Entregue nesta terça-feira (12) ao Colégio de Líderes da Câmara dos Deputados, o texto inicial da minirreforma eleitoral despertou alerta entre movimentos e organizações da sociedade civil de defesa dos direitos das mulheres e combate à corrupção. Avaliações de diversas entidades chamam atenção ao afrouxamento tanto das políticas de proteção às cotas de raça e gênero quanto aos mecanismos de garantia da transparência no processo eleitoral.
A minirreforma eleitoral, segundo o relator Rubens Pereira Júnior (PT-MA), tem por objetivo preencher até as eleições municipais de 2024 as principais lacunas que restaram após a reforma política de 2017, buscando reduzir os conflitos na Justiça Eleitoral.
Apesar de alegar o intuito de evitar entrar em temas controversos, um estudo conjunto das iniciativas Vote Lgbt+ e A Tenda das Candidatas identificou uma série de mudanças que podem comprometer a participação de mulheres, pessoas Lgbt+ e outros grupos sociais no processo eleitoral. Paralelamente, entidades de combate à corrupção identificaram elementos que comprometem a eficácia das atuais políticas de controle contra fraudes eleitorais.
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Questões de gênero e raça
Um dos pontos que preocupam os realizadores do estudo é a inclusão de candidaturas majoritárias (prefeituras, governos, vagas no Senado e presidência da república) no cálculo das cotas de gênero dos fundos Eleitoral e Partidário, que hoje são definidas pelos valores destinados às candidaturas proporcionais. “Isso vai contra o próprio espírito da lei. Quando você permite que as cotas entrem nas majoritárias, você faz com que [os recursos] cheguem a menos mulheres, porque os cargos majoritários são muito menos numerosos”, afirmou Hannah Maruci, cientista política e co-diretora da Tenda das Candidatas.
A minirreforma também dá autonomia aos partidos para definir a forma de distribuição de recursos dentro da cota. Uma única candidata, por exemplo, poderia receber todo o piso de 30% para sua candidatura ao invés do valor ser distribuído igualmente entre as candidatas.
As normas de funcionamento das cotas de raça e gênero dentro das federações também despertaram a preocupação de Hannah Maruci. “A minirreforma eleitoral permite que os repasses sejam contados por federação, e não por partido. Pode permitir com que, dentro da federação, possa existir um partido que não lançou nenhuma mulher. Isso reforça a ideia do [valor] mínimo como se fosse um teto”, apontou.
PublicidadeA pesquisadora também chama atenção à ausência da menção de pessoas negras no relatório, debate que foi transferido à PEC da Anistia Partidária, cujo texto prevê uma cota orçamentária de 20% para candidatos negros, sendo que estes correspondem a 50% da população brasileira.
Um dos avanços da minirreforma eleitoral é a expansão do entendimento de situações identificadas como violência política de gênero, bem como sobre as possíveis vítimas. A cientista política alerta que, apesar dessa melhora, a forma como o relatório está desenhado pode manter vulneráveis candidatas trans. “O uso do termo ‘condição de mulher’ exclui as mulheres trans, que são as que mais sofrem violência política de gênero e de raça”.
Um dos principais mecanismos para candidaturas trans e de outras parcelas da comunidade Lgbt+ conseguirem espaços nas nominatas é a criação de mandatos coletivos. Esses também ficaram vulneráveis no projeto. “O projeto coloca totalmente na mão dos partidos, inclusive a questão de poder ou não poder mandatos coletivos, sendo que muitos partidos são contra”.
Transparência e corrupção
Outra entidade que identificou diversas lacunas no texto foi o Pacto Pela Democracia, que emitiu um comunicado apontando os pontos de enfraquecimento na transparência eleitoral. Diversas exigências legais foram dispensadas, como a de especificação de empresas e pessoas contratadas para distribuição de panfletos eleitorais, possibilidade de realização de propaganda eleitoral com qualquer membro da coligação e declaração apenas de gastos em campanha, sem a necessidade de declaração dos bens arrecadados.
O projeto também abre a possibilidade de realização de boca de urna virtual, desde que realizada sem que o candidato pague pelo impulsionamento. “Isso, somado ao poder de alcance dos influencers pode prejudicar a tranquilidade do pleito e abrir espaço à desinformação”, alerta o Pacto Pela Democracia.
O jurista Márlon Reis, cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e autor da Lei da Ficha Limpa, também avaliou o texto, e chamou atenção para a redução na pena para compra de votos: a cassação do diploma do candidato eleito é substituída no projeto por uma multa, que varia entre R$ 10 mil e R$ 150 mil. “Isso vai dificultar demais a punição à compra de votos. Na prática, é uma franquia para a compra de votos”, avalia. Ele relembra que a punição à compra de votos foi a primeira lei de iniciativa popular na história da Nova República.
“Isso é muito sério. O projeto trata como se tivéssemos, da década de 90 para cá, resolvido a questão da compra de votos no Brasil, mas não é assim. Comprar votos ainda é um problema gravíssimo, e que ainda piorou de alguns anos para cá”, apontou Márlon Reis.
A minirreforma eleitoral está prevista para ter seu requerimento de urgência votado em plenário ainda nesta terça, para que o mérito seja debatido no dia seguinte. Paralelamente, a comissão especial da PEC da Anistia Partidária, que entra em temas evitados na minirreforma, está prevista para votar a proposta também na quarta-feira. Se os dois textos forem aprovados na Câmara e Senado antes do dia 6 de outubro, eles ganham validade já nas eleições municipais de 2024.