Carlos Ranulfo Melo *
Entre 1982 e 2018 a fragmentação partidária cresceu de forma ininterrupta no Brasil. Na Câmara dos Deputados, a última eleição possibilitou a 30 partidos elegerem representantes. Mas após 2022 o quadro será outro. A mudança teve início ainda na atual legislatura quando o número de partidos com representação recuou para 23. No ano que vem esse número poderá ser reduzido pela metade.
O que aconteceu? A estrutura de incentivos aos agentes políticos mudou. Por um lado, o Fundo Eleitoral estimulou os partidos a aumentarem suas bancadas na Câmara – 83% dos recursos do Fundo são distribuídos levando em conta esse fator. Por outro, a aprovação da cláusula de desempenho como condição para acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito de propaganda, aliada à proibição das coligações nas eleições proporcionais, dificultou a sobrevivência das pequenas legendas.
Os movimentos realizados na atual legislatura por deputados (as) e partidos refletem esse novo quadro. Visando abocanhar maior quinhão do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, DEM e PSL fundiram-se no União Brasil. Durante a “janela partidária” mais de 60% dos cerca de 140 deputados (as) que mudaram de partido se dirigiram a quatro legendas que, dessa forma, tiveram suas bancadas aumentadas. O Republicanos de 30 para 40, o PL de 35 para 75, o PSD de 38 para 45 e o PP de 30 para 59 membros.
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Na outra ponta, nove partidos com representantes eleitos em 2018 não atingiram o patamar de 1,5% dos votos para a Câmara estabelecido pela cláusula. DC, PMN e PTC viram seus deputados buscarem outras legendas. O PRP foi absorvido pelo Patriotas, o que permitiu a ambos escapar da cláusula. Movimento idêntico fizeram o PC do B e o PPL. O PHS incorporou-se ao Podemos. E a Rede iria, já em 2022, juntar-se em uma federação com o Psol.
Levando em conta o percentual de votos obtido em 2018, a movimentação de partidos e deputados na atual legislatura, e indicativos extraídos da campanha eleitoral, é possível dizer que a Câmara terá, a partir de 2023, no mínimo 11 e no máximo 19 partidos. A estimativa leva em conta que as federações constituídas em 2022 funcionarão como uma só legenda na próxima legislatura.
PublicidadeCinco partidos situados à direita têm presença garantida e tendem a fazer bancadas de médio a grande porte – todos obtiveram no mínimo 5% dos votos para a Câmara em 2018. Turbinados pela fidelidade do eleitorado bolsonarista e/ou evangélico, por recursos governamentais, pelas emendas do orçamento secreto e ainda beneficiados pela migração partidária, PL, PP e Republicanos podem manter ou até aumentar suas atuais bancadas – em média 85% de seus atuais deputados são candidatos à reeleição.
Aos três irão juntar-se o União Brasil e o PSD. No primeiro, 86% dos atuais deputados são candidatos. Ainda que os egressos do PSL, abandonados pelo bolsonarismo, possam ter dificuldade para manter a vaga, o partido encontra-se em primeiro ou segundo lugar na disputa pelo governo da Bahia, Mato Grosso, Piauí, Goiás, Rondônia, Alagoas e Amazonas – o que pode auxiliar o desempenho dos candidatos à Câmara. O PSD é menos competitivo nos estados – está bem no Paraná, em Sergipe e Mato Grosso do Sul – mas 94% de sua bancada, que cresceu ao longo da legislatura, está se recandidatando.
MDB e PSDB, agora federado ao Cidadania, estarão presentes, ainda que sem sua antiga força. Com os 4,99% dos votos para a Câmara em 2018, o MDB teve sua bancada reduzida de 65 para 34 membros em relação a 2014 e perdeu capilaridade: há oito anos elegeu deputados em todos os estados, mas na última eleição seus representantes vieram de apenas 18 deles. De todo modo, não perdeu deputados(as) na janela partidária, 86% da bancada está se recandidatando e o partido está bem posicionado na disputa pelos governos do Pará, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul.
