por Olavo Nogueira Filho e Gabriel Corrêa*
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/24, recentemente apresentada pelo governo federal como parte do pacote de ajuste fiscal, traz diversas incertezas sobre seus impactos na educação brasileira. Embora o discurso oficial busque minimizar possíveis impactos negativos, a verdade é que ainda sabemos pouco sobre como a mudança afetará mecanismos essenciais de financiamento, como o Fundeb, e quais serão as implicações no orçamento discricionário do Ministério da Educação (MEC).
Dois pontos, em especial, merecem atenção: a alteração constitucional na Complementação da União ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que é o que traz a PEC, e o possível redirecionamento orçamentário que pode levar à redução de investimentos em programas nacionais importantes da educação básica.
No primeiro ponto, a PEC 45/24 altera a lógica interna da Complementação da União ao Fundeb, que é o recurso que o governo federal direciona ao fundo redistributivo, adicional ao que é arrecadado por estados e pelo Distrito Federal. Atualmente, essa complementação possui três grandes categorias, conhecidas por complementação-VAAF (Valor Anual por Aluno do Fundeb), complementação-VAAT (Valor Anual Total por Aluno) e complementação-VAAR (Valor Anual por Aluno – Resultado). Essas categorias têm funções distintas, porém complementares: enquanto VAAF e VAAT visam melhorar a redistribuição dos recursos, o VAAR busca induzir boas práticas de gestão e a melhoria nos resultados educacionais. O caráter mais redistributivo e indutor da complementação da União são inovações aprovadas pelo próprio Congresso Nacional em 2020, quando foi aprovada a Emenda Constitucional que instituiu o Novo Fundeb.
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A PEC, porém, sugere a criação de uma quarta categoria de complementação, destinada a fomentar a educação em tempo integral. Essa nova destinação poderia chegar a até 20% do total da complementação da União. O problema é que, não havendo aumento no montante global, essa nova fração inevitavelmente retirará recursos de uma ou mais das atuais categorias, seja do VAAF, do VAAT ou do VAAR. E a proposta do governo federal não esclarece como serão definidas as regras para essa nova linha de apoio. Ela manteria o caráter redistributivo que caracteriza o Fundeb, beneficiando sobretudo os entes que mais precisam de recursos? Ou funcionaria nos moldes de um programa do MEC por adesão, cujo acesso aos recursos muitas vezes privilegia aqueles estados e municípios com maior capacidade administrativa? A falta de clareza sobre a proposta levanta a possibilidade de que os novos critérios venham a reduzir o potencial redistributivo do Fundeb. Para um ajuste fiscal que se pretende “justo”, esse caminho seria um contrassenso.
O segundo ponto de incerteza está na estratégia orçamentária do governo para o ajuste fiscal na educação, uma vez que a mudança proposta pela PEC não traz nenhuma contenção de despesas. Parece que a lógica subjacente à PEC é sinalizar que o próprio Fundeb já estaria contemplando o fomento ao tempo integral, dispensando, assim, o MEC de manter recursos discricionários voltados a esse fim. Com isso, o governo poderia cortar verbas do MEC destinadas à expansão do tempo integral, reduzindo o orçamento da educação de modo geral. Não por acaso, o Ministério da Fazenda estimou que a alteração constitucional no Fundeb geraria uma economia superior a R$ 40 bilhões até 2030, montante que seria reduzido do orçamento do MEC nos próximos anos.
Se a complementação do Fundeb permanece no mesmo patamar global, mas o orçamento do MEC para a educação básica diminui, o resultado final é uma contração no total de recursos disponíveis para a melhoria da educação infantil, fundamental e média. Seguindo essa lógica, o ajuste estaria sendo feito em cima dos estados e municípios, que deixariam de receber esses recursos.
Além disso, a consistência dessas estimativas é incerta. Não está claro sobre quais premissas o governo se baseou para calcular tais impactos. Isso porque o valor apresentado, que representa um ajuste médio de cerca de R$ 7 bilhões ao ano até 2030, é um valor significativamente maior do que os recursos anuais hoje despendidos na política de tempo integral.
Essa ausência de transparência reforça o clima de dúvidas, justamente em um momento em que o país precisa dar respostas assertivas na economia, mas sem fragilizar um arcabouço sofisticado de financiamento educacional que, finalmente, permite ao país ambicionar avanços mais significativos na educação. Com isso, se faz fundamental que os parlamentares discutam com profundidade os termos do ajuste fiscal referentes à educação básica, buscando esclarecer e dar respostas às lacunas ainda existentes na proposta do governo. Em particular considerando que o Novo Fundeb foi um dos grandes legados da última legislatura.
* Olavo Nogueira Filho e Gabriel Corrêa são, respectivamente, diretor-executivo e diretor de Políticas Públicas do Todos Pela Educação
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