Entusiasmado advogado da reforma tributária, o ex-deputado paranaense Luiz Carlos Hauly vale-se de uma frase de Santo Agostinho para manter o seu otimismo quanto ao avanço da reforma tributária. “Tempo é uma questão de preferência”, diz Hauly, enquanto se movimenta no Congresso em busca de apoio à PEC 110, que ajudou a elaborar.
Santo Agostinho foi um dos primeiros pensadores a estabelecer a ideia de que o tempo não é uma questão absoluta. Ele dizia: “O passado não existe mais; o futuro ainda não chegou, e o presente torna-se pretérito a cada instante”.
Baseado nessa ideia, Hauly assessora o grupo que defende a PEC 110. Para ele, sempre haverá tempo para fazer uma mudança que considera urgente e necessária. Na semana passada, ele estava na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) quando novamente a análise da matéria foi adiada. Esta semana, de novo percorria os corredores da Câmara e do Senado em busca de apoio. A senadores que demonstravam dúvidas, levantadas especialmente por prefeitos da sua região, pedia que os prefeitos o procurassem, para esclarecer os questionamentos.
“O que atrapalhou o avanço foi que o presidente da CCJ teve que ser internado”, confia Hauly. “Na semana que vem, ele estará de volta e ficará tudo ok”, considera o deputado.
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Hauly refere-se ao senador Davi Alcolumbre (União-AP). De fato, na semana passada, Alcolumbre teve de ser internado depois de ter um abcesso intestinal. Ele passou por uma cirurgia e teve alta na quarta-feira (11). Alcolumbre é o primeiro signatário da PEC 110, que é apoiada por vários outros senadores. Assim, Hauly entende que não haveria ambiente para que ela avançasse na sua ausência.
Na linha do mesmo otimismo está o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Pacheco tornou-se um dos maiores patrocinadores da PEC, diante da possibilidade de conseguir deixar como legado da sua passagem pelo comando do Senado a reforma. Sobre a necessidade de uma reforma tributária, há um quase absoluto consenso: praticamente ninguém discorda que o sistema tributário brasileiro é confuso e oneroso. O problema é o que fazer para resolver. Sobre isso, nunca se consegue um consenso. Todas as tentativas de reforma tributária acabam empacando. Na quinta-feira (12), Pacheco voltou a dizer que confia que, na semana que vem, a PEC 110 avance.
Publicidade“O ambiente é ruim”
Na prática, porém, retiradas as torcidas dos mais otimistas, essa não é a expectativa de parlamentares mais ligados às questões tributárias. O Congresso em Foco Insider ouviu integrantes das três frentes parlamentares que são ligadas de maneira mais clara ao empresariado: a Frente Parlamentar do Brasil Competitivo, a Frente Parlamentar pelo Livre Mercado e a Frente Parlamentar pelo Empreendedorismo.
“O ambiente é ruim, do ponto de vista político”, considera o presidente da Frente pelo Empreendedorismo, deputado Marco Bertaioli (PSD-SP). “Aprovar uma reforma como essa é algo que necessita de sinergia. Hoje, os governadores já estão voltados para as eleições, e nós também”.
Para Bertaioli, o caminho que passa a parecer mais possível é o da aprovação de questões pontuais que de alguma forma possam vir a produzir algum tipo de simplificação tributária. Ele, por exemplo, defende a criação de algum modelo que torne permanente a desoneração da folha de pagamento sobre os principais setores da economia.
O deputado Felipe Rigoni (União-ES), da Frente do Brasil Competitivo, compartilha dessa impressão. “Aprovar a reforma tributária a essa altura é algo virtualmente impossível”, considera ele. “O que pode haver é algum tipo de simplificação pontual”.
E, nesse sentido, ele defende um projeto de sua autoria, que cria o Código de Defesa dos Pagadores de Impostos. O projeto regula a relação entre o contribuinte e a Receita Federal, estabelecendo parâmetros. “Esse tipo de coisa, acho que passa”, aposta ele. Segundo Rigoni, ele já obteve do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a promessa de que encaminhará o projeto diretamente para o plenário, sem passar por comissões. Na semana que vem, caso isso ocorra, a intenção de Rigoni é pedir urgência para o projeto.
Para Rigoni, a falta de clareza sobre a posição do governo com relação à questão tributária atrapalha o andamento. “O governo não sabe o que quer. A cada hora, faz sinalizações diferentes”.
De fato, desde o início da discussão houve problemas quanto à melhor forma de tratar a questão tributária, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendendo uma aprovação fatiada de temas, no que teve o apoio de Arthur Lira. Um projeto que modifica o Imposto de Renda chegou a ser aprovado na Câmara, mas estacionou no Senado, tendo como relator o senador Angelo Coronel (PSD-BA). Agora, segundo o presidente da Frente do Brasil Competitivo, deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), Guedes volta a defender o retorno da tramitação do projeto sobre o Imposto de Renda. “Mudanças sobre a tributação do consumo, não vejo vontade agora para isso. Pode haver mudança na questão da renda”, considera ele.
O deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) também é pessimista quanto ao avanço. “Se passar no Senado, ela não avança na Câmara. Não há tempo para isso”, avalia. “De repente, há alguma chance de avanço de alguma coisa pontual, sobre combustíveis ou sobre energia”.
Banzé no Oeste
Para Hauly e os defensores da PEC 110, porém, tal solução ficaria longe de resolver o problema tributário. “A maior parte da arrecadação brasileira está relacionada ao consumo”, argumenta. “Da arrecadação brasileira, 75% é sobre preços, é consumo”.
“A carga tributária distorcida afeta toda a economia brasileira”, diz Hauly. “É o manicômio tributário brasileiro. Um banzé no Oeste”, continua. “Mais de 50% do problema econômico brasileiro está ligando à ineficiência do sistema tributário brasileiro”.
Segundo Hauly, desde a promulgação da Constituição em 1988, já foram aprovadas mais de 400 normas tributárias. Regras que não são claras, que muitas vezes são conflitantes e que geram, por isso, tremendo contencioso judicial. De acordo com pesquisa do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em 2019 o contencioso tributário chegou a 75% do Produto Interno Bruto (PIB). O Banco Mundial estima que 1% do custo de um negócio no Brasil é custo burocrático. A confusão contribui para que 25% do PIB brasileiro permaneça na informalidade. “Ou nós atacamos isso ou vamos continuar sem crescimento”, considera Hauly.
Apesar de todos os problemas, o ex-deputado considera que a PEC 110 é o projeto que mais avançou em termos de entendimento entre os diversos setores da sociedade. Esse trabalho, segundo Hauly, vem sendo feito pelo relator da proposta, senador Roberto Rocha (PTB-MA). “O que há ainda são pequenos problemas pontuais, fáceis de ser corrigidos”.
O Congresso em Foco Insider tentou contato com o senador Roberto Rocha, mas, até o fechamento desta edição, não obteve resposta. Continua aberto para as suas considerações.
A PEC 110 estabelece como principal mudança a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Tal imposto seria dual, ou seja, haveria um cobrado pelos estados e municípios e outro pela União. O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) seria cobrado pelos municípios, estados e o Distrito Federal. Ele substituiria o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de Comunicação) e o ISS (Imposto sobre Serviços). E a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) seria cobrada pela União em substituição à Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), Cofins-Importação e o PIS (Programa Integração Social). Toda a cobrança seria no destino, ou seja, na compra final do produto. E de forma digital, a partir da emissão da nota fiscal. O IVA é adotado por 168 países.