legalizar/legitimar a prática de pagamento de passagens, hospedagem e outros benefícios, ainda que a participação seja no “interesse institucional”. Esse é um dos motivos mais graves de suspeita sobre a integridade de agentes públicos, em particular na Magistratura, quando membros de poder são “convidados” a participar de eventos, com todas as despesas pagas, em locais paradisíacos
Apesar das ressalvas propostas (os “itens de hospitalidade” devem ser diretamente relacionados com os propósitos legítimos do órgão ou da entidade; ofertados em circunstâncias apropriadas de interação profissional; e de valor compatível, na hipótese de as hospitalidades serem ofertadas a outras pessoas nas mesmas condições), parece claro que o controle dessas condições é bastante dificultoso. Assim, o correto seria que fossem vedadas tais hospitalidades e a que participação de agente público em eventos seja custeada pelo Poder Público, exclusivamente, visto se tratar de participação de caráter institucional.
O art. 15 define as condutas ilícitas ou infrações à lei, mas apenas “de agentes públicos federais”, ou seja, contrariando a intenção do PL como lei nacional, prevista no art. 1º.
Dado o escopo limitado do Projeto de Lei, o art. 15 é, também, limitado.
Já o art. 16 define as infrações dos representantes de interesses. O inciso I refere-se a prática de atos que configuram corrupção. O inciso II configura, ainda, omissão no cumprimento das normas, ou fraude, por meio da ocultação de situação jurídica incompatível com o exercício da atividade de representação privada de interesses ou declaração em desacordo, na extensão ou no conteúdo, com a representação privada de interesses de fato realizada junto ao Poder Público, desde que comprovada a intenção de ocultar os reais interesses defendidos; e ocultação ou dissimulação dos reais clientes ou interesses representados.
O art. 17, tratando das sanções administrativas, submete o descumprimento das normas a suspensão do direito de solicitar audiência, ou participar de audiências públicas. Todavia, a natureza dos delitos pode exigir a representação ao MPF para ajuizar ação penal por crimes que envolvam corrupção ou tráfico de influência, por exemplo.
O art. 18 permite que a sanção possa ser relevada, em razão de natureza, gravidade ou peculiaridades, atenuantes ou mesmo se o infrator tiver programa de integridade que supere a falha.
O art. 19 trata da instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade do representante de interesses, que caberá à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Todavia, o artigo apenas remete a responsabilidade da instauração de processo de apuração de responsabilidades aos órgãos de cada Poder, sem aprofundar o tratamento da matéria. No âmbito do Poder Executivo federal, caberá à Controladoria-Geral da União instaurar processos administrativos de responsabilização do representante de interesses.
O art. 20 fixa prazo de 180 dias para a conclusão do processo administrativo. Embora curto, o prazo parece ser suficiente, e poderá ser prorrogado, por ato fundamentado. Contudo, não há limitação para essa prorrogação, aplicando-se subsidiariamente a Lei do Processo Administrativo (Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999), na forma do art. 23.
O art. 24 cria um Cadastro Nacional de Representante de Interesses Suspensos – CRIS, a ser alimentado pelos órgãos e as entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, inclusive dos entes federativos subnacionais. No prazo de quinze dias úteis, contado da data de aplicação da sanção de suspensão, os entes deverão informar e manter atualizados os dados relativos à sanção por eles aplicada, para fins de publicidade no CRIS.
A intenção é positiva, e é mais uma razão para que haja um cadastro nacional de representantes de interesses, dada a importância do registro prévio de lobistas para tal atividade ser adequadamente exercida. Sem isso, sequer haverá como, efetivamente, assegurar a aplicação da lei, deixando-se abertas inúmeras portas a sua inutilização.
Por fim, o art. 26 explicita a aplicação da Lei Anticorrupção, ressalva que tem efeito didático, dado que o PL é bastante superficial quanto aos aspectos punitivos das condutas indevidas dos lobistas.
Mas o § 1º do art. 26 ressalva que “brindes e hospitalidades ofertados segundo as condições estabelecidas nesta Lei não serão considerados vantagens indevidas a agentes públicos, para fins de tipificação penal, de improbidade ou do disposto na Lei nº 12.846, de 2013.”
E o § 2º do art. 26 prevê que essa mesma regra se aplica “a presentes e hospitalidades ofertados fora das condições estabelecidas nesta Lei”, mas sempre que o interessado comprovar que os itens: tinham valor razoável; não visavam influenciar indevidamente a atuação do agente público ou o ofertante não tinha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe; tinham sido ofertados ou entregues publicamente, e não em segredo; e tinham sido registrados e classificados de maneira detalhada e completa na escrituração contábil da pessoa jurídica ofertante.
Essas exceções, como se nota, pecam pela falta de objetividade, ao não definir um valor claro para que brindes e hospitalidades sejam considerados lícitos, e encerram grande ambiguidade, pois “influenciar indevidamente” e “não tinha interesse em decisão” são expressões que, virtualmente, inutilizam o sistema normativo.
O fato de a oferta ter ocorrido de forma “pública” e não “em segredo”, igualmente, requer definição. O que é “pública”, para tal fim? O fato de ser ofertado durante audiência supriria esse requisito?
O art. 27 prevê que os Códigos de Conduta e Integridade de que trata o § 1º do art. 9º da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, estabelecerão normas relativas à representação privada de interesses. Todavia, o art. 9º da Lei das Estatais não prevê regras aplicáveis a agentes privados, mas aos dirigentes das estatais e seus empregados. O art. 27, assim, não confere legalidade suficiente para que as estatais sejam capazes de disciplinar a atuação de lobistas.
