Arthur Lira vive seus últimos dias no comando de votações de projetos fundamentais para a economia. Curiosamente, estabeleceu um calendário para a análise do pacote fiscal do governo Lula, mas não assumiu qualquer compromisso com os resultados. Desde o início deste seu segundo mandato na presidência da Câmara, manteve um espécie de duelo com Lula, trocando benesses pelo aval no andamento das propostas governistas.
Essa aliança, fechada antes da posse de Lula, quando Lira ajudou na aprovação da PEC da transição, foi eterna enquanto durou. Agora, Lira volta ao plenário como um deputado influente e vai enfrentar os desvios resultantes desse pacto. O ministro Flavio Dino negou aval à legalidade de parte das emendas orçamentárias aprovadas pelos parlamentares. Lula, que já desistiu de brigar contra os novos poderes do Congresso, mandou a AGU contestar as regras de transparência e rastreabilidade na aplicação dos recursos impostas por Dino com o apoio da Corte. O ministro-relator resistiu. Por decreto, e com exigências mínimas, Lula passou a liberar o dinheiro.
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Nos últimos quatro anos, Lira foi o condutor dos interesses do Centrão, o amorfo bloco de partidos que dita os rumos da Câmara. Seu maior legado será deixar com o Parlamento o controle de 16,8% das despesas discricionárias por meio de emendas ao Orçamento. Há uma década, essa proporção era de 4%. Além disso, a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2025 deve impedir que o governo bloqueie os recursos das emendas impositivas, mesmo quando precisar segurar gastos.
Esses poderes conquistados pelo Congresso sobre a distribuição de verbas federais podem render votos aos parlamentares, mas não credibilidade à instituição. Pesquisa Ipespe sobre a democracia no Brasil mostra que apenas 17% da população dizem confiar no Congresso. A farra das emendas também esbarra nos inquéritos iniciados pelo STF. Nos últimos dias, foi preso o empresário José Marcos de Moura, conhecido na Bahia como o “rei do lixo”. A polícia encontrou planilhas com negócios que se espalhavam por 17 estados. O empresário tem ligações com o União Brasil, outro expoente do Centrão, e é suspeito de liderar uma quadrilha que desvia recursos do Dnocs, obtidos por meio de emendas parlamentares ao orçamento.
As apurações, mostra a polícia, avançam na direção do provável futuro presidente do Senado. Uma assessora de Davi Alcolumbre aparece nas investigações articulando liberação de emendas para o esquema. Alcolumbre, o par de Lira na montagem da máquina eficaz de controle orçamentário pelo Congresso, foi quem indicou a Lula o ministro da Integração Regional, Waldez de Góes, responsável pelo Dnocs.
Alianças são essenciais na política, e Lula foi quem melhor compreendeu isso neste inicio de século. Há vinte anos, no final de 2004, quando ele chegava à metade do seu primeiro mandato, o então senador petista Cristovam Buarque encontrou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em viagem aos Estados Unidos. Numa longa conversa, Fernando Henrique afirmou que PT e PSDB não discutiam nem disputavam ideologia, mas apenas poder. “No fundo, disputamos quem é que comanda o atraso. O risco é quando o atraso se comanda”, constatou. Lira termina seu mandato deixando Lula na gerência de mais uma vitória do atraso.
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