por Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro*
É assustadora a frequência com que, ultimamente, ameaças graves ao consumidor de energia têm surgido a cada momento e de forma imprevisível por iniciativa do Congresso ou do próprio Governo Federal.
Desta vez a ameaça foi descoberta na manhã do dia 21 de novembro, uma terça-feira, quando se teve notícia de que já na quinta-feira o presidente da República assinaria uma Medida Provisória (MP) com inúmeras medidas que impõem ineficiência na expansão da matriz elétrica.
Como o instrumento de Medida Provisória se transforma em lei a ser cumprida no dia seguinte de sua promulgação, esse anúncio gerou “pânico geral” junto aos agentes do setor elétrico, que foram surpreendidos com a iminência de uma lei “secreta” e de tamanho alcance (e custo) para o consumidor de energia. Até agora o texto da MP é desconhecido.
Pouco se soube da minuta original dessa MP, além do fato de que seu texto estenderia e acrescentaria subsídios dados a empresas geradoras de determinadas fontes de energia. Ao ser questionado, o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) – que supostamente teria contribuído com, ou ao menos conhecido previamente, o texto – afirmou, segundo noticiado na imprensa, que a MP “não traz nada de novo; é enxutinha, pequenininha; são apenas 4 artigos”.
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Não bastasse esse susto, ainda em suspense, outro surgiu no domingo, dia 26 de novembro – sim, um domingo! –, desta feita na Câmara dos Deputados, com a publicação de um novo parecer de autoria do deputado José Vitor (PL/MG), relator do Projeto de Lei de 2018 que trata de geração eólica offshore, incluindo em seu texto todos aqueles jabutis e mais alguns, que, temia-se, estariam presentes na Medida Provisória.
PublicidadeCompletando a triste aula master dada por alguns parlamentares e governantes sobre “Como não fazer legislação e como aprovar privilégios para grupos de pressão pagos com o dinheiro do consumidor de energia sem nenhuma transparência”, circulou também a notícia de que já haveria um acordo de algumas lideranças da Câmara com o presidente da casa Arthur Lira para votar o projeto de lei na terça feira, dia 28 de novembro. Isso mesmo: o parecer de um projeto de lei, com 74 páginas, apresentado em uma segunda-feira, para ser votado – mediante acordo – no dia seguinte. A receita perfeita para se aprovar um texto que nunca sobreviveria ao escrutínio da sociedade.
Além da aberração em termos do processo, em termos de conteúdo o voto do relator parte de um vício de origem ao mencionar países da Europa como inspiração para promover no Brasil a geração eólica offshore “em função de sua contribuição para a descarbonização da matriz energética”. Ocorre que a matriz elétrica no Brasil já é 86,1% renovável, um contraste absoluto com o resto do mundo, que conta com apenas 13,9%.
Aliás, as palavras “promoção” e “incentivo” têm aparecido como eufemismos que passaram a ser usados por alguns executivos e autoridades bem experientes do setor elétrico que, envergonhados do impacto de suas pautas, buscam camuflar subsídios ou reservas de mercado para uma energia mais cara – e em alguns casos desnecessária, especialmente no cenário atual de sobreoferta estrutural de energia – a ser paga pelos brasileiros.
Se aprovado, o projeto deveria ganhar o nome de “Jabuti 2, o Retorno”, tantos são os penduricalhos que voltam a ameaçar o consumidor de energia. Dentre eles, estão a extensão do prazo de desconto no pagamento das tarifas de transmissão e distribuição para os projetos de geração renovável. Segundo a Aneel, esse subsídio já custou R$ 8,9 bilhões cobrados nas contas dos consumidores até novembro deste ano. Apenas como referência, esse subsídio para fontes renováveis – fontes já provadamente competitivas, como mostram os resultados dos leilões – é mais que o dobro do subsídio dado para reduzir a tarifa de eletricidade para consumidores de baixa renda.
O projeto também promove subsídios adicionais para viabilizar as famosas “térmicas jabutis” inseridas no projeto de lei da privatização da Eletrobras (Lei 14.182/2021). O texto pretende assim “viabilizar” o inviável: termelétricas movidas a gás onde não há gás, com obrigação de que sejam acionadas, por lei, 70% do tempo, mesmo que os modelos do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) prescrevam o contrário. [O ONS é a autoridade elétrica que aciona as usinas geradoras de energia com base na chamada “ordem de mérito econômico”, critério segundo o qual as usinas são acionadas por ordem crescente de seu custo operacional para reduzir as tarifas de eletricidade.]
O projeto também aproveita a “porteira aberta” para ampliar os subsídios à Geração Distribuída – que esse ano já chegou a R$ 5,6 bilhões – e para forçar (subsidiar) a contratação de 4.900 MW de novas pequenas centrais hidrelétricas.
Há, por certo, mais coisas a serem lidas e analisadas nas 74 páginas do relatório. Coisas que, como essas aqui apontadas, lá estão para serem custeadas pelo consumidor de energia brasileiro, a grande vítima que passará a comprar uma energia bem mais cara se essas obrigações de fato forem sorrateiramente empurradas para nossas contas de luz.
Se, de um lado, o consumidor de energia perde muito com tudo isso, de outro lado conjuntos de empresas e seus aliados políticos e econômicos tornam-se beneficiários de subsídios ou de reservas de mercado medidos em bilhões de reais.
O Brasil não deve mais depender de subsídios para a expansão de sua matriz elétrica. O país tem potencial de múltiplas fontes de energia, solar, eólica, hidráulica, biomassa, gás natural, nuclear etc. e todas já se provaram, em maior ou menor grau, competitivas, graças a seus próprios atributos. Não devem depender de subsídios para sua expansão.
É um absurdo que temas de tamanho impacto sejam atropelados por manobras desse tipo, gestadas no Governo Federal ou no Congresso Nacional, sem a transparência que possibilite análises e contribuições tanto por parte dos consumidores, que ao final pagam a conta, quanto dos especialistas, que veem o planejamento do setor elétrico ser vilipendiado por iniciativas como essa.
Essa forma inaceitável de legislar precisa acabar se o Brasil quiser ser grande como merece. A imprensa, os consumidores de energia, os profissionais sérios do setor elétrico e os políticos que pensam no interesse nacional são a última linha de resistência para conter essa avalanche de interesses promovidos por aqueles que só pensam em lucrar com base em tramitações legislativas sem transparência e se aproveitando da complexidade do setor elétrico.
* Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são presidente e diretor executivo do Instituto Acende Brasil
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