Ao final, o art. 28 prevê que a Lei entra em vigor um ano após a data de sua publicação. A vacacio legis de um ano parece excessiva. Ela se justificaria, apenas, no caso de ser necessária uma regulamentação mais ampla, ou sistema de registro mais abrangente que o proposto. Na forma proposta pelo PL, bastaria um período de vacacio de, no máximo, 90 a 120 dias.
Como se observa, trata-se de projeto de lei bastante incompleto, contraditório e insuficiente para uma adequada regulamentação do lobby.
Além disso, não pode ser dispensada a sua apreciação pelo Plenário, visto se tratar de tema sensível. A legitimidade da lei, decorrente de amplo debate e aprovação pelo Plenário, é essencial para que seja efetiva, no âmbito dos Três Poderes.
Temas sensíveis são ignorados, como a quarentena para membros do Legislativo, e o exercício da atividade privativa de advogado. Não há qualificação dos delitos praticados como atos de improbidade, medida que se faz necessária, inclusive para fixação de penalidades mais duras.
O PL é omisso quanto a regras que deveriam limitar práticas que, em todo o mundo, estão associadas à corrupção, como é o caso da provocação da apresentação de proposição legislativa com o propósito de ser contratado para influenciar sua aprovação ou rejeição pelo Poder Legislativo; a atuação remunerada, com o objetivo de influenciar decisão judicial, exceto se na condição de advogado; o ajuste de pagamento sob a forma de prêmio, percentual, bonificação ou comissão a título de honorários de êxito ou cotalícios, relativos ao exercício das atividades de lobby.
Mas, sobretudo, o cadastramento de lobistas e a divulgação de relatórios de suas atividades e meios empregados, são essenciais para que se possa, efetivamente, falar em uma regulamentação adequada do lobby. Sem esses requisitos, será mais uma regra para “inglês ver”, fingindo que se atende às exigências da OCDE para que o Brasil seja membro efetivo da entidade, mas sem compromisso real e efetivo com o controle e transparência da representação de interesses.
O apensamento do PL 1.535, de 2022, do Deputado Zarattini, que é fruto de uma ampla análise da legislação internacional e das propostas sob exame ou já debatidas tanto no Congresso como com entidades da sociedade civil, como a Transparência Brasil[5], Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), que sugeriu as emendas apresentadas na CTASP pelo Deputado Felipe Rigoni, poderá contribuir para o aperfeiçoamento do projeto, cuja aprovação, de fato, é uma necessidade que não pode mais ser adiada nem ignorada.
Em 17 de junho de 2022.
LUIZ ALBERTO DOS SANTOS é consultor legislativo, advogado (OAB RS 26485 e OAB DF 49777), professor colaborador da EBAPE/FGV, sócio da Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP), mestre em Administração e doutor em Ciências Sociais/Estudos Comparados (UnB).
Autor do livro (Tese de Doutorado) “Regulamentação das atividades de lobby e seu impacto sobre as relações entre políticos, burocratas e grupos de interesse no ciclo de políticas públicas: análise comparativa dos Estados Unidos e Brasil”, premiado em 2008 pela Embaixada dos EUA no Brasil e publicado em 2015 pelo Senado Federal.
[1] A primeira proposição destinada a promover a regulamentação do lobby no Brasil é o resultado de uma iniciativa do Senador Marco Maciel, apresentada originalmente em 1984, sob a forma do Projeto de Lei nº 25/1984. Esse PL, porém, não foi apreciado, e foi arquivado ao final da Legislatura em 1987. Em 1989, o projeto foi reapresentado, em versão atualizada, sob nº 203/89 no Senado Federal, e, finalmente, aprovado, sendo então remetido à Câmara dos Deputados, onde recebeu o número 6.132, de 1990. A apreciação, porém, não foi concluída em face de a CCJ da Câmara em junho de 1993, ter aprovado parecer pela rejeição, em virtude de inconstitucionalidade, em face dos art. 51, III e IV e 52, XII e XIII da Constituição. O entendimento da Comissão foi de que se tratava de matéria da competência exclusiva das próprias Casas legislativas, insuscetível de regulamentação por proposição sujeita à sanção do presidente da República, como é o caso dos projetos de lei. Em consequência de recurso ao plenário, a matéria não teve a sua tramitação encerrada, mas, até hoje, tampouco foi apreciado o recurso.
[2] Um exemplo da não aplicação dessa regra é a tramitação da PEC 144/2007, do Poder Executivo, com idêntico objetivo ao da PEC 487/2005, do Deputado Roberto Freire, que visava alterar as regras sobre a organização da Defensoria Pública. Já tendo sido aprovada em Comissão Especial, em 12.07.2006, e estando pronta para apreciação em Plenário, o Executivo encaminhou proposta alternativa, que foi imediatamente apensada, já em Plenário, à PEC já aprovada na forma de substitutivo pela Comissão. Assim, a regra regimental empregada para justificar o desapensamento não tem sido observada de maneira uniforme pela Casa. Recentemente, o Projeto de Lei Complementar nº 112/2019, que tratava da autonomia do Banco Central, foi apensado, na Câmara, ao Projeto de Lei Complementar nº 19, de 2019, oriundo do Senado Federal.
[3] Ver https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/521115
[4] Ver https://politicapublica.wordpress.com/2022/06/08/a-nova-lei-de-registro-de-lobbying-alemao-colocacao-em-uma-lista-negra-para-maior-transparencia/
[5] Ver https://web.unidoscontraacorrupcao.org.br/novas-medidas/regulamentacao-do-lobby/
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