Débora Ely e João Barbosa, do Aos Fatos
A médica Nise Yamaguchi, que presta depoimento nesta terça-feira (1º) à CPI da Covid-19, aparece, em média, a cada três dias em um novo vídeo no YouTube defendendo o uso da hidroxicloroquina no combate ao novo coronavírus. O Radar Aos Fatos encontrou na plataforma 167 entrevistas, lives e declarações da médica publicadas entre 26 de fevereiro do ano passado — data da confirmação do primeiro caso da doença no Brasil — e a última sexta-feira (28). O conteúdo soma, até o momento, mais de 6,5 milhões de visualizações.
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A presença de Yamaguchi no YouTube promovendo o medicamento (que não tem eficácia cientificamente comprovada contra a Covid-19) já foi ainda maior. Em abril, o YouTube atualizou sua política de conteúdo e passou a proibir publicações que defendam a cloroquina e a ivermectina para prevenir ou tratar a doença. Segundo a Novelo Data, ao menos sete vídeos nos quais a médica aparece foram apagados —três da CNN Brasil, dois da rádio Jovem Pan, um do canal do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e outro do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
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Imunologista e oncologista, Yamaguchi é uma das pessoas de fora do Ministério da Saúde que dá conselhos a Bolsonaro sobre a condução da pandemia. Documentos da Casa Civil fornecidos à CPI, que foram revelados pela Folha de S.Paulo, mostram que ela esteve em ao menos quatro reuniões no Palácio do Planalto. Em dois momentos, ela também foi cotada para assumir o comando da pasta — após a demissão de Luiz Henrique Mandetta e a queda de Nelson Teich.
A médica ainda foi apontada pelo presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, em depoimento à comissão, como patrocinadora de uma mudança da bula do remédio para incluir o tratamento de Covid-19, o que não ocorreu. Ela nega, mas argumenta que “existem evidências científicas comprovadas para o uso de medicações que possam auxiliar no combate às fases iniciais da Covid-19”. No entanto, o consenso científico aponta que a droga é ineficaz para o combate à doença.
PublicidadeDestaque na imprensa
O levantamento do Radar Aos Fatos mostra que, além da suposta consultoria informal ao Planalto, Yamaguchi também se consolidou como uma das principais porta-vozes do medicamento no país.
Ao longo da pandemia, ela se dedicou a participar de lives e a conceder entrevistas sobre o tema, parte delas à imprensa profissional. Os canais de YouTube da Record (9), da Jovem Pan (8), do UOL (6), da Band (6) e da CNN Brasil (5) estão entre aqueles com maior número de vídeos da oncologista encontrados pela reportagem.
Na liderança da audiência, está a Jovem Pan. Os oito vídeos da rádio paulista em que a oncologista aparece, contabilizados os canais Jovem Pan News, Jovem Pan Maringá, Morning Show e Pingo Nos Is, acumularam mais de 2,6 milhões de visualizações (40% do total). Também é da emissora paulista o conteúdo mais visto — uma entrevista de Yamaguchi ao programa Pingo Nos Is que, sozinha, foi responsável por quase 1,3 milhão de visualizações.
No vídeo, publicado em outubro do ano passado sob o título “Dra. Nise Yamaguchi detalha riscos da vacina contra a Covid-19”, a médica lança dúvidas sobre a segurança e a eficácia das vacinas e sustenta que há evidências científicas que atestam os benefícios do chamado “tratamento precoce”.
“No momento em que nós estamos tratando as pessoas precocemente no Brasil, estamos tendo uma diminuição importante da hospitalização dos pacientes, exatamente porque já temos mais de 10 mil médicos prescrevendo, temos um Ministério da Saúde que está estimulando o tratamento precoce (…)”, disse a médica, na contramão do consenso acadêmico.
Embora o levantamento do Radar Aos Fatos mostre que a imprensa tenha recorrido a Yamaguchi com frequência, nem todas as emissoras seguiram o mesmo tom ao entrevistá-la. Enquanto em alguns programas a oncologista discorreu sobre o tratamento precoce sem contrapontos, em outros, como em lives do UOL, ela teve sua defesa da cloroquina rebatida pelos entrevistadores.
Yamaguchi também já foi entrevistada em programas da TV Brasil, emissora pública. Em uma de suas participações, afirmou que “essa história de que não tem cura para esse novo coronavírus nao é verdade” e comparou o medo da pandemia ao sentimento das vítimas do holocausto. Por conta da declaração, acabou suspensa do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, do qual faz parte.
Outro lado
O YouTube informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que “expandiu suas políticas de desinformação médica sobre a COVID-19 e, a menos que haja contexto educacional, documental, científico ou artístico suficiente, a plataforma removerá vídeos que recomendam o uso de ivermectina ou hidroxicloroquina para o tratamento ou prevenção da Covid-19, fora dos ensaios clínicos, ou que afirmam que essas substâncias são eficazes e seguras no tratamento ou prevenção da doença”. Segundo a plataforma, a atualização está alinhada às orientações atuais das autoridades de saúde globais sobre a eficácia dessas substâncias” e, desde o início da pandemia, removeu mais de 850 mil vídeos por violarem suas políticas de conteúdo.
O Aos Fatos também entrou em contato com Nise Yamaguchi e com a Jovem Pan, mas não teve resposta até a publicação deste texto.
Metodologia
O Radar Aos Fatos coletou, por meio da API do YouTube, vídeos que continham “Nise Yamaguchi” em seu título, descrição ou em sua lista de tags no período de 26 de fevereiro de 2020 (dia da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil) e a última sexta-feira (28). Depois, analisou em quais materiais a médica defendia o uso da cloroquina para tratar a doença. Foram desconsiderados comentários e reportagens sobre a oncologista.
Referências
1. Novelo Data (Twitter)
2. Folha de S.Paulo
3. G1
4. Estadão
5. Aos Fatos 1 e 2
6. YouTube (1 e 2)