O PSDB obteve 6,39% dos votos em 2018 e o Cidadania apenas 1,64%. A bancada tucana, que havia encolhido de 54 para 29 membros, ficou ainda menor devido à migração partidária – atualmente o partido conta com 22 deputados. A perda foi “compensada” com os setes parlamentares do Cidadania. Mas os tucanos vivem situações difíceis em Minas, onde seu candidato ao governo não pontua, e São Paulo, onde não é certo que chegue ao segundo turno. Em 2018, os dois estados foram responsáveis por 38% da bancada eleita.
A esquerda terá quatro representantes: PSB, PDT e mais duas federações: PT/PCdoB/PV e Psol/Rede. As federações devem conquistar mais vagas que o atual somatório de seus partidos. O PT, que obteve a segunda votação para a Câmara em 2018 (10,21%), pode se beneficiar do efeito arraste da candidatura Lula. 94% de sua bancada é candidata à reeleição e o partido é competitivo na disputa pelo governo no Rio Grande do Norte, São Paulo e Piauí. Psol e Rede contam com bons puxadores de voto.
PSB e PDT obtiveram 5,2% e 4,16% respectivamente dos votos em 2018, mas poderão ter suas bancadas reduzidas. Os socialistas perderam 25% de sua força em função das migrações e estão com dificuldades em seu principal bastião – Pernambuco. Compensação parcial pode vir de bons desempenhos no Espírito Santo, Maranhão, Paraíba e Rio de Janeiro. O PDT perdeu 32% de sua bancada e enfrenta dificuldades no Ceará, estado responsável por 1/5 dos eleitos em 2018.
Aos 11 partidos já mencionados devem, mas não é certo, se somar o Novo e o Podemos. O Novo manteve os oito representantes eleitos em 2018 e deve reeleger Romeu Zema em Minas. A votação obtida para a Câmara na eleição passada (3,05%) o favorece, mas é preciso considerar que parcela de seu desempenho se deu na cola do bolsonarismo, do qual se desgarrou. O PODEMOS enfrenta situação menos tranquila. Sua bancada, mesmo com a incorporação do PHS, diminuiu durante a legislatura, o partido não é competitivo em nenhum estado e, ao contrário de 2018, não tem candidato à Presidência da República. Há quatro anos foram 2,45% dos votos para a Câmara, mas a atual eleição será mais difícil.
Por fim, a grande incógnita fica por conta dos seis partidos que, em 2018, não atingiram o patamar de 2%, estabelecido para 2022. Solidariedade, PTB e Pros chegaram a 1,85%, 1,86% e 1,87% respectivamente, mas perderam parte expressiva das parcas bancadas eleitas. No primeiro a perda foi de 38%. Entre os trabalhistas, que parecem estar em fim de linha, a evasão foi de 70%. O Pros viu 50% da bancada ir embora. O Avante, com 1,66% dos votos em 2018, e o PSC, com 1,57%, terão que suar a camisa para crescer. Finalmente, o Patriotas teve apenas 1,39% dos votos para a Câmara, mesmo surfando na onda bolsonarista, e sobreviveu graças à incorporação do PRP – mas a fusão não implicou em aumento da pequena (cinco) bancada eleita. Esses seis partidos remam contra a maré e suas chances parecem pequenas contra legendas que se fortaleceram ou encontram-se em melhor situação. Os que não alcançarem a cota dificilmente manterão suas bancadas na próxima legislatura.
* Carlos Ranulfo Melo é doutor em Ciência Política, professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos. Autor de Retirando as Cadeiras do Lugar: Migração Partidária na Câmara dos Deputados, coautor de Governabilidade e Representação Política na América do Sul e coeditor de La Democracia Brasileña: Balance y Perspectivas para el Siglo XXI. Tem artigos publicados sobre partidos, estudos legislativos e instituições comparadas com foco no Brasil e nos países da América do Sul.
Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.
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