Oriovisto Guimarães*
A democracia no Brasil precisa voltar a seu significado mais puro: “demo” (povo) e “kratia” (poder), “poder do povo”.
No início, na Grécia antiga, o povo, por meio de assembleias abertas a todos os cidadãos, decidia diretamente as questões da cidade-estado. Nos tempos atuais, o povo elege representantes para que estes, em seu nome, exerçam o poder. Assim, deputados e senadores representam a vontade do povo e, em seu nome, tomam importantes decisões.
Que o povo não possa saber como votam seus representantes me parece o absurdo dos absurdos. Ressalvados os casos previstos na própria Constituição, a transparência tem que ser a regra. O voto de cada representante do povo deve ser aberto e sempre sujeito à aprovação dos representados.
Na próxima semana o Senado elegerá seu novo presidente, decisão da maior importância para toda nação brasileira. Incrivelmente temos senadores que não querem que a população saiba como eles votam, querem o voto secreto. O povo deve permanecer na ignorância de tal forma que os interesses pessoais do representante sejam mais importantes que o interesse dos representados.
O voto secreto para a presidência do Senado é a própria negação da Democracia (poder do povo). Além do voto secreto, outra manobra espúria pode acontecer nestas eleições para o novo presidente do Senado. O artigo 60, do Regimento Interno da Casa, diz que a eleição será feita com a exigência da “maioria de votos, presente a maioria da composição do Senado”.
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O texto do artigo deixa uma brecha de interpretação, pois ao exigir a presença da maioria dos parlamentares, pode levar a entender que o presidente do Senado será escolhido por maioria simples. Nesse caso, se houver 41 senadores em plenário, por exemplo, o presidente poderá ser eleito com apenas 21 votos.
Entretanto, há 32 anos, a interpretação do Senado tem sido de que a eleição do presidente do Senado só ocorre por maioria absoluta, que é definida como o primeiro número inteiro superior à metade do total de 81 senadores, ou seja, 41 senadores.
De 1987 até a presente data, todos os presidentes do Senado foram eleitos com 41 votos ou mais, respeitado sempre o princípio de que o presidente precisa ter o apoio da maioria absoluta de seus pares.
Foi oportuna a ação antecipada do ex-senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), que pediu esclarecimentos sobre o artigo do regimento, no fim do ano passado, ao então presidente, Eunício Oliveira (MDB-CE), que garantiu a maioria absoluta, mesmo que seja necessário mais de um turno de votação.
Um presidente precisa de legitimidade, caso contrário, gera uma instabilidade indesejável e até prejudica o funcionamento do Senado. Se tivermos um presidente eleito por uma maioria circunstancial, vamos cair na vala do constrangimento da representatividade, levando-o a não ter o apoio necessário para a boa condução dos trabalhos.
O cenário desta legislatura é inédito, temos a maior renovação da história, de mais de 85%. E com os 21 partidos defendendo múltiplas candidaturas, podemos ter um quadro bastante fragmentado na votação dos cargos da Mesa. Por isso, é preciso estarmos atentos para essa regra ser seguida, sem manobras ou novas interpretações do regimento, no primeiro de fevereiro próximo.
Os brasileiros, de olhos abertos, vigiam o que seus representantes estão fazendo. As duas manobras, aqui denunciadas, precisam ser evitadas. Não podemos permitir que a procuração que o povo nos deu, para representar seus interesses maiores, seja rasgada em nome de interesses menores da velha política que o Brasil de hoje já não aceita.
* Oriovisto Guimarães é senador eleito (Podemos-PR) e assumirá seu primeiro mandato