Sabe-se que a política tem horror ao vácuo. Numa democracia, quando um poder deixa de cumprir suas funções, outro as toma para si. O fenômeno que vem sendo chamado de “ativismo do Judiciário” ou “judicialização da política” nada mais é do que o resultado da omissão do Congresso Nacional, nos últimos anos, sobre vários temas fundamentais para o país.
Na semana passada, infelizmente, a Câmara dos Deputados deu mais um exemplo dessa omissão. A Casa rejeitou o Projeto de Lei Complementar 266/13, do senador Walter Pinheiro (PT-BA), que estabelecia novas normas para o cálculo dos recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE). Rejeitou por omissão, já que a proposta recebeu 218 votos favoráveis, quando necessitaria de no mínimo 257, maioria qualificada para aprovar a matéria. E isso apesar dos apelos das lideranças dos partidos da base aliada, que resultaram na retirada de várias emendas, e do fato de o próprio relator, deputado Júlio César (PSD-PI), ter atendido ao apelo do presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) em favor do texto, abrindo mão de apresentar um substitutivo.
O FPE é uma das mais importantes transferências intergovernamentais do Brasil e, desde sua origem, teve como objetivo a promoção da justiça fiscal por meio de um sistema de partilha de receitas entre os entes federativos. De acordo com o artigo 159 da Constituição Federal, o FPE é composto por 21,5% da arrecadação dos impostos de Renda (IR) e sobre produtos industrializados (IPI). E 85% de sua receita é destinada aos estados das regiões Norte e Nordeste.
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Em 1989, por meio da Lei Complementar (LC) nº 62, foi definido o critério de distribuição para cada estado a partir de parâmetros pré-existentes, relacionados com o inverso da renda per capita, população e território de cada unidade federativa naquele ano. O problema é que esse critério nunca mais foi revisado, apesar da enorme mudança na renda per capita dos estados brasileiros nestes 24 anos de vigência da LC nº 62.
Tal disparidade levou alguns estados (MT, MS, GO, PR, SC e RS) a entrarem com ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal. Este, em fevereiro de 2010, julgou procedente a demanda e fixou até o final do ano passado para que o Congresso elaborasse uma lei com novas regras. Quase dois anos se passaram e o Congresso não conseguiu votar nada; então, no início deste ano, depois de negociações com líderes políticos, o STF prorrogou o prazo até 23 de junho.
O substitutivo do senador Walter Pinheiro mantinha as atuais regras de rateio até 2015. Em 2016 e 2017 seria fixado um piso para cada estado, com base no valor recebido em 2015, acrescido da inflação (IPCA), mais 50% da variação real do PIB do ano anterior. O valor excedente, caso existisse, seria distribuído de forma proporcional a 50% da população de cada um dos estados e inversamente proporcional a 50% da renda domiciliar per capita. Em 2018, caso nenhuma outra regra fosse aprovada pelo Congresso, esse texto seria mantido automaticamente.
Acredito que o projeto do senador Pinheiro representa um avanço no sentido de manter o espírito distributivista que norteia o FPE, embora preserve algumas desigualdades e iniquidades do sistema vigente. Além disso, na prática, a regra para 2013 e os próximos dois anos são as mesmas que foram consideras inconstitucionais pelo STF. E, para 2017, o projeto faz um exercício de ficção, pois provavelmente não haverá excedentes para serem redistribuídos. Mesmo assim, teria sido melhor que a Câmara dos Deputados tivesse aprovado o projeto, para que o Congresso mantivesse sua independência e não fosse obrigado a pedir um novo prazo ao STF.
O Parlamento, contudo, ainda tem uma chance. O Senado aprovou, na última terça-feira (18), novo projeto de lei complementar tratando da distribuição do FPE. O texto é similar ao que havia sido aprovado pela Casa, em abril, e rejeitado pelos deputados, na semana passada. A partir de agora, a bola está novamente com a Câmara. Temos o dever de manter o objetivo de justiça fiscal do FPE, mas também de impedir que os estados, principalmente os mais necessitados, deixem de receber os repasses do Fundo. E, sobretudo, não podemos, por omissão, deixar o Poder Judiciário fazer as vezes da representação popular.
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